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Os opostos se atraem: Minerva e Marfrig pisam no acelerador em negócio de R$ 7,5 bilhões

Antes concorrentes, frigoríficos definem táticas diferentes para avançar – e ganham musculatura em disputa com a JBS

Rikardy Tooge

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A transação de R$ 7,5 bilhões entre Marfrig (MRFG3) e Minerva Foods (BEEF3), anunciada na noite desta segunda-feira (28), reforça os caminhos opostos que os dois frigoríficos estão tomando nos últimos anos. Ao comprar 16 unidades de abate de bovinos na América do Sul (a maior parte localizada no Brasil) da então concorrente, a Minerva pisa no acelerador para as exportações de carne bovina in natura, enquanto a Marfrig migra de vez seu jogo para o valor agregado, com foco em hambúrgueres e produtos da BRF.

Os Vilela de Queiroz, família controladora da Minerva, ganham musculatura e caminho aberto para disputar com a JBS os embarques de carne bovina na região. Por ser um produto “comoditizado”, que oscila mais devido às variações de mercado e com margem estreita, a escala é fundamental. Com a transação, a empresa agregará 44% mais capacidade de abate à sua operação, chegando a 42,2 mil cabeças de gado por dia e 25,7 mil de ovinos, enquanto o número de plantas crescerá de 29 para 45. A empresa estima que terá condições de aumentar sua produção de 1,2 milhão de toneladas por ano para 2,6 milhões de toneladas, com impacto similar no nível de receita.

Para a JBS (JBSS3), que via duas concorrentes em uma acirrada disputa pela vice-liderança, passará a enxergar apenas um insurgente em sua cola – e com motor turbinado. O movimento, avaliam fontes ouvidas pelo IM Business, pode provocar um cenário menos tranquilo para a empresa dos Batista diante de um concorrente mais agressivo do que a Marfrig de Marcos Molina. “A Minerva foi muito corajosa neste investimento. Ela é um ‘lobo solitário’ em tudo o que faz e isso não pode ser subestimado”, diz um observador privilegiado.

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Para a Marfrig, o desafio é deixar de ser analisada apenas como frigorífico (tese ligada ao mercado de commodities) e passar a ser vista como uma empresa de alimentos (racional mais atrelado ao consumo das famílias). Ao abrir mão da disputa do mercado in natura, a empresa centra foco em seus rótulos famosos, como Sadia e Perdigão, hambúrgueres para o food service – é a maior fabricante do produto no mundo – e cortes premium para churrasco. Todos esses são produtos de maior valor agregado, uma estratégia que a empresa começou em 2018 e que ganhou força ao assumir o controle da BRF (BRFS3) em meados do ano passado. Neste cenário, a empresa deverá acirrar a concorrência com as marcas Friboi, Swift e Seara, da JBS.

Fernando Galletti de Queiroz, CEO da Minerva: empresa investirá R$ 7,5 bilhões para comprar ativos da concorrente Marfrig (Divulgação)

Em apresentação a analistas, a administração da Marfrig aponta, em números pro-forma de 2022, que mais de 30% do seu faturamento na América do Sul virá de alimentos processados, que oferecem margens mais atrativas. A receita líquida ficaria cerca de R$ 12 bilhões menor, mas, em compensação, a margem Ebitda sairia de 8,4% com a operação antiga para algo acima de 10%. A desalavancagem será outro ganho da Marfrig, que deverá sair da atual relação dívida líquida por Ebitda de 3,7 vezes para menos de 3 vezes. Em um momento em que empresas que operam nos Estados Unidos, como é o caso da Marfrig com a National Beef, enfrentam pressão no custo de dívida em função da subida de juros no país, o alívio no balanço chega de maneira providencial.

A companhia de Marcos Molina também preserva suas três principais plantas integradas (do abate ao processamento) no Brasil: Várzea Grande (MT), Promissão (SP) e Hulha Negra (RS), além de unidades na Argentina e Uruguai que, juntas, são responsáveis por mais de 60% do faturamento da empresa na América do Sul. Há também ganhos do ponto de vista ESG. Com menos plantas de abate, o processo de rastreabilidade de fornecedores deverá ser menor e, ao mesmo tempo, diminuem as pressões sobre compra de carnes de pecuaristas que eventualmente possam estar irregulares junto às autoridades.

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Mas, para os criadores de gado, a notícia não é tão alvissareira: o mercado tende a ficar estreito, com uma concentração maior de JBS e Minerva. Com a transação, cerca de 50% do abate de bovinos com carimbo da fiscalização do Ministério da Agricultura e mais de 50% das exportações fica entre as duas, o que tira o poder de barganha do produtor rural em um ciclo de preços baixos para a arroba do boi. Esse cenário deverá ser levado em conta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que dará a palavra final à transação.

Se Minerva e Marfrig traçam de vez estratégias opostas, um investidor em comum é visto como um dos responsáveis pela transação – tida como pouco provável meses atrás. Ao colocar os pés na BRF por meio de Marcos Molina, a Companhia Saudita de Investimento Agrícola e Pecuário (Salic, na sigla em inglês), um dos fundos soberanos da Arábia Saudita, causou surpresa no mercado por sua relação histórica com a Minerva, na qual faz parte do bloco de controle. Parecia não fazer sentido a Salic embarcar em uma sociedade com um empresário conhecido por ser concorrente direto da Minerva.

Analistas, executivos e gestores queimaram seus neurônios para entender qual peça seria mexida no tabuleiro e a resposta finalmente apareceu. Os árabes, que prezam por sua segurança alimentar, devem ganhar um fornecedor de carne bovina com uma enorme capacidade de abate ao mesmo tempo em que dá novo fôlego financeiro à maior produtora de carne de frango do mundo e uma das maiores em suínos — no caso, a BRF.

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Apesar de a transação ter sido anunciada após o fechamento do pregão, Minerva e Marfrig lideraram o desempenho do Ibovespa nesta segunda-feira, com altas de 4,21% e 3,54%, respectivamente.

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br