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Como o Novo Mercado pode ser prejudicial ao investidor minoritário

A pergunta que fica é se realmente o Novo Mercado fornece a segurança que se propôs dar. E a resposta é não
Por  Adilson Bolico -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Na década de 1990, o mercado de capitais brasileiro passou por uma crise inédita. O interesse dos investidores pela renda variável era decrescente e grande parte da liquidez foi exportada para as bolsas americanas. Dados da B3 mostram que os volumes negociados na Bolsa decresceram 46,76% a partir de julho de 1997 até o final do ano 2000 e o preço das ações se desvalorizou na mesma toada.

Diante da crise, cresceu a percepção de que a credibilidade seria fator essencial para atrair as pessoas físicas e estrangeiros de volta à Bolsa. E é neste cenário que nasce o chamado Novo Mercado, lançado em dezembro de 2000 como um segmento especial de listagem destinado à negociação de ações de empresas que adotassem, voluntariamente, práticas de governança corporativa adicionais às que são exigidas pela legislação brasileira.

Na teoria, as regras seguidas por estas empresas ampliariam os direitos dos acionistas que também se deparariam com informações mais transparentes. Além disso, o fato de emitirem apenas ações ordinárias, ou seja, com direito a voto, dava um plus às companhias listadas.

De início, o Novo Mercado foi visto com desconfiança pelos controladores das grandes companhias, que não enxergavam as vantagens de se adaptarem às suas regras. Mas, com o passar do tempo, a mudança esperada pela Bovespa aconteceu: hoje, das 68 empresas que fazem parte do Ibovespa, 42 estão dentro do segmento do Novo Mercado.

Esse número não deixa dúvidas de que a adesão ao segmento que busca dar mais proteção ao investidor foi um sucesso. Mas a pergunta que fica é se realmente o Novo Mercado fornece a segurança que se propôs dar. E a resposta é não.

Casos recentes deixam claro que estar no Novo Mercado não significa dar mais proteção aos acionistas, nem estar em conformidade com a lei.

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O IRB, por exemplo, abriu capital em 2017, com o lançamento das ações no Novo Mercado da B3. A Americanas, que em janeiro deste ano divulgou um rombo milionário, também fazia parte do segmento especial de governança corporativa. Em proporções bem menores, temos o caso da CVC e Via Varejo, e por aí vai.

O fato é que a forma pela qual o segmento é vendido hoje ao investidor é uma falácia. É uma mentira bem contada que leva a muitos a preferirem investir na empresa porque ela conta com um “selo de qualidade” ao pertencer ao Novo Mercado.

Isso também faz com que o preço das ações dessas companhias tenha um plus em relação ao das outras tradicionais, mas não impede fraudes contábeis que fazem o valor dos papéis serem reprecificados pelo mercado, indo de R$ 12,00 para R$ 2,72 da noite para o dia, como no caso AMER3, levando muitos investidores a perdas de patrimônio inestimáveis.

Pior ainda é quando pensamos no exercício de direito de ressarcimento a esse tipo de prejuízo, desse dano direto.

Os gestores da Americanas tinham a obrigação e responsabilidade de divulgar informações verdadeiras aos investidores. Ao não cumprirem com esta obrigação geraram dano informacional ao mercado, principalmente aos acionistas que adquiriram ações dentro de um processo de informação que veio a se confirmar como falho e fraudulento, induzindo os investidores em uma aquisição com sobrepreço.

Hoje, as ações estão cotadas ao redor de R$ 1,00. Ou seja, quem colocou seu patrimônio ou parte dele em Americanas perdeu mais de 90% do valor investido.

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Mas o que fazer?

As empresas que fazem parte do Novo Mercado ou dos segmentos diferenciados de governança corporativa contam com um “privilégio” frente às outras quando se trata de disputas com os minoritários: a obrigatoriedade do emprego da arbitragem e o uso da Câmara de Arbitragem do Mercado.

Mas o uso desses mecanismos é muito caro, com custos inalcançáveis para os minoritários, inibindo o acesso e afastando o pequeno investidor de um justo exercício de direitos de ressarcimento.

Para se ter uma ideia, somente o valor dos honorários arbitrais é de R$ 1.200,00 por hora trabalhada e a secretaria da Câmara de Arbitragem poderá solicitar às partes adiantamentos dos mais variados. É muito comum os custos de arbitragem ultrapassarem R$ 1 milhão.

Diante dos elevados custos, sem contar o desconhecimento sobre como ocorre um processo arbitral, a matéria societária e o mercado de capitais, fica praticamente impossível que um investidor com prejuízos menores, abaixo das casas dos milhões, busque seus direitos de ressarcimento.

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E pior, não há um “tribunal de pequenas causas” como alternativa. Assim, em vez de ser um mecanismo rápido, especializado e acessível aos investidores para solucionar problemas no mercado, a obrigatoriedade da arbitragem como solução de disputas e a Câmara da B3 como palco para tanto acaba se tornando um escudo para as companhias do Novo Mercado.

O segmento especial de governança corporativa da Bolsa oferece, de fato, uma falsa sensação de proteção ao investidor, o maior prejudicado no jogo do mercado. A pessoa física investe acreditando que o que foi dito era verdadeiro e que, por fazer parte do Novo Mercado, a empresa é ainda mais confiável. Enganado por fraudes, como no caso Americanas, o investidor perde 90% do valor investido e não tem como recorrer.

Olhando para o panorama atual, não há como não chegar a outra conclusão: o Novo Mercado é ruim para o investidor que, ao ser machucado, abandona a renda variável e volta para seu porto seguro: a poupança.

Adilson Bolico é sócio da Mortari e Bolico Advogados

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