Tokens de renda fixa surgem como opção para conseguir o sonhado 1% ao mês – mas eles são seguros?

Alvos recentes da CVM, ativos do tipo usam tecnologia do Bitcoin, mas oferecem remuneração prefixada quase sempre superior a 1% ao mês

Lucas Gabriel Marins

Chiliz

Publicidade

Com a taxa Selic em queda e a expectativa que alcance 12,25% ao ano na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central), em menos de um mês, o investidor vê mais difícil a tarefa de conseguir remuneração de 1% ao mês na renda fixa. Paradoxalmente, o tão sonhado ganho pode estar em um novo segmento do mercado de ativos digitais: os tokens de renda fixa.

Emitidos em uma blockchain, esses criptoativos são versões digitais de ativos financeiros tradicionais com rentabilidade prefixada, na maioria de recebíveis. Apesar de serem ativos digitais, não sofrem com o sobe e desce de preço característico dessa indústria, e guardam mais semelhanças com produtos como fundos de direito creditório (FIDCs).

Mas por ser muito novo, esse mercado de tokens de renda fixa ainda gera dúvidas nos investidores, em especial sobre a segurança das opções oferecidas, os riscos envolvidos na operação e as questões regulatórias.

Newsletter

Liga de FIIs

Receba em primeira mão notícias exclusivas sobre fundos imobiliários

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Antes, confira as características dos tokens de renda fixa

Opções disponíveis

Atualmente poucas plataformas têm autorização expressa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para emitir tokens de renda fixa. Veja algumas opções disponíveis.

PeerBr

Continua depois da publicidade

A mais recente a receber o aval da CVM foi a PeerBr, uma plataforma de investimentos alternativos braço do Grupo GCB. A empresa emitiu R$ 18,5 milhões em tokens de recebíveis com foco em pequenas empresas, precatórios, agronegócio e recebíveis judiciais.

Dentro do PeerBr, informou a empresa, há três tipos de ativos com ofertas abertas: recebíveis judiciais, com retorno de 1,91% ao mês; operações estruturadas, que pagam 1,7% ao mês, e precatórios Selic, com juros mensais de 0,66%.

Tokeniza

Continua depois da publicidade

Já no final de setembro,  a plataforma Tokeniza, da holding de gestão de ativos imobiliários Blue, “tokenizou” 20% de uma mansão de Brasília, avaliada em R$ 1,2 milhão, com base no modelo crowdfunding. A oferta ainda está aberta para aportes, e o rendimento médio do ativo, segundo a empresa, é de 4% ao mês.

SMU

Além do formato sugerido pelo regulador, o crowdfunding, algumas empresas brasileiras lançaram tokens de renda fixa ao público no âmbito do sandbox regulatório da CVM, um ambiente experimental criado para testes com novos modelos de negócios mediante autorizações temporárias. Uma delas é a SMU Investimentos.

Continua depois da publicidade

Em junho deste ano, por exemplo, a plataforma lançou no mercado secundário um token com retorno é atrativo de 2,25% ao mês. O token era lastreado em uma fatia de uma nota comercial emitida pelo Grupo Muda, empresa que oferece soluções de logística reversa e economia circular de embalagens.

Já no mês passado, a SMU captou R$ 1,86 milhão por meio de um criptoativo com objetivo de financiar sua operação na região metropolitana de Florianópolis, em Santa Catarina. O retorno prometido aos investidores foi de 1,7% ao mês.

Atualmente, a SMU tem uma oferta ativa de nota comercial tokenizada da startup de planos de assinatura de construções modulares More.co, com rentabilidade de 1,90% ao mês e prazo de 36 meses.

Continua depois da publicidade

“Zona cinzenta”

A exchange Mercado Bitcoin e a tokenizadora Liqi também trabalham no segmento de tokens de recebíveis, mas não estão na lista de plataformas registradas da CVM. Ambas oferecem opções de ativos digitais de renda fixa com retorno estimado de 1% ao mês.

Elas não têm ofertas abertas no momento, mas os rendimentos costumam ser de, pelo menos, 1,3% ao mês. Em entrevista no começo do ano, representantes da Liqi afirmaram que, pela atratividade do investimento, os ativos de renda fixa são vendidos muito rapidamente — ao contrário de um FIDC comum, quem chega primeiro pode levar todos os tokens de recebíveis, se quiser.

Continua depois da publicidade

Riscos dos tokens de renda fixa

Carlos Akira Sato, especialista em ativos digitais e sócio do escritório Jantalia Advogados, recomenda que, antes de alocar patrimônio em qualquer ativo, é preciso investigar todas as informações a respeito do produto e entender os riscos.

“É ideal pesquisar sobre os negócios que oferecem tokens de renda fixa e verificar a reputação em órgãos de defesa do consumidor, bem como as ofertas realizadas e pagas. Importante também ler atentamente as informações sobre as ofertas em andamento, entrar em contato com representantes em caso de dúvidas e duvidar de taxas de retorno muito acima do mercado”, disse.

Ele falou ainda que os tokens de recebíveis estão lastreados em operações de venda de produtos ou serviços. Portanto, disse, existe o risco de o comprador não pagar. “O investidor pode avaliar o risco de cada token acessando as informações do recebível na plataforma de investimento. Deve levar em consideração também que esse tipo de investimento não está coberto pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC)“.

Tokens de renda fixa são ilegais?

Em julho deste ano, a CVM publicou um Ofício Circular com recomendações sobre como deve ser a configuração deles. Na prática, empresas que desejam oferecê-los aos investidores precisam adquirir uma licença de crowdfunding. Em alguns casos, também é preciso ter uma securitizadora participando da oferta.

Mas, como os ofícios não têm força normatiza, as empresas que atuam no setor têm atuação regular ainda que não tenham registro junto à CVM.

No entanto, a autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda é a responsável por regular o mercado brasileiro de valores mobiliários e pode intervir caso encontre alguma irregularidade por parte dos participantes.

“A CVM é juíza de sua própria competência, decidindo se, diante do caso concreto, deve ou não exigir o registro de emissor ou de oferta pública de um instrumento que por ela seja qualificado como valor mobiliário. Nesse sentido, os ofícios expedidos pela CVM orientam o mercado sobre como esta aplica a lei que lhe deu poderes normativos”, explica advogado Isac Costa, sócio do Warde Advogados e professor do Insper.

De acordo com Costa, a caracterização de tokens de renda fixa como valores mobiliários, na visão do regulador, depende não diretamente do ativo que é tokenizado, mas do grau de participação das empresas responsáveis pela operação. “A depender do modo como eles são selecionados, de como as garantias são prestadas e do material publicitário, é possível que o token de um ativo que não é valor mobiliário venha a ser considerado valor mobiliário”.

Lucas Gabriel Marins

Jornalista colaborador do InfoMoney