As 5 perguntas mais importantes sobre a crise financeira atual

Teremos um 2008 novamente? É o fim do dólar?
Por  Gustavo Cunha -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Na semana que sucedeu a quebra de três bancos americanos, sendo o maior deles o Silicon Valley bank (SVB), 16º maior banco americano, do outro lado do Atlântico um ícone do mercado financeiro, em um país que é tido como um dos mais seguros e independentes do mercado financeiro mundial, beija a lona também, o Credit Suisse (CS). Sua quebra gera uma pressão para que o Banco Central da Suíça (SNB) coloque em campo todo o seu arsenal de garantias para contar a corrida bancária e culmina na “compra” desse banco pelo seu principal concorrente.

Aqui vale uma nota de por que coloquei compra entre aspas. O que aconteceu foi uma manobra para que o banco não fosse liquidado. O SNB não tem a possibilidade de ter um banco comercial e de investimentos sob sua tutela, se aproximou do UBS e o enfiou goela abaixo o CS, mas não sem que o UBS antes exigisse inúmeras garantias para isso, como o write-off dos AT1s (bonds subordinados que podem ser convertidos em ações em determinadas situações e que contam como capital para os bancos) e linhas de crédito que garantam possíveis (prováveis) esqueletos que apareçam. Na prática, o UBS comprou o CS por 10% do valor dele de um ano atrás com inúmeras garantias. Operação boa, mas (um enorme MAS) que depende do que ele encontrar lá dentro.

Tirando o foco da árvore e olhando a floresta, várias perguntas ecoam na minha cabeça e foram fatores de discussão em vários podcasts e painéis que participei: por que bancos quebram? O que há de errado com o sistema financeiro? Teremos novamente uma crise tal qual 2008? Conseguirão os Bancos Centrais salvarem o mundo novamente? A qual custo? Vamos a elas:

Por que bancos quebram?

Em um ótimo artigo do Martin Wolf para o jornal Financial Times, na semana seguinte à quebra do SVB, o título já vai direto ao ponto: bancos são feitos para quebrar e, as vezes, eles quebram.

Pois é, essa é a grande tragédia grega do mundo atual. Bancos têm todos os incentivos a terem ativos (empréstimos, títulos públicos etc) com vencimentos o mais longo possível e passivos (depósitos) o mais curto possível, ganhando o diferencial dos juros longos contra os juros de curto prazo.

Além disso, eles podem alavancar: ou seja, de cada 100 de depósitos podem emprestar x vezes mais, 1000, por exemplo. Junte-se a isso um crescimento rápido e uma participação enorme na economia. Temos a receita para o desastre que vemos acontecer regularmente.

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Não é leviano dizer que qualquer banco do mundo, diante de uma corrida bancária, iria para a ruína. Não há dinheiro para todos no sistema e em nenhum banco. O mecanismo econômico de reservas fracionárias faz com que a maioria do dinheiro que circula em todas as economias atualmente seja dinheiro criado pelos bancos comerciais e não pelos Bancos Centrais. Com isso, em uma corrida bancária em um único banco, esse não terá dinheiro para todos os depositantes e, em uma corrida bancária contra o sistema todo, na somatória dos bancos, também não haverá.

Isso é deveras preocupante, ainda mais em um mundo onde a velocidade de informações, e o fenômeno do Twitter, pode levar a uma corrida de proporções enormes, como a que ocorreu com o SVB. Ele teve mais de US$ 40 bilhões de resgate em um único dia.

O que há de errado com o sistema financeiro?

O freio para que bancos não quebrem o tempo todo deve ser, ou deveria, uma regulação que impedisse que esse comportamento acontecesse ou, ao menos, não se repetisse da mesma forma. No caso dos EUA, isso claramente não aconteceu no caso do SVB.

Ele quebrou exatamente como os bancos quebravam no início do século passado. Surreal, para dizer o mínimo. Com a diferença que, quando os bancos quebravam há décadas atrás, eles quebravam mesmo. Agora, nem isso acontece, pois os Bancos Centrais vão lá e os socorrem. Eles só precisam estar na categoria, deveras ampla, dos muito grandes para quebrar (“too big to fail”).

Temos aqui a criação de um incentivo errado para os bancos por meio do que chamamos de moral hazard, segundo o qual, o ganho, se tudo der certo, é individualizado (do banqueiro, acionistas) e, se der errado, é do coletivo (governo e pagadores de impostos daquele país).

Um sistema financeiro de reservas fracionárias, com regulação falha e com incentivo perverso é a receita ideal para crises e é o que temos visto. E é atuando nesses três aspectos que vejo a forma de tentarmos evitar isso.

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No caso das reservas fracionárias, ela é um design muito interessante, que prevê uma separação de poderes e fiscalização entre vários agentes e que ajudou muito no desenvolvimento econômico do mundo nas últimas décadas. Esse modelo é o que faz com que o sistema seja ajustável, e que invariavelmente os bancos quebrem. Não consigo pensar em um modelo onde tenhamos os mesmos benefícios desse sem incorrer em suas falhas, e confesso que as discussões sobre CBDC que tenho tido, em geral levam para a manutenção dele.

Daí o ponto é trabalharmos na regulação e na não criação de um ambiente de moral hazard. Seremos capazes de fazer isso? Até agora não me parece ser o caso.

Teremos novamente uma crise tal qual 2008?

Exatamente igual já digo que não. Como dizem, a história não se repete, mas tem muitas semelhanças. O sistema financeiro, ou a financeirização do mundo, ainda é um setor muito importante, com a diferença que, atualmente, a participação dos Bancos Centrais nesse mundo é muito maior. Só para terem uma ideia, o prejuízo que o Fed, o Banco Central americano, tomou devido ao aumento dos juros dos títulos públicos americanos é da casa de US$ 1,5 trilhão, praticamente o PIB do Brasil.

Isso leva à outra pergunta:

Estariam os Bancos Centrais incorrendo no mesmo erro dos bancos? Poderia ser a hora de eles quebrarem?

Minha resposta rápida à primeira pergunta é: pode ser. Difícil afirmar isso com certeza, mas eles estão com uma carteira enorme de títulos e que não parece que diminuirá (serão vendidos) em um futuro próximo.

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Agora, quanto à resposta à segunda parte, eu diria que não. Bem, quebrar, quebrar, não. Mas podemos ter uma “quebra” indireta, se é que posso chamar de quebra por meio de inflação um quebra. A inflação fará com que a dívida em termos reais caia.

Não vejo outra saída para o mundo nos próximos anos, dada a receita que os Bancos Centrais e países estão atuando. Acho muito improvável que tenhamos inflação próxima de 2% nos países desenvolvidos nos próximos anos – ou até na próxima década. “Erraram” para menos na década passada e vão “errar” para mais na próxima década.

Conseguirão os Bancos Centrais salvarem o mundo novamente? A qual custo?

De uma forma ou de outra, acho que sim. Na resposta da pergunta acima acabei dando um pouco da minha visão sobre o mundo financeiro que navegaremos nos próximos anos: um mundo de inflação alta, muito embora controlada, sem trajetória explosiva, ao menos do grupo do G10, onde os Bancos Centrais estarão lá para ajudar e “garantir” os grandes bancos, criando um incentivo perverso de moral hazard.

Uma das esperanças seria que conseguíssemos desenvolver uma regulamentação melhor no mundo e que isso corrigisse essa dinâmica mais em favor da população e deixasse o sistema financeiro menos propenso a sobressaltos. Mas, tendo vivido a crise de 2008 e visto tudo o que foi feito desde então, acho ingênuo acreditarmos que desta vez será diferente.

Termino com algumas perguntas que não respondi, mas que também são importantes:

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Em um cenário em que esse ajuste venha por meio de inflação um fator essencial é o tempo. Será que teremos tempo para isso se resolver? Ou a velocidade desse levará a uma ruptura mais drástica e rápida?

Há uma forma mais eficiente de arquitetura de mercado financeiro que o de reservas fracionárias? Se sim, como fazer essa transição?

Como fatores geopolíticos e a migração do poder político e econômico do mundo para a Ásia, majoritariamente China, afetam isso? Seriam essas crises uma causa ou consequência disso?

Qual o papel que a tecnologia tem sobre isso? CBDCs seriam um catalizador de um modelo mais ágil, controlado e anti-fragil?

Perguntas, perguntas e mais perguntas. É neste momento que temos que olhar para elas e tentar encontrar as melhores alternativas para seguirmos adiante.

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Gustavo Cunha Autor do livro A tokenização do Dinheiro, fundador da Fintrender.com, profissional com mais de 20 anos de atuação no mercado financeiro tradicional, tendo sido diretor do Rabobank no Brasil e mais de oito anos de atuação em inovação (majoritariamente cripto e blockchain)

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