Consultoria da Câmara contraria Haddad e vê bloqueio de até R$ 56 bi no Orçamento de 2024

Técnicos dizem que interpretação ao arcabouço "não é cabível juridicamente e traz insegurança" em meio ao temor de descompromisso com regras fiscais

Marcos Mortari

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), durante reunião com líderes partidários do Senado Federal (Foto: Pedro Gontijo/Senado Federal)

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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode ser levado a realizar um bloqueio orçamentário maior do que esperava em 2024. É o que indica nota técnica elaborada pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (CONOF) da Câmara dos Deputados, que projeta o limite para contingenciamentos previsto pelo novo marco fiscal em R$ 56,5 bilhões no ano que vem.

O montante supera em R$ 33 bilhões o valor apontado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que lançou mão de interpretação diversa para as regras estabelecidas pelo arcabouço fiscal, e pode reacender o debate sobre alteração da meta fiscal de 2024, em meio aos temores do mundo político por cortes em investimentos e políticas públicas importantes às vésperas das eleições municipais.

Há três semanas, Haddad tornou público seu entendimento de que o novo marco fiscal (Lei Complementar nº 200/2023) não permite um crescimento real das despesas inferior a 0,6% em um exercício. Para ele, tal regra deve ser observada, inclusive, na aplicação de contingenciamentos necessários, caso se observe um distanciamento entre a execução orçamentária e as metas estabelecidas. O que na prática limitaria os bloqueios ao teto de R$ 23 bilhões no ano que vem.

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Além de apontar uma banda de crescimento real de despesas (de 0,6% a 2,5% ao ano, a depender do comportamento das receitas e do cumprimento das metas de resultado primário), o novo marco fiscal determina que, quando necessário para a busca dos objetivos assumidos, sejam feitos contingenciamentos até um limite que garanta o funcionamento da máquina pública − o que é definido pela própria lei complementar como 75% das despesas discricionárias previstas.

É justamente a coexistência das duas regras (limite para crescimento das despesas e teto para contingenciamentos) instituídas pelo arcabouço fiscal que gerou a duplicidade de interpretações. Do lado do governo, o entendimento lançado por Haddad ajudou a esfriar os ânimos por uma mudança da meta fiscal do ano que vem, já que reduziria sensivelmente o montante a ser bloqueado no Orçamento em caso de distanciamento do objetivo de resultado primário indicado (o déficit zero é considerado inexequível por agentes econômicos e no mundo político).

Leia também: Interpretação de Haddad para arcabouço gera desconforto, e especialistas veem sinalização negativa para ajuste fiscal

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A interpretação inspirou uma emenda apresentada pelo senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), líder do governo no Congresso Nacional, ao Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, para garantir que o limite para contingenciamentos naquele exercício fosse de R$ 23 bilhões. Tal entendimento tem gerado contestações de diversos atores − inclusive do relator da peça no Congresso Nacional, o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE).

Em nota técnica que veio a público nesta semana, a Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados alega que o limite para o crescimento real das despesas primárias previsto no novo marco fiscal “não é um piso para o crescimento efetivo das despesas”. E diz que admitir que o montante a ser contingenciado deverá atender à regra defendida pelo governo “subverte a lógica” instituída pelo arcabouço. “A precedência é dada ao cumprimento da meta, e não aos índices de crescimento da despesa”, argumenta o órgão.

Os técnicos alegam haver, no novo marco fiscal, uma diferenciação clara entre limites orçamentários e financeiros. No entendimento deles, o limite de crescimento real anual das despesas (usado pelo governo para sustentar a tese do piso de 0,6%) oferece baliza para a fixação da despesa primária durante a etapa de orçamentação, e não faz referência a fases posteriores de empenho, liquidação e pagamento. E para fins de execução financeira, a regra fiscal norteadora apontada é a meta de resultado primário.

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“Não se vislumbra, no contexto da LC nº 200/23, conflito entre a regra que estabelece um nível máximo de contingenciamento para evitar a responsabilização do agente quanto ao descumprimento de resultados fiscais (art. 7º) com o limite de crescimento real da despesa (0,6%) da regra do teto (art. 5º), aplicável em situações de baixo crescimento de receita”, sustentam os consultores.

“A transformação do limite orçamentário (teto) de crescimento real da despesa (0,6%) em um piso durante a execução extrapola o espaço interpretativo concedido pelo texto legal. A possibilidade dada à LDO de regulamentação das despesas ressalvadas de contingenciamento deve-se ater à enumeração de tipos particulares de despesas excluídas do contingenciamento, sem prejuízo dos parâmetros que definem os montantes fiscais a serem contingenciados”, prosseguem.

“A ampliação, afastamento ou alteração do conteúdo de regras fiscais estruturantes contidas na norma complementar (LRF e LC nº 200/23) por meio da LDO anual não é cabível juridicamente e traz insegurança diante do temor de descompromisso com o conjunto de regras fiscais existentes e recém-aprovadas”, alegam.

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Assinam o documento os consultores Dayson Almeida, Eugênio Greggianin, Márcia Moura e Ricardo Volpe. A elaboração da peça atendeu a pedidos de esclarecimento feitos pelos deputados Cláudio Cajado
(PP-BA), que foi relator do arcabouço fiscal, e Pedro Paulo (PSD-RJ), vice-líder do governo.

No entendimento dos técnicos da Câmara dos Deputados, o contingenciamento previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, referenciado pelo próprio arcabouço fiscal, continua obrigatório − ou seja, deve ser aplicado em caso de risco de não cumprimento da meta durante a execução. Eles pontuam que o que a novo marco fez foi retirar a possibilidade de punição ao agente público em caso de descumprimento das metas estabelecidas, desde que o contingenciamento tenha sido aplicado dentro dos novos limites.

Os técnicos também sustentam que regra estabelecida por lei complementar “não pode ser sobreposta por interpretação (via LDO)”. “Assim, eventual mudança requer aprovação de projeto de lei complementar ou o estabelecimento de meta fiscal diversa, com os desdobramentos sobre a trajetória da dívida pública”, afirmam.

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Na peça, os consultores também apontam para riscos de frustração de receitas em 2024 − que podem levar à necessidade de maiores bloqueios orçamentários por parte do Poder Executivo. No PLDO, o governo indicou iniciativas adicionais com impacto fiscal de R$ 168,5 para fechar as contas. Algumas já foram aprovadas, mas foram desidratadas pelo Congresso Nacional; outras ainda estão em tramitação.

De outro lado, os técnicos alertam para possíveis aumentos de despesas obrigatórias durante a execução orçamentária. “As despesas com benefícios previdenciários podem estar subestimadas no PLOA 2024, tendo em vista que o PLOA 2024 adotou uma estimativa em 2023 inferior à do último Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias”, pontuam. Soma-se a isso a demanda de parlamentares e setores econômicos pela ampliação e prorrogação de renúncias fiscais.

Consequências

O enfraquecimento da interpretação dada por Haddad ao arcabouço tende a reduzir a probabilidade de êxito da chamada “Emenda Randolfe” no PLDO de 2024. Como consequência, a expectativa é que a discussão sobre flexibilização da meta de zerar o déficit volte a ganhar tração em Brasília ainda neste ano − antecipando novamente uma pauta que a Fazenda gostaria de empurrar para o ano seguinte.

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Para o analista político Erich Decat, da Warren Investimentos, o episódio deve aumentar a pressão para que o governo construa soluções alternativas à emenda apresentada. “O que vem, como vem é algo que está em discussão. Consideramos que chegar a um entendimento que fique juridicamente em pé e receba apoio do Congresso será o principal desafio para a equipe de Haddad, nas próximas semanas”, diz.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.