Enquanto a perspectiva era de que os juros em baixa puxaria as ações do setor de consumo e varejo, a realidade que se impõe neste ano como um todo para diversas empresas da Bolsa brasileira é bem diferente.
O índice de consumo da B3 ICON, registra baixa de cerca de 6% no acumulado do ano, ante avanço de 5% do Ibovespa no período. Em setembro, mês que marcou o segundo corte seguido dos juros pelo Comitê de Política Monetária (Copom), a queda é de 5,5% para o ICON, ante baixa de cerca de 0,4% do Ibovespa (no acumulado até o início da tarde desta quinta-feira), ainda que haja forte disparidade entre diversos ativos do setor, conforme destacado em tabela abaixo.
Confira o desempenho das ações do setor:
EMPRESA | ATIVO | VAR. MÊS (%) | VAR. ANO (%) | VAR. 12M (%) |
Casas Bahia | BHIA3 | -54,33 | -75,83 | -81,53 |
GPA | PCAR3 | -32,39 | -51,19 | -59,54 |
Grupo SBF | SBFG3 | -8,53 | -47,88 | -67,83 |
Alpargatas | ALPA4 | -6,54 | -47,88 | -62,46 |
Carrefour | CRFB3 | -13,45 | -39,24 | -55,82 |
Assaí | ASAI3 | 4,39 | -37,5 | -32,1 |
Grupo Soma | SOMA3 | -13,35 | -35,23 | -50,8 |
Lojas Renner | LREN3 | -16,01 | -33,11 | -50,03 |
Pague Menos | PGMN3 | -26,17 | -29,33 | -45,7 |
Petz | PETZ3 | -15,51 | -25,81 | -54,75 |
Magazine Luiza | MGLU3 | -25 | -24,45 | -52,19 |
Arezzo | ARZZ3 | -10,8 | -18,7 | -33,68 |
Guararapes | GUAR3 | -14,88 | -18,4 | -39,75 |
Grupo Mateus | GMAT3 | 0,45 | 6,96 | 1,96 |
Panvel | PNVL3 | -5,64 | 14,35 | -1,43 |
Vivara | VIVA3 | -2,91 | 19,75 | 2,01 |
RD | RADL3 | -0,62 | 20,37 | 26,35 |
Mobly | MBLY3 | -8,81 | 27,67 | 52,59 |
Grendene | GRND3 | -4,26 | 28,65 | 12,62 |
Natura&Co | NTCO3 | -0,79 | 29,72 | 5,31 |
SmartFit | SMFT3 | 0,73 | 52,69 | 39,26 |
Vulcabras | VULC3 | -0,81 | 60,81 | 44,79 |
C&A | CEAB3 | -3,74 | 124,89 | 60,44 |
Especificamente sobre o varejo, diversos fatores têm levado os investidores a ficarem mais cautelosos com as companhias do setor, desde a adesão de empresas estrangeiras ao Remessa Conforme (programa da Receita Federal que muda as regras de taxação de compras feitas em lojas do exterior sendo que, com ele, é possível obter a isenção do imposto de importação para compras online de até US$ 50; apesar do imposto zero para importação, é cobrado 17% de ICMS sobre cada remessa enviada ao país), discussões sobre reforma tributária e visão de recuperação ainda lenta dos resultados.
Neste contexto, e também de olho em diversos segmentos, quais ações os analistas e gestores veem como mais atrativas e quais ainda são vistas com ressalvas?
Primeiro de tudo, é importante ressaltar que, de um modo geral, o cenário ainda é visto como pessimista e de cautela para o setor, como destacou a XP Investimentos e o Goldman Sachs após recentes conversas com investidores, sendo que a primeira casa ouviu estrangeiros e a segunda os locais.
A equipe de análise da XP esteve nos EUA e em Londres falando com investidores e apontou que o sentimento continua cauteloso e o posicionamento nas empresas continua leve, enquanto as discussões tributárias são um ponto de preocupação no setor.
“No entanto, o posicionamento macro do Brasil em relação a outros mercados emergentes e um desempenho do varejo abaixo do índice estão fazendo com que os investidores olhem mais de perto”, apontam Danniela Eiger, Thiago Suedt e Gustavo Senday, analistas que assinam o relatório da casa.
Já na semana passada, analistas do Goldman Sachs reuniram-se com investidores no Brasil e observaram que a visão para o varejo continua relativamente negativa, com preocupações que vão também com a dinâmica de alavancagem e do fluxo de caixa e com a demanda ainda fraca por parte das famílias excessivamente endividadas, além do risco regulatório para benefícios fiscais.
“O sentimento em relação ao setor permanece, de modo geral, relativamente negativo, com apenas alguns investidores dispostos a olhar além da atual fraqueza de curto prazo na demanda dos consumidores para se concentrarem nos benefícios potenciais dos cortes cumulativos dos juros e da desalavancagem gradual das famílias – e dos balanços das empresas”, afirmaram Irma Sgarz e equipe em relatório enviado a clientes.
Eles acrescentaram que o fluxo recente de notícias sobre potenciais alterações em incentivos fiscais está pesando ainda mais, com os investidores demonstrando uma convicção relativamente limitada sobre quais os benefícios que podem ser protegidos e quais os que podem ser descontinuados.
A XP aponta ainda que um dos principais temas discutidos durante as reuniões que teve foi a questão tributária, com alguns investidores procurando entender as principais definições e quais são as companhias mais expostas a esses riscos, enquanto outros estão apenas esperando por definições mais claras para se posicionarem no setor. “A dinâmica macro também foi um tópico, apesar de majoritariamente consensual entre os investidores, na nossa opinião”, avalia.
Os analistas da XP citam que o interesse (e o posicionamento) em Lojas Renner (LREN3) foi bem menor do que em conversas anteriores, quando a “ameaça Shein” (com o aumento da participação da companhia no Brasil) surgiu como um assunto frequente nas reuniões.
“No entanto, os investidores não estavam cientes das limitações logísticas da Shein no Brasil, com entregas muito mais demoradas que nos EUA, bem como a incapacidade da companhia de replicar seu sortimento na operação cross-border. No entanto, a entrada da Shein no Brasil continua sendo um motivo de preocupação”, avalia.
Cabe ressaltar que a Shein entrou na semana passada no programa de Remessa Conforme, comprometendo-se a oferecer “entregas mais rápidas e assumindo parte das despesas dos consumidores”, conforme apresenta em seu site.
De acordo com relatório do BBI, as notícias não são boas para a varejista brasileira e seus pares, ainda que as manchetes “já estejam precificadas até certo ponto”, uma vez que a expectativa é que a concorrência permaneça acirrada por mais tempo.
No médio e longo prazo, ainda há incerteza sobre como a dinâmica competitiva pesará nas ações do setor do varejo. Entre os pontos que ainda não estão claros está a capacidade da Shein de manter o compromisso com o programa e a possibilidade de cobrança, por parte do governo, de imposto intermediário para plataformas transfronteiriças (ou seja, e-commerce estrangeiros).
“Portanto, mantemos nossa postura mais cautelosa em relação ao setor de vestuário em geral, pois as ações podem continuar não respondendo essencialmente aos fundamentos, mas sim a ‘manchetes/eventos’ como uma potencial revisão dos incentivos fiscais, ambiente de consumo de curto prazo errático/desanimador e, é claro, concorrência transfronteiriça”, avaliou o BBI na ocasião.
A casa aponta que a Lojas Renner não está imune a essas manchetes, mas que o valuation atualmente descontado (10 vez o múltiplo P/L, ou preço sobre lucro, para 2024) e as manchetes potencialmente negativas mais improváveis a partir de agora leva a equipe de análise a pensar que a assimetria agora deveria estar mais inclinado para cima (ou seja, mais chances de notícias que levem a surpresas positivas do que negativas).
“Vale lembrar que a Lojas Renner ainda desfruta de uma posição de destaque dentro de um mercado de vestuário altamente fragmentado, onde tem mais escala, mais rentabilidade e um balanço mais sólido entre os concorrentes locais, o que em última análise deverá lhe conferir um piso de valuation”, aponta.
Na mesma linha, a XP ressalta que alguns investidores com quem conversou ainda possuem Lojas Renner, porque continuam a vê-la como uma companhia de alta qualidade, com melhor dinâmica de resultados. Já do lado do “sell-side”, em relatório em que revisou o setor de vestuário de calçados, o BTG Pactual também destacou a companhia como uma de suas preferidas.
Mais destaques
Além de Renner, a XP também citou outras empresas que foram alvos de discussões e como os investidores ouvidos pela equipe têm olhado para elas.
O Assaí (ASAI3), de atacarejo, se destacou como um dos nomes mais discutidos, com valuation chamando atenção e Atacarejo como um segmento seguro para se estar.
Investidores também perguntaram sobre SmartFit (SMFT3), com a maioria olhando mais de perto o nome em busca de um potencial ponto de entrada no papel. O Grupo Soma (SOMA3), dono da Farm, Hering, entre outras marcas, também foi um tópico de interesse, com seu desempenho bem fraco já precificando um cenário pessimista.
A recente elevação da liquidez de Vivara (VIVA3) como novo acordo de acionistas colocou a ação no radar e na carteira de investidores estrangeiros estrangeiros, embora alguns ainda tenham dificuldade em entender a dinâmica do setor joalheiro no Brasil.
“Entre outros nomes discutidos estão Natura&Co. NTCO3 e a Onda 2 [processo de integração entre as marcas Natura e Avon na América Latina], com a maioria dos investidores mais céticos quanto à sua perspectiva de longo prazo; Carrefour CRFB3) e uma potencial assimetria de preços analisando as perspectivas de resultados para 2025; perspectivas de crescimento da Arezzo&Co ARZZ3 a partir de 2024 e o equilíbrio entre valuation e crescimento da RD RADL3“, pontuaram os analistas.
Vários nomes se repetiram nas conversas do Goldman Sachs com investidores domésticos. No caso do varejo discricionário, a equipe do banco americano apontou que os investidores concentraram-se sobretudo nos varejistas de vestuário, embora com um posicionamento leve, enquanto o interesse no segmento de bens duráveis, de empresas como Magazine Luiza MGLU3) e Casas Bahia (BHIA3) ou de artigos para animais de estimação – Petz (PETZ3) – era limitado.
“Investidores pareceram mais construtivos em relação à varejista de joias Vivara e à operadora de academias Smartfit (o Goldman Sachs ressalta que não cobre essas empresas) e também permanecem globalmente positivos em relação à Arezzo&Co, de quem investidores valorizam o perfil de crescimento consistente e o maior foco da administração nas margens”, afirmaram.
Eles também apontam que a Renner dividiu opiniões, com alguns expressando preocupações sobre a visibilidade ainda relativamente limitada dos lucros no curto prazo e algumas desvantagens adicionais nas estimativas de consenso.
“Alguns investidores também estavam interessados em discutir qual deveria ser um múltiplo justo para a ação da Lojas Renner, com alguns defendendo um ‘de-rating’ mais estrutural, enquanto outros foram mais construtivos devido à inflexão dos lucros passar para a linha de visão do mercado”, observaram, citando que a preocupação em torno da concorrência externa ainda prevalece.
Para o Grupo Soma, destacaram que o sentimento permanece cauteloso, principalmente devido à exposição da empresa a benefícios fiscais e à incerteza contínua sobre quanto destes benefícios podem ser preservados ou compensados por outras iniciativas de planejamento fiscal.
No caso do varejo alimentar, a visão é, no geral, extremamente cautelosa, com investidores temendo que o crescimento das vendas mesmas lojas estimado para o terceiro trimestre possa mais uma vez ser negativo para o segmento de atacarejo, dado o ambiente de queda dos preços dos alimentos.
Em relação a Assaí, segundo os analistas, há receios com a alavancagem da empresa, a geração de caixa no curto prazo e o cronograma de desembolso de investimentos.
Quanto ao Carrefour Brasil, há preocupações semelhantes, além de visibilidade limitada sobre o potencial de recuperação do portfólio das lojas BIG.
Já no caso de Natura&Co, as opiniões não foram unânimes, mas no geral positivas, embora parte disso a partir de uma perspectiva orientada por eventos, notadamente a perspectiva de venda da unidade The Body Shop.
Eles também notaram que os investidores acreditam, de modo geral, que a administração da fabricante de cosméticos está direcionando a recuperação na direção certa e gerindo adequadamente as expectativas de curto prazo. “No entanto, veem uma visibilidade limitada nos lucros nos próximos trimestres, à medida que a empresa avança mais profundamente na implementação da Onda 2”, afirmou a equipe do Goldman Sachs.
RD, afirmaram os analistas, continua a ser um consenso claro no lado positivo, com os investidores não avaliando que a ação está “esticada” dado o crescimento confiável e visibilidade de lucros.
Os investidores locais permaneceram “esmagadoramente” positivos em relação Mercado Livre (MELI34). “No geral, investidores locais estão talvez um pouco mais preocupados com a exposição da empresa à Argentina – com o receio de uma recessão a superar agora o temor de uma desvalorização -, embora a maioria também reconheça que o México era agora um contribuidor cada vez mais importante para os resultados globais”, escreveram no relatório.
Por outro lado, os analistas afirmaram que ouviram relativamente menos preocupação em torno da dinâmica de concorrência global, destacando que investidores continuam a monitorar a questão, mas acreditam que mais ajustes poderão ocorrer à medida que o Remessa Conforme caminha e potenciais alterações em tributos federais de importação possam ocorrer em 2024.
Preferidas dos analistas
A equipe de análise da XP, além de ouvir os investidores estrangeiros, também destacou em outro relatório sua percepção para o varejo.
Os analistas continuam a ver uma dinâmica desafiadora para os resultados no setor, uma vez que esperam um terceiro trimestre mais modesto, enquanto as discussões fiscais continuam sendo um ponto de preocupação.
No entanto, acreditam que a recente performance fraca do setor já precificou esse cenário, enquanto deveria ver evoluções marginalmente melhores nas discussões fiscais.
“Nesse caso, Vivara e Grupo Soma são nossas preferências dentre as varejistas de moda, com a primeiro sendo um nome resiliente com sólido histórico de crescimento e a última negociando a um valuation atrativo com avenidas de crescimento interessantes”, aponta.
O BTG, além de Renner, de forma de aproveitar a melhor perspectiva macro no Brasil, com inflação e taxas de juros mais baixas, destacou também preferir exposição ao setor por meio da Track&Field TFCO4 (com sua exposição a famílias de renda mais alta).
Em relatório recente, o Citi listou preferências no setor de consumo. Especificamente sobre o varejo, as preferências são por Smartfit, com projeção de alta da receita e visão de vantagens competitivas no setor, e pela Arezzo, com um valuation atrativo e forte performance de vendas.
(com informações da Reuters)
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