SÃO PAULO – O avanço dos fundos imobiliários vem se acelerando nos últimos anos. Ao fim de 2019, mais de 630 mil pessoas investiam nesses produtos, número recorde que impulsionou a indústria ao quinto ano seguido de alta. E, pelo que mostram os gestores dos três melhores FIIs do país, embora haja algumas armadilhas pelo caminho, as oportunidades nesse mercado ainda não se esgotaram.
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Prova disso é que os fundos Iridium Recebíveis Imobiliários (IRDM11), Vinci Shopping Centers (VISC11) e BTG Pactual Fundo de Fundos (BCFF11) estão se capitalizando por meio de ofertas subsequentes (follow-on). Os três fundos atuam em segmentos diferentes e conquistaram as melhores posições no ranking feito pelo InfoMoney em parceria com a escola de negócios Ibmec. Foi avaliada a consistência dos resultados em dois anos.
Nesse período, o Ifix, cesta que mede o desempenho da classe, subiu 39%, sendo superado pelos três produtos.
O primeiro lugar ficou com um fundo de papel – tipo que concentra investimentos em Certificados de Recebíveis Imobiliários –, que está se preparando para sua sexta emissão de cotas, de R$ 304 milhões. De sua estreia, em março de 2018, ao fim de 2019, o Iridium Recebíveis Imobiliários registrou valorização de 103%.
O fundo da Iridium é tocado pela mesma equipe que estava à frente do Verità, do Banco Fator. Em novembro de 2017, o time criou a gestora independente com foco em crédito, que hoje tem cerca de R$ 4 bilhões sob gestão. Reside nessa especialização a principal vantagem do IRDM, único fundo imobiliário da casa, em relação ao resto do mercado, conta Rafael Selegatto, um dos fundadores da gestora.
“Os FIIs nascem geralmente dentro de gestoras imobiliárias. Aqui nasceu em uma casa de crédito, então nos preocupamos mais com a geração de caixa das operações do que olhar mais para a garantia imobiliária”, afirma Selegatto. “Nossa grande preocupação é saber se uma operação vai gerar caixa para nos pagar com folga. Pode ser o melhor prédio do mundo em garantia, o que importa para mim é geração de caixa, porque meu viés é crédito. Apesar de querer ter imóvel de lastro, não quero ter que executar a garantia.”
A vantagem desse modelo, explica o gestor, é evitar passar por processos custosos e burocráticos. “Na teoria, era para ser simples e rápido. Na verdade, é um processo arrastado e caro. Deveria durar três meses, mas leva três anos.”
No dia a dia, isso se traduz em privilegiar empreendimentos com espaço de caixa, destaca. “Por mais que passe por um momento de estresse, tem muita gordura até chegar na minha parcela”, diz Selegatto.
O gestor atua no mercado imobiliário desde 2010, quando comandava o Verità. A experiência trouxe algumas estratégias que ele classifica como “heterodoxas”. Uma delas é evitar emissões muito grandes. A ideia é ir ao mercado com frequência, atrás de valores relativamente pequenos, para que o fundo consiga alocar os recursos com agilidade. O IRDM tem hoje R$ 503 milhões de patrimônio e 29 mil cotistas.
Os processos da casa são relativamente horizontais, uma “democracia das melhores ideias”, define Selegatto. “Ou todos estamos comprados em uma operação ou pulamos para a próxima.” São nove pessoas que atuam em todos os produtos da Iridium. Não existe separação entre um time imobiliário e um de crédito corporativo, por exemplo.
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O IRDM, que investe hoje em cerca de 60 papéis, se propõe a gerar uma rentabilidade equivalente à inflação mais 7 pontos percentuais ao ano, já líquida de imposto para pessoas físicas. O gestor afirma que o fundo não se enquadra nas categorias high yield ou high grade. “Temos uma carteira extremamente pulverizada. Somos um fundo que negocia onde enxerga oportunidade. Temos de papéis triplo A [maior nota de crédito] a outros mais agressivos”, aponta.
Uma pequena posição do fundo, por exemplo, está em um CRI que paga IPCA+17,35% ao ano, com vencimento em 2023. Trata-se de um empreendimento hoteleiro em Gramado ofertado apenas a investidores institucionais.
Excesso de liquidez
Em janeiro, a cota do IRDM chegou a valer mais R$ 140. Isso significa que o fundo estava sendo negociado cerca de 40% acima do valor patrimonial, o que é considerado bastante alto para um fundo de papel, cujo potencial de alta tende a ser bem menor do que os fundos de tijolo.
“Não tem porque achar que os fundos de CRI vão continuar subindo, não faz sentido. Valorizações [acima do valor patrimonial] nesses fundos até têm um racional, porque você gera mais dividendos com uma gestão ativa, mas 40% de ágio não acho que tenha sentido”, afirma. “Há algumas irracionalidades acontecendo, acho que o mercado está líquido demais. Vemos hoje operações que não deveriam estar saindo em um mercado mais normal, e que estão saindo por excesso de liquidez.”
Ainda assim, ele enxerga boas oportunidades, com mais companhias acessando o mercado de capitais para aproveitar a queda dos juros, inclusive de menor porte. “Tem muita empresa gigante listada que é horrível. E muita empresa familiar, bem tocada que fatura R$ 500 milhões. Não temos esse preconceito. Pelo contrário, hoje em dia prefiro pegar uma empresa menor e bem arrumada do que pegar uma gigante, com uma direção que só pensa em bônus.”
Lucro com shoppings
Também apostando em uma gestão ativa, o fundo de shoppings da Vinci ficou na segunda posição do ranking. Com alta de 52% nos últimos dois anos, o fundo encerrou no mês de fevereiro sua sexta emissão de cotas, no valor de R$ 480 milhões. O VISC, constituído em 2014 como um fundo fechado, foi listado em novembro de 2017 e hoje tem mais de 100 mil cotistas.
Após passagem pela BR Malls, Leandro Bousquet criou em 2012 o braço imobiliário da Vinci Partners. A área hoje conta com R$ 3,5 bilhões de patrimônio.
“O FII é mais eficiente do ponto de vista fiscal e é uma estrutura mais transparente, na qual o investidor tem de fato acesso ao fluxo de caixa gerado, porque o fundo tem que distribuir 95% do resultado semestralmente. E essa característica gera uma governança superior: toda vez que quiser fazer um novo investimento, eu tenho que voltar aos investidores e fazer uma nova oferta; vou ser testado novamente. Em uma companhia aberta, a habilidade da administração em reter caixa é muito maior”, diz Bousquet.
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O ano passado foi um dos mais ativos para o fundo, com o investimento em quatro empreendimentos e venda em dois. “Nossa gestão não é simplesmente captar e comprar ativos, é fazer uma boa alocação de capital, o que implica também fazer vendas no momento adequado. Conseguimos duas oportunidades no ano passado que geraram valor para os investidores, com preços [de venda] em média 10% acima dos valores de laudo”, conta Rodrigo Coelho, que faz a gestão do VISC.
Outro destaque recente, aponta Coelho, foi o investimento em um shopping no interior paulista. O fundo comprou pela primeira vez o controle de um ativo – anteriormente, os investimentos se davam por meio de participações minoritárias.
Ele destaca que o fundo tem hoje um portfólio de 12 shoppings, localizados em nove estados e administrados por sete empresas diferentes. Há diversificação também em relação à faixa de renda.
Entre as vantagens do segmento de shoppings, Coelho ressalta a variedade de locatários. “A concentração de locatários é menor. Mesmo as grandes lojas representam 2% da receita. Isso naturalmente torna os shoppings mais protegidos.”
A capacidade que esse segmento tem de capturar com velocidade a recuperação econômica é outro ponto importante, segundo Coelho, dado que a maioria dos contratos têm um percentual sobre as vendas combinado a um aluguel mínimo. Em momentos de crise, quando as lojas vendem menos, o shopping conseguiria manter um patamar razoável de receita.
Já quando as vendas melhoram, os shoppings conseguem se beneficiar de parte do movimento. “A partir do momento em que você tem uma melhora de economia e começa a vender mais, no mês seguinte já captura mais aluguel”, diz. Os segmentos corporativo e logístico, por outro lado, ganham nos momentos de revisão contratual, que podem levar anos a acontecer, assinala o gestor.
Sobre a competição digital que vem provocando perdas a fundos imobiliários nos Estados Unidos, Coelho diz que a ameaça é bem menor no Brasil. Isso porque, no caso americano, esses empreendimentos foram desenvolvidos no subúrbio. Já na experiência brasileira, os shoppings estão localizados dentro dos centros urbanos, com características que ultrapassam o varejo de moda. “Trata-se de um centro de convivência, serviços e lazer. Cinema sempre foi uma âncora importante aqui, por exemplo”, afirma.
Outra diferença estaria nas características do e-commerce naquele país. “No modelo americano, ele nasceu disruptivo, com a Amazon, que veio de fora para dentro do varejo e desenvolveu seus próprios métodos de distribuição, causando alguns estragos. No Brasil, o modelo está nas grandes marcas varejistas, como B2W e Magazine Luiza. Além disso, existe um gargalo de infraestrutura gigantesco. O custo de criar uma infraestrutura para entregar no mesmo dia é enorme. Pelas localizações, os shoppings são atrativos para essas marcas”, argumenta.
Leandro Bousquet levanta outro ponto: “Lá foram construídos shoppings demais, eles morreriam de ‘morte morrida’. Nos EUA, há quase 2 m² de ABL per capita de shoppings. No Brasil, são 7 cm²”.
Um fundo para comprar fundos
Tanto o IRDM quanto o VISC estão entre os mais de 50 produtos que compõem o fundo de fundos do BTG Pactual, o mais velho entre os premiados. O BCFF subiu 64% nos últimos dois anos e pretende concluir, em março, sua nona emissão, que deve levantar R$ 600 milhões.
O fundo foi criado em 2010 pela Brazilian Capital, inicialmente com R$ 30 milhões de patrimônio, conta Fernando Crestana, um dos criadores do fundo e sócio da área imobiliária do BTG Pactual. A companhia foi adquirida pelo BTG na virada de 2011 para 2012.
“Durante muitos anos após a estruturação, não existiam outros FoFs. Ele esteve sozinho no mercado por quatro anos, havia muito menos liquidez, não dá nem para comparar. Eram outros desafios”, afirma Crestana. “Quando se está sozinho, existe muita arbitragem que você captura sozinho, compra barato e vende caro”, lembra. “Hoje a assimetria é outra. É mapear os novos fundos e dizer o que vai vingar ou não. É mais importante antecipar tendências”, resume.
Ele avalia que o momento hoje é de um grande boom, em que muitos ativos já estão caros no mercado secundário, embutindo no preço previsões otimistas de ocupação e valorização. “Nosso desafio é buscar oportunidades no mercado primário.”
Sobre o processo de seleção dos fundos da carteira, Crestana explica que, dos cerca de 200 fundos listados, cerca de 140 têm liquidez suficiente para justificar um acompanhamento. Além disso, entre os gestores desses papéis, apenas cerca de 15 contam com a confiança do BCFF, que tem hoje um patrimônio de R$ 1,25 bilhão.
Outra frente de avaliação está na base de cotistas. “Estamos sempre presentes nas assembleias, para saber se os cotistas estão satisfeitos, se querem vender ou comprar, se tem um investidor grande, um fundo de pensão, um investidor institucional. Investimos muito nos bastidores, é um trabalho de formiguinha”, diz.
O gestor vê alguns excessos no mercado, mas acredita que um ponto de saturação ainda está distante. O número de investidores brasileiros que investem em FIIs é equivalente a 0,3% da população, enquanto a fatia americana é de 26%, diz. Como proporção do PIB, a indústria de FIIs no Brasil representa cerca de 1%, enquanto a média global é de 2,5% e a americana, de 6%.
“Tem um grande corredor para crescer a base de cotistas”, afirma. “Pensando em percentual da renda direcionada a fundos imobiliários em uma determinada economia, deveria haver espaço para pelo menos dobrar [no Brasil].”
A visão positiva está refletida na alocação do portfólio. O BCFF está com quase 90% do patrimônio investido em fundos. Crestana conta que, em 2013, quase metade da carteira estava alocada diretamente em CRIs, um movimento que procurava blindar o produto da queda que viria no mercado.
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