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Marfrig prega nova fase e aponta motivos da venda de operações à Minerva

Para Rui Mendonça, CEO da empresa na América do Sul, mercado precisa enxergar que os ganhos com o deal bilionário vão muito além do pagamento de dívidas

Rikardy Tooge

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Em uma transação que deverá ser um divisor de águas para o setor de frigoríficos no país, a Marfrig (MRFG3) quer mostrar ao mercado que já está em uma nova fase. Mesmo que a conclusão da venda de seus ativos de abate na América do Sul para a concorrente Minerva (BEEF3) vá demorar ainda cerca de um ano, Rui Mendonça, CEO da Marfrig na América do Sul, deixa claro que o deal vai além do pagamento de dívidas. Ele enfatiza que a empresa se transformou em uma companhia de alimentos processados, com foco em valor agregado – e pede que os valuations do mercado passem a considerar essa nova realidade.

“Nós esperamos que o mercado reconheça isso e faça uma avaliação adequada a esse novo momento. Nosso foco é bem claro: complexos industriais, com maquinários modernos, e valor agregado. Este será o nosso norte”, disse, em conversa com o IM Business. Mendonça lembra que sua própria ascensão ao comando da Marfrig na América do Sul, em agosto do ano passado, com a ida de Miguel Gularte para a BRF (BRFS3), considerou sua experiência anterior como diretor de alimentos processados da companhia.

A entrada de R$ 7,5 bilhões para o caixa da empresa vem em um momento oportuno, admite. A alavancagem passava de 3,5 vezes a relação dívida líquida por Ebitda no segundo trimestre deste ano, sendo que 65% do endividamento bruto está em dólar. Com a venda de suas 16 plantas na região, a perspectiva da Marfrig, em números proforma do segundo trimestre, é que o indicador recue para 2,92 vezes. “Vai reduzir nossa alavancagem, diminuir nosso custo de dívida em um momento de alta de juros [nos EUA] e melhorar a estrutura de capital. Com certeza isso tudo vai acontecer, mas é um efeito secundário – importantíssimo, mas secundário. O negócio não ocorreu por este motivo, mas servirá para os nossos projetos de agregação de valor.”

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Vender tantos ativos de uma só vez, diz ele, não é uma decisão simples, nem para se tomar nem para se explicar. Porém, o executivo avalia que o movimento foi necessário diante da estrutura operacional que o conselho da Marfrig considera ser adequada. “Nós conhecemos muito bem essas plantas e sabemos do potencial de cada uma delas, e elas já não tinham ‘fit’ com o nosso projeto”, explica. Além disso, a precificação das unidades foi vista como uma excelente oportunidade. “Nós estamos em um momento bom do ciclo do gado [com maior oferta e preços mais baixos] e teremos essa transição de alguns meses para conviver ainda com esse mercado favorável antes do fechamento do negócio”, acrescenta.

Uma eventual participação da Companhia Saudita de Investimento Agrícola e Pecuário (Salic, na sigla em inglês), um dos fundos soberanos da Arábia Saudita, no negócio, que chegou a ser especulada pelo mercado, foi descartada pelo CEO da Marfrig na América do Sul. Embora a Salic seja acionista tanto de Minerva quanto de BRF (empresa controlada pela Marfrig), os árabes não tiveram relação com o negócio, que foi costurado diretamente entre o chairman Marcos Molina e o comando da Minerva em menos de 60 dias – prazo relativamente curto para um M&A dessa monta. Agora, as empresas aguardam o aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

O hambúrguer e a ‘nova Marfrig’

O raciocínio de Rui Mendonça para a “nova Marfrig” remonta a abril de 2018, quando a companhia colocou os pés nos Estados Unidos ao comprar inicialmente metade da National Beef. Naquele momento, recorda o CEO, a companhia viu as vantagens de se trabalhar com produtos de maior valor agregado e rótulos mais fortes. “A National Beef foi um investimento marcante. Ele nos fez aprimorar a ideia de se trabalhar com complexos industriais, da originação do animal ao processamento”, explica Rui Mendonça.

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Dos aprendizados com a operação americana, o hambúrguer simboliza a virada de chave. A Marfrig acelerou para se tornar a maior fabricante desse produto no mundo. Investiu ainda em outras marcas fortes na América do Sul, como as da QuickFood na Argentina, onde lidera o varejo de hambúrguer e salsicha. No Brasil, a entrada na BRF, dona das icônicas Sadia e Perdigão, e a ampliação de três complexos industriais para a produção de hambúrgueres também deram reforço à estratégia.

Rui Mendonça, CEO da Marfrig na América do Sul: empresa entra em nova fase após vender ativos para a Minerva (Divulgação)

“A pandemia nos mostrou que o hambúrguer é um produto de crescimento muito grande. Ele realmente passou a ser uma refeição. O hambúrguer é indiscutivelmente um produto com grande potencial”, prossegue Rui Mendonça.

Por outro lado, a experiência americana já não é mais a mesma de um ano atrás. As famosas margens de dois dígitos da operação nos Estados Unidos secaram em um momento em que o país experimenta sua maior taxa de juros em mais de duas décadas. Com isso, a margem Ebitda da operação da Marfrig na América do Norte, em que 90% do consumo é no mercado interno, caiu de 13,2% para 5,2% no segundo trimestre deste ano – o faturamento se manteve na casa dos R$ 14,5 bilhões.

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“Nós sempre performamos acima dos concorrentes nos Estados Unidos justamente pelo valor agregado, e isso nos permite navegar em cenários confortáveis e nos menos favoráveis. Evidentemente, nós sabemos que, talvez, leve mais um ano lá na National Beef [para as margens subirem], mas sabemos do potencial e da diferenciação que ela tem.”

Mas, se em momentos de inflação descontrolada e juros altos – cenário relativamente comum para a América do Sul – a margem caiu até mesmo nos Estados Unidos, como se justifica a tese de apostar em valor agregado na região? O CEO da Marfrig responde que são justamente alimentos deste perfil que seguram o desempenho. Os produtos com rótulos fortes, diz ele, conseguem manter preços competitivos até em fases mais difíceis para o consumo. “Nós vimos na última crise [no Brasil] que foi possível manter os preços dos produtos de marca. Eles foram mais resilientes e mantivemos o volume de vendas. Isso mostrou que nossa aposta em produtos de marca estava correta”.

Mesmo com o enxugamento de seu parque industrial para abate e produção de carne “commodity”, a Marfrig diz que não abandonará as exportações de carne in natura para a China. A empresa manteve plantas responsáveis por 60% dos embarques ao país. Embora o volume de carne produzida na “nova Marfrig” recue para 35% da capacidade anterior, a companhia aposta na diminuição da ociosidade para que a operação alcance pelo menos 50% da quantidade que era produzida anteriormente.

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Levando-se em conta a compra de carcaças de animais para fazer a desossa, o indicador pode chegar a 80% em um ano e meio. “O abate é importante, mas, para nós, a desossa se torna mais interessante. Isso permite otimizar a venda, escolher as melhores carcaças, trabalhar os melhores cortes. Vamos seguir fazendo carne commodity por um tempo, não vamos virar tudo só para processados”, acrescenta o executivo.

A despeito da estratégia principal da Marfrig, a perspectiva de menor endividamento foi o principal argumento citado por analistas para o desempenho da ação da companhia, que liderou as altas do Ibovespa nesta terça-feira (29), com uma valorização de 10,7% Já a Minerva recuou 18,3%, justamente em função da preocupação dos investidores com sua alavancagem a partir da compra das 16 plantas da Marfrig.

Para analistas e gestores, o recorte a curto prazo tende a ser positivo para a Marfrig por conta da alavancagem menor. Mas os profissionais ainda demonstram receio sobre o futuro da estratégia de valor agregado para a companhia. Do lado da Minerva, o investimento agressivo chamou a atenção, mas há dúvidas sobre o quanto será possível capturar todas as sinergias apresentadas a ponto de reduzir o custo da transação em menos de 18 meses, como foi apresentado durante a teleconferência sobre o negócio.

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br