Ata do Copom reforça cenário de maior cautela, mas não indica mudança de estratégia pelo BC

Preocupações com o cenário externo ganharam destaque no documento

Equipe InfoMoney

Edifício-Sede do Banco Central, em Brasília (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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Trazendo mais detalhes sobre as preocupações apenas pinceladas no comunicado que se seguiu à decisão do Copom da semana passada – em que reduziu a Selic de 12,75% para 12,25% ao ano – a ata da reunião do Banco Central divulgada nesta terça-feira (7) foi considerada mais hawkish (dura, mostrando preocupação com a inflação), mas sem alterar os planos da autoridade monetária para a Selic.

Após a divulgação do documento, a XP reforçou a projeção para a Selic acima do consenso de mercado em 2024 – “projetamos a taxa básica de juros em 11,75% no final de 2023 e 10,00% no final de 2024″, avalia.

Os economistas da casa, Alexandre Maluf e Rodolfo Margato, apontam que, de alta relevância, o Copom enfatizou que o ambiente global é adverso, em linha com o aumento das taxas de juros de longo prazo nos EUA, a persistência de núcleos de inflação acima da meta em muitos países e novas tensões geopolíticas.

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Nesse sentido, o documento diz que o comitê discutiu os efeitos dos juros altos nos EUA “via diferencial de juros, prêmio a termo na curva de juros, demanda externa, câmbio, taxa neutra de juros, preço das commodities, entre outros”. A partir disso, o Copom “avalia que é apropriado adotar uma postura de maior cautela diante dos riscos envolvidos”.

Sobre a atividade econômica doméstica, “o Comitê segue antecipando uma desaceleração da atividade econômica ao longo do segundo semestre, após as surpresas no crescimento observadas no primeiro semestre”. Além disso, avalia o mercado de trabalho como dinâmico, com contratações formais de emprego em níveis elevados. Dito isso, a autoridade monetária cita “que não há evidência de pressões salariais elevadas nas negociações trabalhistas, mas julgou que é importante seguir monitorando com bastante atenção as diferentes variáveis do mercado de trabalho”.

Em relação à inflação corrente, o documento reconheceu a dinâmica benigna do atual processo de desinflação, mas destacou que “esgotam-se algumas fontes de desinflação que contribuíram para o primeiro estágio da desinflação. Em particular, nota-se uma menor pressão baixista dos preços de atacado de bens industriais…” e os preços agrícolas “já não sugerem pressões baixistas tão pronunciadas nos próximos trimestres”. Apesar das boas notícias no curto prazo, o documento reforçou que “[a]s expectativas de inflação seguem desancoradas e são um fator de preocupação”.

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Além disso, destacou que o “fortalecimento da credibilidade e da reputação tanto das instituições como dos arcabouços fiscal e monetário” são chave para as expectativas de inflação – observe que a palavra “fiscal” foi adicionada na frase. No décimo parágrafo, incluiu “disciplina fiscal” como causa para a elevação das taxas de juros neutras. Também, a ata aponta que “…no período mais recente, cresceu a incerteza em torno da própria meta estabelecida para o resultado fiscal, o que levou a um aumento do prêmio de risco.” e manteve a mensagem sobre a “importância da firme persecução dessas metas [fiscais]”.

“Chamamos atenção que ‘[u]m membro avalia que o cenário externo introduz um viés assimétrico altista no balanço de riscos para a inflação. Os demais membros avaliam que o cenário internacional afeta primordialmente o grau de incerteza relativo ao balanço de riscos. O Comitê é unânime em avaliar que o aumento da incerteza no cenário global exige cautela'”, destacam os economistas.

Assim, considera que “ainda há um caminho longo a percorrer para a ancoragem das expectativas e o retorno da inflação à meta, o que exige serenidade e moderação na condução da política monetária”.

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Para o economista Matheus Pizzani, da CM Capital, o destaque do comunicado ficou por conta da atenção dada pelo comitê à situação atual da economia internacional, marcada tanto por tensões no campo geopolítico quanto pelos desdobramentos da política monetária das economias desenvolvidas, especialmente no caso dos Estados Unidos. A interpretação dos principais fenômenos foi majoritariamente negativa, com o Copom avaliando diversos canais de transmissão da política monetária internacional para a economia brasileira, com a maior parte destes mecanismos sinalizando possíveis impactos negativos sobre a dinâmica interna a partir de um nível de juros mais elevado lá fora.

“Situação oposta aconteceu quando da interpretação do comportamento da economia doméstica, cujo conjunto dos indicadores caminhou muito mais em linha com o que esperava o comitê. Neste sentido, destaque para o comportamento dos indicadores de atividade do mês de agosto, que em sua maioria reforçaram a perspectiva de desaceleração do crescimento econômico, componente importante do cenário base do Copom, assim como os dados de crédito e, especialmente, a trajetória do núcleo da e inflação”, aponta.

Para o analistas, o ponto de maior controvérsia foi o mercado de trabalho, cujo comportamento é passível de interpretações mistas a depender do objeto de análise. Se por um lado existe um processo de arrefecimento do número de vagas aberta em curso, o baixo nível do desemprego e o comportamento dos salários reais – que apresentaram ganhos nos últimos meses – podem trazer alguma dúvida acerca de possíveis impactos inflacionários por parte do consumo das famílias, avalia.

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Chama atenção ainda que, na visão do economista, ao contrário do que muitos imaginavam, a questão fiscal ocupou espaço apenas marginal no corpo do documento, com o comitê reforçando sua posição favorável à manutenção das metas estabelecidas pela Nova Regra Fiscal (NRF) e a necessidade de que as mesmas sejam perseguidas no decorrer dos próximos anos, tendo em vista o impacto desta variável especialmente para as expectativas de inflação de longo prazo, componente central para o cenário e projeções do Banco Central e que pode, de fato, impactar a dinâmica da política monetária.

“Canais de comunicação entre expansão dos gastos e o nível da inflação não foram mencionados, algo condizente com a realidade da teoria macroeconômica, tendo em vista que a conjuntura atual não é marcada por despesas de caráter inflacionário por parte do governo , que não compete com o setor privado seja pelo consumo de bens e serviços ou mesmo por crédito no mercado doméstico e internacional”, avalia.

Para o Bank of America, a ata enfatizou os efeitos defasados do ciclo de aperto monetário e do aperto do crédito local. As expectativas de inflação acima da meta e a continuidade da desinflação foram apontadas como os principais pontos para o corte de 50 pontos-base da Selic. “Mantemos nossa projeção de cortes de 50 pontos-base por reunião, com a Selic atingindo 11,75% até 2023 e 9,50% até 2024”, afirma.

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Também na visão do Itaú, a ata da reunião do Copom indica, assim como o comunicado, disposição em manter o atual ritmo de flexibilização de 50 pontos-base nas próximas reuniões – ou seja, pelo menos em dezembro e janeiro.

“Mas o texto apresenta várias indicações mais agressivas, incluindo a preocupação com as expectativas de inflação desancoradas, uma visão de uma desinflação mais lenta no futuro, uma possível fraqueza do real devido ao ambiente externo, uma derrapagem orçamental e um hiato do produto mais reduzido, o que, curiosamente, parece ter impacto na previsão para 2025. Em suma, o texto confirma que nas próximas reuniões haverá cortes de 50 pontos-base e, depois disso, a comissão poderá reavaliar a sua posição”, afirmam os economistas do banco.

Dito isso, o Copom fez suas projeções com o dólar a R$ 5,00, e agora ele está sendo negociado em torno de 4,90. “Apenas esta mudança pode muito bem levar a uma previsão de inflação mais baixa na próxima reunião, o que tornará um pouco mais difícil para o comité manter a sua tendência algo agressiva. Esperamos que o comitê reduza a taxa Selic para 11,75% aa na reunião de dezembro, e para 9,50% ao ano em 2024”, projeta o banco.