Racha no blocão antecipa corrida eleitoral e testa base de Bolsonaro na Câmara

Debandada de DEM e MDB explicita disputa entre grupos de Rodrigo Maia e Arthur Lira pelo comando da casa legislativa nos próximos dois anos

Marcos Mortari

Brasília - Plenário da Câmara dos Deputados, durante pronunciamento do Presidente Temer. Foto José Cruz/Agência Brasil
Brasília - Plenário da Câmara dos Deputados, durante pronunciamento do Presidente Temer. Foto José Cruz/Agência Brasil

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SÃO PAULO – De olho na disputa pela sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara dos Deputados e nos recentes movimentos de aproximação de lideranças do “centrão” com o governo Jair Bolsonaro, o DEM e o MDB decidiram desembarcar do grupo conhecido como blocão.

O agrupamento, que vinha sendo uma das principais forças da casa legislativa, reúne formalmente nove legendas e 221 parlamentares e tem como líder o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), que recentemente se aproximou do Palácio do Planalto e passou a ser visto por pares como uma espécie de liderança informal do governo.

Hoje, o blocão é composto por PL (42), PP (39), PSD (35), MDB (35), DEM (28), Solidariedade (14), PTB (11), Pros (11) e Avante (6). O grupo foi formado para dar força às siglas na disputa por postos importantes em comissões (caso da Comissão Mista do Orçamento) e peso em negociações.

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A saída de DEM e MDB, prevista para os próximos dias, explicita as divisões no grupo de partidos, pode enfraquecer Arthur Lira (e consequentemente dificultar os esforços do governo federal estreitar relações com o parlamento) e antecipar um movimento já observado nos bastidores das eleições por postos na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, prevista para fevereiro.

Juntas, as duas siglas contam com 63 dos 513 assentos da casa (12%). Com o movimento, elas terão autonomia em posicionamentos formais, como apresentação de requerimentos e destaques em votações de projetos de lei – embora deixem de integrar um agrupamento mais poderoso politicamente. Na prática, o governo pode enfrentar mais dificuldades na votação de temas de seu interesse.

“O movimento visa enfraquecer Arthur Lira, que se aproximou do governo e é candidato à sucessão de Rodrigo Maia, além demarcar maior distanciamento dos dois partidos em relação ao Palácio do Planalto – e tem potencial de influenciar o comportamento das bancadas em votações de interesse do governo”, diz a equipe de análise política da XP Investimentos.

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O cientista político Vitor Oliveira, diretor de análise da consultoria Pulso Público, chama atenção para a posição estratégia que as duas siglas ocupam no espectro político-ideológico, embora não representem as maiores bancadas da Câmara dos Deputados.

“Não é à toa que DEM e MDB saíram juntos do blocão. Ambos ocuparam e ocupam a posição de mediano no Legislativo, dividindo a distribuição ideológica em duas metades. Sua força não vem do tamanho das bancadas, mas sim da posição relativa sempre preferível a uma metade que o outro extremo”, observa.

“Não significa que estão no centro, mas sim que sempre terão sua posição preferida por uma das metades. Ao separarem-se da direita, sinalizam disposição de aliar-se à esquerda para a sucessão de Rodrigo Maia na presidência da Câmara dos Deputados”, complementa.

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A cerca de seis meses das eleições que definirão o próximo presidente da Câmara dos Deputados pelos dois anos seguintes, os partidos já definem estratégias e se movimentam em busca de alianças e posicionamentos.

Além da debandada de DEM e MDB do blocão, o PSL (41), antigo partido do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), articula junto ao PSC (8) a formação de um novo agrupamento, que poderia abrigar PTB, Pros e Solidariedade, e ser o maior da casa.

Na corrida eleitoral, a avaliação geral é que hoje há duas grandes forças em rota de colisão. De um lado, o atual presidente, Rodrigo Maia, que tenta manter influência sobre a definição de seu sucessor.

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Entre os nomes deste campo cotados para o pleito estão Baleia Rossi (SP), presidente nacional e líder do MDB, e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), líder da maioria na casa. O primeiro é autor e o segundo é relator da PEC 45/2019, uma das principais propostas de reforma tributária em discussão no parlamento.

Do outro lado, está Arthur Lira, que buscou aproximação com o governo federal para contrapor o capital político do deputado demista. O líder do “blocão” aproveitou um momento de “baixa” do governo Bolsonaro, em que crescia a sombra de um processo de impeachment e investigações contra aliados, para se aproximar do Palácio do Planalto e negociar diretamente espaços na administração federal.

Mas a aproximação incomodou parlamentares do bloco. Para alguns, a associação com a imagem do governo pode custar caro a Lira na disputa pelo comando da Câmara dos Deputados. Sobretudo em meio à desconfiança que o nome de Bolsonaro carrega entre os congressistas, em meio aos atritos protagonizados no primeiro ano de gestão.

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“O Executivo quer o Congresso alinhado, mas independência tem apelo. A candidatura do deputado Arthur Lira ajuda a agenda econômica pela sintonia com o ministro Paulo Guedes, mas a autonomia do Congresso é relevante eleitoralmente”, avalia Leopoldo Vieira, analista da consultoria IdealPolitik.

“Não é um racha do ‘centrão’, é um racha entre o centro governista (o centrão raiz) e o centro não governista (a turma do Maia). São movimentos para preparar a disputa pela sucessão de Rodrigo Maia”, diz Ricardo Ribeiro, analista político na MCM Consultores.

A articulação de DEM e MDB pelo afastamento do bloco vinha ocorrendo há cerca de dois meses, quando o presidente Jair Bolsonaro atraiu o centrão para sua base de apoio. Desde então, Maia e seus aliados trabalham na formação de um grupo parlamentar para se diferenciar. Os desencontros na votação do Fundeb, no entanto, precipitaram o desembarque.

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Na ocasião, Lira chegou a apresentar um requerimento de adiamento de votação em nome do bloco, em uma tentativa de evitar uma derrota do governo, que demonstrava preocupação com o impacto fiscal da elevação da participação da União nos repasses ao fundo. A ação foi de encontro com o que defendiam as duas siglas e provocou uma nova movimentação de peças no tabuleiro eleitoral.

“Arthur Lira tentou antecipar o debate de sucessão de Maia. Na semana passada, ele garantiu ao governo que conseguiria fazer uma articulação para mudar o projeto [sobre o Fundeb]. Mas o resultado final foi que o projeto aprovado estava muito mais próximo ao relatório inicial da deputada Dorinha, que manteve-se firme e teve muito apoio de Maia. Isso movimentou as peças de maneira precoce, com prejuízo a Lira”, aponta o analista político Creomar de Souza, fundador da consultoria Dharma Political Risk and Strategy.

“Ele não conseguiu entregar ao governo aquilo que dizia – e isso também colocou no Palácio do Planalto dúvidas acerca da capacidade que ele tem hoje de entregar esses quase 200 votos”, complementa.

O analista político Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice, chama atenção para o fato de divisões serem comuns no “centrão”, embora o agrupamento seja em alguns momentos tratado como bloco uniforme.

“Embora o ‘centrão’ seja tratado como bloco único de partidos, ele sempre teve divisões internas. Isso ficou mais evidente depois que o Palácio do Planalto se aproximou desse conjunto de partidos, que acabou tornando o Arthur Lira uma espécie de líder informal do governo na casa”, afirma.

“Na prática, já tínhamos um centrão mais próximo de Arthur Lira, e consequentemente do Palácio do Planalto, e o centrão mais próximo de Rodrigo Maia. Agora, MDB e DEM vão se posicionar oficialmente de forma independente e vai se especular sobre essa questão da sucessão”, projeta.

Já Thiago Vidal, gerente de análise política da Prospectiva Consultoria, também aponta para a hipótese de o movimento não representar uma efetiva ruptura, mas possivelmente uma forma de pressionar os partidos do “centrão” a endossarem uma candidatura mais “palatável” e menos vinculada ao Palácio do Planalto.

Reforma tributária

Tida como principal pauta da agenda legislativa do segundo semestre, a reforma tributária pode ser palco da disputa pela presidência da Câmara dos Deputados. Mas há divergências sobre até que ponto a antecipação da corrida eleitoral pode afetar o andamento da matéria no parlamento.

“Rodrigo Maia não conseguiu [viabilizar] a reeleição e está tentando construir a candidatura de Aguinaldo Ribeiro. O Arthur Lira é um concorrente e acabamos sendo usados dentro dessa disputa. Não queremos ser usados, queremos marcar o gol”, afirmou um membro da equipe econômica envolvido nas conversas sobre a reforma.

“O que atravessa essa disputa pela reforma tributária é a disputa sucessão do próprio Rodrigo Maia. Os dois grupos estão tratando esse assunto como um assunto que pode potencializar politicamente um dos dois a pavimentar caminho em direção à sucessão de Rodrigo Maia”, pontua Paulo Gama, analista político da XP Investimentos.

O analista Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores, reconhece dificuldades criadas pelas divergências entre o projeto de lei apresentado pelo governo na semana passada e as PECs (Propostas de Emenda à Constituição) já em discussão no Congresso Nacional. Mas ele acredita que o potencial prejuízo da disputa sobre a pauta pode ser reduzido.

“Enquanto Rodrigo Maia e Paulo Guedes estiverem se entendendo minimamente, a divisão entre os ‘centros’ não atrapalha”, avalia.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.