Qual é o risco das debêntures? Rombo na Americanas leva investidores a questionar aplicação no ativo

Caso Americanas traz visibilidade para as debêntures e seus riscos - mas o problema não está no produto em si e, sim, na companhia, avaliam analistas

Neide Martingo

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Todo escândalo precisa de um bode expiatório. No caso do rombo contábil da Americanas (AMER3), revelado há pouco mais de dez dias, analistas avaliam que as debêntures estão cumprindo esse papel.

O problema da varejista apresenta diferentes desdobramentos no mercado, que devem continuar aparecendo ainda por muito tempo. Um deles acontece exatamente nas debêntures. O pedido de recuperação judicial da empresa, que tem dívidas de R$ 43 bilhões com mais de 16 mil credores, afeta diretamente os detentores de seus títulos de crédito.

As debêntures são papéis emitidos por empresas e negociados no mercado de capitais. Em alguns aspectos, seu funcionamento lembra o dos títulos públicos negociados no Tesouro Direto. Só que em vez de financiar o governo, quem compra debêntures empresta dinheiro para uma empresa construir uma nova fábrica, expandir as operações no exterior ou fazer qualquer outro grande investimento.

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Como as condições da emissão são definidas pela própria empresa, as debêntures acabam sendo uma forma mais flexível de captação de recursos – e também mais barata do que um financiamento bancário tradicional.

Do ponto de vista dos investidores, no entanto, esses papéis – como todos os outros – envolvem riscos que se tornam mais evidentes quando um problema como o da Americanas acontece. Levantamento do InfoMoney, com dados do Anbima Data, indica que a maior parte das debêntures emitidas pela varejista não possui garantia real. Há apenas uma debênture – negociada sob o código LAMEA8 – com garantia flutuante, em que os ativos da varejista são dados em garantia.

Segundo especialistas, isso significa que quem possui debêntures sem garantia real irá para o fim da fila de credores da varejista. Essa “rasteira” está sendo sentida pelos investidores e já tem gente questionando se vale a pena investir em debêntures depois do choque. Quais são os riscos assumidos por quem compra debêntures?

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O problema está mesmo nas debêntures?

“Um problema como o da Americanas traz uma visibilidade maior, tanto para o tipo de produto [debêntures] quanto também para o risco que ele oferece no mercado secundário. Nesse primeiro momento, é um movimento de aversão a risco”, explica Camilla Dolle, head de research de renda fixa da XP.

Na última semana, as debêntures da Americanas chegaram a ser negociados com descontos de quase 90% sobre o valor de face, marcado segundo a curva de juros.

Os investidores, claro, ficam receosos. Debêntures sempre embutiram um nível de risco considerado mais alto do que os títulos públicos (emitidos pelo governo e, por isso, tidos como ativos livres de risco) ou os CDBs (que possuem cobertura do Fundo Garantidor de Crédito, o FGC.

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Mas o mercado parece lembrar do risco apenas quando acontece um “tombo”. Ao comprar um papel de crédito privado, como as debêntures, os CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) ou CRAs (Certificados de Recebimento do Agronegócio), o investidor deve estar ciente de que está recebendo uma remuneração maior exatamente porque eles apresentam riscos maiores também.

No caso de Americanas, chamou atenção o fato de a empresa ter uma classificação de risco de crédito elevada. “O que costumamos dizer como analistas, seja da área de research ou de agência de rating, se baseia nas informações fornecidas pelas empresas. Ninguém percebeu, nem a auditoria, que havia um problema de proporções muito grandes até que a própria empresa viesse a público falar. Não podemos dizer que foi fraude, as investigações estão correndo”, diz Camilla.

Segundo a analista, para reduzir o nível de riscos, o ideal é não ficar muito exposto a debêntures de um só emissor. “Quando falamos de crédito privado, o caminho é não termos na carteira mais de 3% a 5% da nossa alocação”, afirma.

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Evitar as debêntures não é o ponto. Entender o risco por trás dos ativos que é

Camilla Dolle, head de research de renda fixa da XP

Marília Fontes, sócia-fundadora da Nord Research, faz coro no que se refere à diversificação da carteira. Ela ressalta que a problema como o da Americanas acontece a cada dois ou três anos no mercado de crédito privado. “Lembro que na recuperação judicial da Oi aconteceu o mesmo. Havia um fundo do Banco do Brasil, que era também um dos fundos com o maior número de cotistas [e teve perdas]”, afirma”. “Todos começaram a falar sobre o tema. O mercado tem memória curta”. Para ela, um bom gestor de crédito faz a ponderação e diversifica a carteira.

Falta do FGC adiciona riscos às debêntures

Para Gustavo Cruz, estrategista chefe da RB Investimentos, um dos principais riscos de investir em debêntures é não contar com o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), espécie de “seguro” existente nos CDBs, LCIs (letras de crédito imobiliário), LCAs (letras de crédito do agronegócio) e outros títulos bancários que devolve até R$ 250 mil por investidor em caso de problemas com a instituição financeira.

“O FGC desempenha um papel muito importante para o investidor em casos extremos como esse. Um dos riscos é justamente esse, de a empresa não pagar ou suspender pagamento de juros. Por isso é que, em sua maioria, as debêntures vêm com uma nota de crédito atribuída por uma agência de rating”, detalha.

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E a Americanas não é a única empresa questionada neste momento ruim, diz o especialista. As empresas que atribuíram o rating de suas dívidas, as firmas que auditaram seus balanços, além da diretoria da varejista, estão todos sendo questionados – como ninguém viu o rombo? “E ainda deram nota alta para a Americanas”, ressalta.

Geralmente, as debêntures são papéis de prazos longos. “Aqui na RB estamos fazendo um levantamento para  verificar o cenário, até com relação a algumas cestas de emergentes: o Brasil tem câmbio muito volátil, assim como o Ibovespa. Por isso, já tem uma desvantagem em relação aos demais produtos”, diz Cruz.

“Patinho feio” dos investimentos?

“As debêntures acabaram levando o título de patinho feio da história, quando, na verdade, elas não são as culpadas”, afirma Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed.

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O problema não está nos ativos e, sim, na gestão das companhias

Ricardo Jorge, sócio da Quantzed

Jorge discorda da afirmação de que o mercado de debêntures passa a ser mais arriscado após o caso da Americanas – o risco das debêntures continua sendo o mesmo. “O que o investidor precisa é ter cautela adicional na hora de fazer investimentos em títulos de crédito privado”, analisa.

Esses ativos pagam mais justamente porque oferecem um risco maior. “É importante que o investidor tenha cautela na alocação e estude a empresa e o papel ao máximo para tentar minimizar o risco”. A diversificação é sempre a grande “sacada”, segundo o especialista.

“Os riscos das debêntures são altos, sempre foram, e os das debêntures do ramo varejista são maiores ainda. É preciso que se faça uma análise fundamentalista muito mais detalhada”, detalha Jenni Almeida, estrategista financeira da Invest4U.

Ela afirma que é necessário saber o que a empresa fará com os recursos captados – se vai pagar fornecedores ou quitar dívidas, entre outros – e entender o segmento do qual ela faz parte, além de saber e se a companhia está saudável.

Neide Martingo

Jornalista especializada em Economia, Finanças e Negócios, trabalhou em veículos como Valor Investe, Diário do Comércio e Gazeta Mercantil e escreve sobre Renda Fixa no InfoMoney