TSE julga Bolsonaro por ataques ao sistema eleitoral em reunião com embaixadores; conheça outros processos em que o ex-presidente é alvo

Então candidato à reeleição realizou encontro com diplomatas estrangeiros no Alvorada, e pode ficar inelegível por oito anos

Luís Filipe Pereira

O presidente Jair Bolsonaro (Foto: Isac Nóbrega/PR)

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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se reúne nesta quinta-feira (22) para julgar uma ação que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível pelos próximos oito anos. Ajuizado pelos advogados do PDT, o processo sustenta que Bolsonaro cometeu abuso de poder político e econômico por ter promovido, em julho passado, uma reunião no Palácio da Alvorada com embaixadores, em que atacou o sistema eleitoral. O evento foi transmitido pela TV Brasil, emissora estatal, e também nas redes sociais.

Concentrando grande parte do seu discurso em um inquérito da Polícia Federal que apurava fatos e circunstâncias envolvendo um suposto ataque hacker ao sistema do TSE em 2018, o então presidente levantou suspeitas sobre a eficácia das urnas eletrônicas sem apresentar qualquer prova.

Aos representantes do corpo diplomático de outros países, Bolsonaro também disse que o TSE se recusava em aceitar sugestões das Forças Armadas para aprimorar o processo eleitoral. Horas depois da transmissão, a Corte reafirmou o compromisso em garantir a segurança do voto, detalhando procedimentos realizados ao fim da votação em cada seção eleitoral, como a emissão dos boletins de urna em cinco vias, constando quantos votos cada candidato recebeu.

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Diferentemente da informação difundida por Jair Bolsonaro na ocasião do encontro com os embaixadores, a Corte também havia se posicionado favoravelmente a algumas das propostas das Forças Armadas para aprimorar o processo eleitoral, como o aumento do número de urnas eletrônicas a serem submetidas ao teste de integridade no dia das eleições, além da inclusão de representante dos militares, desde 2021, na Comissão de Transparência Eleitoral.

Clima “obviamente desfavorável”, diz defesa

Em janeiro, a pedido do PDT, o TSE incluiu no processo uma minuta com instruções para um golpe de Estado encontrada pela Polícia Federal, durante ação de busca e apreensão na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres.

Para o defensor de Bolsonaro no processo, o advogado Tarcísio Vieira, que já foi ministro do TSE, a ação contra o ex-presidente tem uma “base probatória frágil” porque questiona uma conduta de Bolsonaro antes do período eleitoral e, segundo ele, depois mudou a “narrativa inicial”, com a utilização de documento apreendido na residência de Torres.

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“Dentro de um julgamento honesto, leal, correto, jurídico a nossa tese é bem firme, a de que para que haja esse tipo de condenação a prova tem que ser absolutamente robusta, ela não era e mesmo depois da abertura que se fez (para inclusão da chamada minuta do golpe) continua não sendo”, afirmou em entrevista à agência Reuters.

Para o advogado, que admitiu um clima “obviamente desfavorável” para o julgamento de Bolsonaro no TSE, parece uma “coisa inverossímil” alegar que o ex-presidente tramou um golpe de Estado. O defensor de Bolsonaro adiantou que vai recorrer ao Supremo em caso de derrota alegando cerceamento de defesa, embora antes deva apresentar recursos no próprio tribunal eleitoral.

“Jamais passou pela cabeça do presidente da República enquanto pessoa essa possibilidade (de golpe). Ele perdeu a eleição, se recolheu a sua tristeza inerente à derrota eleitoral e um mês depois voltou, está no papel dele”, ressaltou Vieira, citando que Bolsonaro, com quem conversa com frequência, está sereno e tranquilo esperando um julgamento justo.

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Para Silvana Batini, professora da Fundação Getúlio Vargas, doutora em Direito Público, e que entre 2019 e 2021 exerceu o cargo de procuradora Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, a discussão sobre a prova produzida depois da propositura da ação, nesse caso, trata-se de uma questão lateral.

“A reunião é um fato público e notório, e não tem uma demanda de provas muito complexa, cabendo ao TSE julgar a vinculação e os impactos desse evento no processo eleitoral. Caso a acusação seja julgada como procedente, a lei eleitoral define a inelegibilidade por oito anos como sanção por abuso de poder político e econômico”, contextualizou.

“Alegações de abuso de poder dependem, sempre, de uma análise contextual dos atos, por isso a reunião com os embaixadores se tornou tão marcante. Dentro de um contexto que permitia já o questionamento de se os atos praticados pelo então presidente estavam dentro de um limite aceitável, a reunião se apresenta como um elemento concreto que pode envidenciar o rompimento dessas margens”, complementou Paula Bernardelli, sócia do escritório Neisser e Bernardelli Advocacia e especialista em direito eleitoral.

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Por fim, Vieira também afirmou que não vê como absurdo um eventual pedido de vista de um dos sete ministros do TSE ao citar que a proposta de voto do relator da ação, ministro Benedito Gonçalves, deve ter mais de 400 páginas. Além de Gonçalves, integram a Corte Eleitoral os ministros Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Kássio Nunes Marques, Raul Araújo, André Ramos Tavares e Floriano Marques.

Direita pode sair fortalecida

Ainda que represente uma derrota em um primeiro momento, analistas apontam que uma eventual condenação de Bolsonaro poderia fortalecer a direita e o campo conservador, credenciando nomes de perfil mais moderado, como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) a voos mais altos na política nacional nos próximos anos, chancelados pelo apoio incondicional do ex-presidente.

Também é esperado que, no caso de uma eventual inelegibilidade, Bolsonaro possa lançar mão do seu capital político de maneira mais contundente para apoiar figuras do seu grupo nas eleições do ano que vem, quando serão eleitos prefeitos e vereadores.

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“Se for condenado, Bolsonaro poderá entrar com muito mais vigor na campanha eleitoral de 2024, uma vez que não haverá qualquer amarra ou pendência que o limite enquanto cabo eleitoral de aliados que devem contar com seu apoio para as disputas municipais, realizadas nas bases eleitorais de deputados e senadores”, analisou o cientista político André Santos, sócio diretor da Contatos Assessoria Política.

Outras ações ajuizadas

A ação do PDT questionando a legitimidade do encontro com embaixadores no Palácio da Alvorada, com os ataques proferidos pelo presidente da república ao sistema eleitoral, não é a única ajuizada no TSE contra a chapa que tinha Jair Bolsonaro como candidato à reeleição e Walter Braga Netto como vice. Há outros 15 processos aguardando julgamento, e segundo juristas, uma eventual condenação pelo tribunal não livra o ex-presidente de futuras sentenças.

“Esse tipo de ação eleitoral, que tem por objetivo, em última análise, cassar o diploma de um candidato eleito ou tornar inelegível uma figura política que não conseguiu se eleger, é proposta durante o período eleitoral, com base na alegação da prática de abuso de poder político ou econômico, a partir de provas que podem ter alto grau de complexidade ou não”, explica Silvana Batini.

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Em duas ações protocoladas contra Bolsonaro há o argumento que o grupo político do então presidente se valeu de um projeto de eliminação das estruturas democráticas para tentar colocar em prática um plano de se perpetuar no poder. Além de Jair Bolsonaro e Braga Netto, o processo também tem como réus o senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Magno Malta (PL-ES), e os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Carla Zambelli (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO), entre outros.

Segundo a alegação, esses políticos tiveram participação ativa na criação de um ecossistema virtual de desinformação, com a criação de perfis que agiam de maneira orquestrada nas redes sociais, como ferramenta para persuadir eleitores a partir de falsos argumentos, durante a disputa eleitoral.

O grupo teria utilizado a disseminação de fake news em massa, apontando para a tese conspiratória de que as urnas eletrônicas teriam sido violadas por ataque hacker ocorrido em 2018 e pela afirmação de que o Judiciário seria responsável por capitanear um processo de manipulação do processo eleitoral, em uma grande articulação direta contra Jair Bolsonaro, que envolveria também a realização de pesquisas eleitorais fraudulentas.

“Foi incessante a busca de persuasão dos cidadãos brasileiros de que o resultado obtido nas urnas eletrônicas seria fraudável e que, ainda que se obtivesse uma parte de votos legítima, esse resultado não seria válido porque o sistema eleitoral teria sido manipulado antes mesmo da votação com uma suposta atuação maliciosa do Poder Judiciário e demais poderes, que estariam a conspirar e atuar, supostamente, em favor de Luiz Inácio Lula da Silva, para “censurar” opositores e conferir vantagem ao oponente de Jair Messias Bolsonaro”, diz trecho da petição.

O disparo de mensagens de SMS de cunho eleitoral em defesa da candidatura de Jair Bolsonaro originárias do mesmo número que direcionava conteúdo referente ao Sistema Paraná de Inteligência Artificial e do Detran do mesmo Estado também são alvo de pedido de investigação. O fato foi divulgado em uma reportagem do portal Intercept.

No processo são demandadas explicações dos responsáveis pelas empresas Algar Telecom e Celepar, com a indicação de seus diretores presidentes como réus na ação, assim como Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, e Walter Braga Netto, vice na mesma chapa.

Ainda sobre a campanha de Jair Bolsonaro nas últimas eleições, o apoio de um movimento batizado como “Casa da Pátria” durante as eleições também é alvo de uma ação judicial. Nela, o PDT pede que a empresa “ÍCONI Marketing”, responsável por manter no ar o site da organização em questão, informe todos os valores gastos com a elaboração de material divulgado na internet em apoio ao então presidente que tentava se reeleger, identificando também os financiadores da iniciativa.

De acordo com as informações divulgadas na página da internet, a “Casa da Pátria” tem como parceiros o FENASP (Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política), o CONCEPAB (Conselho Nacional dos Conselhos de Pastores do Brasil); o Movimento Conservador Cristão e APEB (Associação dos Parlamentares Evangélicos do Brasil), dentre outras”.

A ação, que relata a realização de uma reunião com os representantes da “Casa da Pátria” no Palácio do Planalto, com o então presidente Jair Bolsonaro e outros apoiadores de campanha, pede a quebra do sigilo fiscal bancário de todas as entidades responsáveis por manter a organização, além de demandar o compartilhamento de informações sobre o valor total aplicado pelo grupo na campanha presidencial.

De maneira geral, ainda que a disputa por votos não seja igualitária em termos práticos, dadas as discrepâncias naturais de recursos e condições econômicas entre os postulantes, que podem ter maior ou menor influência sobre os eleitores, o direito eleitoral prima por estabelecer regras ancoradas no princípio da igualdade entre os candidatos.

“No dia a dia, é tênue a linha entre a atuação regular do gestor, a quem é permitido divulgar seus feitos, e o abuso de poder político. A análise deve existir, essencialmente, nas situações em que as ações são capazes de alterar a vontade do eleitor em favor daquele que está no poder, como por exemplo, a intensificação de programas sociais, a entrega de benefícios em período eleitoral, o favorecimento de um grupo de eleitores pela colocação em cargos públicos. Ou sentido negativo, pelo uso da máquina pública para prejudicar adversários e impossibilitar a regular divulgação das outras candidaturas”, pontuou a advogada eleitoralista Izabelle Paes, sócia do escritório Callado, Petrin, Paes e Cezar.

A intensificação de programas sociais é citada em outro processo movido contra Bolsonaro no TSE. Nele, advogados questionam o acesso a recursos financeiros concedido a parte da população no período eleitoral, como o aumento do número de famílias beneficiadas pelo Auxílio-Brasil, a partir de arranjos unipessoais para a inclusão no programa.

Aprovada pelo Congresso em julho de 2022, a Emenda à Constituição (EC) nº 123, batizada de “Kamikaze”, autorizou uma série de programas pagos pelo governo Bolsonaro às vésperas das eleições, em uma tentativa de recuperar níveis de aprovação junto à população. O dispositivo permitiu que o governo gastasse R$ 41 bilhões fora do teto de gastos.

O texto abriu espaço para o prolongamento do estado de emergência – desta vez, sob a justificativa de mitigar os efeitos provocados pela guerra na Ucrânia sobre os preços dos combustíveis -, e também possibilitou o reajuste das parcelas do Auxílio Brasil para R$ 600 e um aumento do valor do vale-gás, além de oficializar a ajuda financeira do governo federal a caminhoneiros autônomos e taxistas.

São citadas como provas de abuso de poder político e econômico por parte do então presidente a antecipação de pagamento de auxílio a caminhoneiros e taxistas; a criação de um programa de negociação de dívidas com a Caixa Econômica Federal, com o desenvolvimento de uma linha de crédito específica para mulheres empreendedoras, e também para beneficiários de programas sociais; a liberação de FGTS futuro para financiar imóveis pelo programa Casa Verde e Amarela; e mesmo a concessão de vantagens específicas a concursados de segmentos alinhados a Jair Bolsonaro, como a Polícia Rodoviária Federal.

“É evidente que as pessoas beneficiárias do Auxílio Brasil, justamente em razão de sua condição de vulnerabilidade social, não possuem acesso a crédito com facilidade no país. Dessa forma, a possibilidade da ferramenta criada pelo Governo Federal a dias da votação do Segundo Turno permitiu o enxerto de mais de 4 bilhões de reais em mais de 1,6 milhões de casas brasileiras, o que evidentemente possui o condão de interferir da lisura das Eleições de 2022”, diz a petição. A ação também está ajuizada e aguarda julgamento no TSE.

Além de questionar eventuais desvios de finalidade na concessão de benefícios à população, há pedidos de investigações judiciais eleitorais que apontam a ocorrência de irregularidades na utilização das estruturas governamentais do Palácio do Planalto e do Palácio da Alvorada para reunir apoiadores, como cantores e artistas, e anunciar alianças políticas ao lado de governadores, visando a disputa eleitoral.

A utilização do aparato mobiliário dos prédios públicos, contemplados pela condição de presidente da república para divulgar os apoios eleitorais é visto como um desvirtuamento da finalidade dos bens da União.

Ainda sobre a utilização da estrutura governamental para atos de campanha eleitoral, uma ação protocolada pelo PDT também responsabiliza Jair Bolsonaro por abuso de poder político ao tratar de temas da campanha eleitoral em lives transmitidas do Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República.

“As referidas transmissões tinham por finalidade propagar os feitos do Governo, mas ganharam outros contornos com o início do período de propaganda eleitoral, sobretudo em razão do primeiro Investigado valer-se do espaço para veicular atos de sua campanha e pedir votos para os seus aliados”, diz trecho da petição.

Como prova, o processo cita transmissão realizada por Bolsonaro em 21 de setembro. No vídeo, transmitido ao vivo, ele faz apelo para que os eleitores o apoiem, e exalta motociatas e comícios realizados em Pernambuco. O então presidente candidato à reeleição também cita pontos fortes de sua campanha eleitoral, como a suposta estagnação da inflação, a redução no preço dos combustíveis e também do óleo de soja. Por fim, Bolsonaro anuncia o início do “horário eleitoral gratuito” para pedir votos para aliados políticos, reforçando o caráter eleitoral da transmissão.

A intersecção entre prerrogativas de Bolsonaro enquanto chefe de Estado e dos direitos a serem exercidos como candidato em situações diferentes também são levadas em consideração em pelo menos outras duas ocasiões, apresentadas em quatro ações ajuizadas no TSE.

Um dos episódios foi a viagem do então Chefe do Executivo e comitiva presidencial ao funeral da Rainha Elizabeth, no Reino Unido. Na ocasião, segundo os advogados do PDT, Bolsonaro aproveitou para produzir material de propaganda eleitoral, misturando mais uma vez o que seria algo de interesse público com seus interesses pessoais. Ele aparece em um vídeo comparando o preço do combustível na Inglaterra com as tarifas praticadas no Brasil. Àquela altura, o tema era amplamente debatido no contexto da disputa eleitoral pelos candidatos à presidência.

O processo também cita um discurso de Bolsonaro na sacada da embaixada brasileira em Londres, em que logo após prestar condolências à família real britânica, o presidente passa a defender seu ponto de vista sobre temas como aborto, drogas e questões de gênero, pautas debatidas em âmbito eleitoral. A ação também pede que seja divulgada a lista de passageiros que naquela ocasião estiveram no voo da FAB entre Brasília e Londres.

Outro episódio que também ilustra peças jurídicas são as comemorações pelo Bicentenário da Independência do Brasil, em 7 de setembro. Neste dia, o presidente esteve presente em um desfile cívico em Brasília e logo depois compareceu a um ato no Rio de Janeiro. Em ambos os momentos, o candidato à reeleição incluiu na sua fala direcionada ao público tópicos ligados ao conservadorismo, flexibilização do porte de armas e também questões de gênero, em um discurso que pode ser interpretado como peça eleitoral, já que faz acenos sobre suas preferências, como forma de atrair a atenção de eventuais indecisos.

(Com Reuters)

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