Binance: crimes, multa histórica, CEO quase preso e outros fatos para entender desfecho da crise

A corretora de criptomoedas concordou em pagar US$ 4,3 bi para encerrar uma investigação nos EUA

Lucas Gabriel Marins

(Bloomberg)

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O mês de novembro de 2023 entrou para a história da indústria das criptomoedas. Exatamente um ano após a queda da FTX, até então uma das principais exchanges do setor, a Binance, considerada a maior corretora do mundo por valor de mercado, se declarou culpada por infringir as leis de lavagem de dinheiro nos Estados Unidos.

Para arquivar uma investigação do governo americano, a empresa concordou na terça-feira (21) em pagar uma multa bilionária para os órgãos reguladores. Além disso, seu fundador e ex-CEO, Changpeng Zhao, conhecido como “CZ”, deixou o comando do negócio como parte do pacto. Algo que, segundo ele, foi uma decisão “emocionalmente difícil”, mas necessária.

A exchange de criptomoedas continua funcionando, agora sob nova direção: como já se esperava há meses, quem assume o posto é o executivo Richard Teng, que comandava até então as operações da Binance em mercados regionais.

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Abaixo, veja a cronologia dos fatos, os principais pontos do acordo e as violações cometidas pela Binance, segundo as autoridades norte-americanas.

1. Binance é alvo dos EUA

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ, na sigla em inglês) investigava a Binance desde 2018 por envio de dinheiro não licenciado, conspiração para lavagem de dinheiro e violações de sanções criminais. Além do órgão, a empresa também é alvo de investigação da Comissão de Valores Mobiliários do país, a SEC, por violação da lei de valores mobiliários, e da Comissão de Negociação de Contratos Futuros de Commodities (CFTC), a agência reguladora que supervisiona o mercado de derivativos nos Estados Unidos, por oferta irregular de derivativos.

2. Imprensa ventila acordo

Na segunda-feira (20), a Bloomberg revelou que o DoJ estava atrás de US$ 4 bilhões da Binance como parte de uma proposta para encerrar a investigação, segundo fontes familiarizadas com o assunto. A possibilidade do fim da batalha judicial com o órgão foi bem recebida pelo mercado, já que um acordo poderia proteger os investidores e permitir que a corretora continuasse operando. A criptomoeda da Binance, a BNB Chain (BNB), chegou a disparar 8,50% naquele dia.

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3. CZ e Binance reconhecem culpa

Na terça-feira (22) pela manhã, o jornal The Wall Street Journal noticiou que o acordo ventilado pela Bloomberg havia sido formalizado com o DoJ e que a empresa havia concordado em pagar uma multa de US$ 4,3 bilhões para fechar o caso. Além disso, parte do combinado previa a saída de Zhao como CEO da exchange cripto.

Na tarde desse mesmo dia, a Binance e Zhao confirmaram as informações veiculadas previamente na imprensa. A empresa admitiu múltiplas violações da legislação americana de combate à lavagem e concordou em pagar US$ 3,4 bilhões para a Rede de Represesão a Crimes Financeiros (FInCEN) e US$ 968 milhões ao Gabinete de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC), dos EUA.

4. Zhao deixa cargo

Zhao também pagou uma multa de US$ 50 milhões para deixar o cargo. Por volta das 17h30 de ontem, ele anunciou oficialmente em seu perfil no X (antigo Twitter) a saída da empresa. No post, disse que não foi uma decisão emocionalmente fácil, mas confirmou que cometeu erros. Falou ainda que seu afastamento da função é o “melhor para nossa comunidade, para a Binance e para mim”. Quem vai ficar no seu lugar é Richard Teng, que comandava até então as operações do negócio em mercados regionais.

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5. Pagamento de fiança de US$ 175 milhões

Ainda na tarde de terça, Zhao teve que pagar fiança de US$ 175 milhões para não ser preso após a empresa admitir violar leis de combate à lavagem de dinheiro dos Estados Unidos. A sentença definitiva contra o empresário, no entanto, só será conhecida em fevereiro. Os termos da liberação incluem compromisso de não cometer crimes e de não influenciar testemunhas e vítimas. Ele pode deixar deixar os EUA, desde que retorne 14 dias antes de audiência marcada para 23 de fevereiro de 2024.

6. Violações cometidas pela Binance

Várias autoridades norte-americanas comentaram o caso. A secretária do Tesouro do país, Janet Yellen, disse que a Binance fez “vista grossa vista grossa às suas obrigações legais na busca pelo lucro” e que as “falhas intencionais permitiram que o dinheiro fluísse para terroristas, cibercriminosos e abusadores de crianças através da sua plataforma”.

Já o procurador-geral Merrick Garland falou em um comunicado à imprensa que a Binance se tornou a maior exchange de criptomoedas do mundo “em parte por causa dos crimes que cometeu – agora está pagando uma das maiores penalidades corporativas da história dos EUA”.

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Veja abaixo quais foram as principais violações da empresa.

Grupos terroristas

De acordo com o Departamento de Justiça dos EUA, a empresa falhou ao implementar programas para prevenir e denunciar transações suspeitas com terroristas, incluindo o Hamas, a Jihad Islâmica Palestina (PIJ), a Al Qaeda e o Estado Islâmico (Isis), além de hackers e outros criminosos.

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Violação de sanções

A Binance administrou bilhões de dólares em transações com criptomoedas em nome de seus clientes, incluindo usuários em jurisdições sancionadas como o Irã. O mecanismo de correspondência da empresa, que é uma ferramenta computadorizada que combina as ordens de compra e venda dos clientes, funcionava “sem levar em conta se os clientes correspondentes estavam proibidos por lei de fazer transações entre si”.

De janeiro de 2018 a maio de 2022, a Binance registrou pelo menos 1,1 milhão de negociações, totalizando pelo menos US$ 898,6 milhões, entre clientes da Binance nos EUA e clientes que normalmente residem no Irã. Além disso, entre agosto de 2017 e outubro de 2022, a empresa também registrou milhões de dólares em transações entre usuários dos EUA e usuários em jurisdições sancionadas, incluindo Cuba, Síria e as regiões ucranianas da Crimeia, Donetsk e Luhansk.

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Quebra de leis internacionais

Entre janeiro de 2018 e maio de 2022, a Binance “fez pelo menos 1,1 milhão de transações em violação da IEEPA entre usuários que tinha motivos para acreditar que eram pessoas dos EUA e pessoas que tinha motivos para acreditar que residiam no Irã, com um valor agregado de transação de pelo menos US$ 898.618.825”.  A IEEPA é a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional, que permite ao presidente regular o comércio internacional com sanções.

“Ocultar e confundir”

Por volta de agosto de 2017, um documento interno da Binance mostrou que mais de 23% dos 122.729 usuários da Binance.com eram dos EUA e 19,9% de seus usuários na época eram da China. A Binance também foi intencionalmente “vaga” sobre o principal local de negócios da empresa.

Os clientes VIP representavam mais de 70% da receita comercial da Binance em junho de 2019. E desses 70%, os VIPs dos EUA representavam cerca de um terço. Zhao e outros executivos da Binance encorajaram os usuários VIP dos EUA a “ocultar e confundir” suas conexões nos EUA, inclusive criando novas contas. Existe um documento interno chamado “Manuseio VIP” que fornece modelos para mensagens que os funcionários da Binance enviariam aos usuários dos EUA.

No total, os usuários dos EUA realizaram “trilhões de dólares” em transações na Binance entre agosto de 2017 e outubro de 2022, o que gerou US$ 1,6 bilhão em lucro para a Binance, de acordo com os dados de transações da própria empresa.

KYC incompleto

Ainda em 2019, Zhao afirmou que entre 20 e 30% do tráfego da Binance veio dos EUA. Zhao disse na época “precisamos bloquear por IP e também por KYC… bloquear os EUA em geral é provavelmente uma das maiores decisões de negócios que temos que tomar… mas é melhor do que perder tudo”. KYC refere-se ao processo de “Conheça Seu Cliente” que as empresas financeiras realizam para prevenir a lavagem de dinheiro.

A Binance não coletou informações de KYC completas de uma grande parte de seus usuários até maio de 2022. Em um bate-papo em setembro de 2018, o diretor de compliance da exchange na época descobriu que a corretora não tinha condições para revisar contas de alto volume em busca de atividades suspeitas e indicou transações que seriam sinalizadas como riscos de lavagem de dinheiro, mas acrescentou que “a partir de agora não há regulamentação para seguir”.

Falhas no combate à lavagem de dinheiro

O diretor de compliance da Binance disse em documento registrado no acordo que era “desafiador usar os padrões de AML (sigla em inglês para procedimentos contra lavagem de dinheiro) para impor à [Binance].com, especialmente quando CZ (apelido de Zhao) não vê necessidade de fazê-lo”. Devido à falha na implementação de um programa AML eficaz, os atores ilícitos usaram a exchange da Binance de várias maneiras.

Drogas, hack e pornografia infantil

Os clientes da Binance transferiram US$ 106 milhões em Bitcoin do Hydra Market, darket russa, para carteiras Binance entre 2017 e 2022, admitiu a empresa. As autoridades dos EUA e da Alemanha apreenderam os servidores da Hydra em 2022, chamando-a de o maior e mais proeminente mercado darknet do mundo.  Por lá eram vendidos software de hacking, identidades falsas e drogas ilegais como heroína, cocaína e LSD.

Os endereços da Binance movimentaram dezenas de milhões de dólares em transações envolvendo 24 tipos de ransomware, com nomes como SamSam, Satan e WannaCry. Embora a empresa tenha trabalhado com as autoridades quando notificada, ela privou as autoridades de informações críticas sobre esses ataques, disse o FinCEN. Em 2021, os EUA indiciaram três hackers militares norte-coreanos por ataques WannaCry.

Mais de 1.000 transações ocorreram envolvendo três mercados que lidavam com pornografia infantil e material relacionado, disse o FinCEN. O administrador de um desses sites, Dark Scandals, foi indiciado em 2020. O site apresentava vídeos violentos de estupro.

​(Com informações da Bloomberg)

Lucas Gabriel Marins

Jornalista colaborador do InfoMoney