‘Pior momento para empresas de tecnologia ainda está para acontecer’, diz fundador da RecargaPay

Ao InfoMoney, Gustavo Victorica diz que demissões no setor devem continuar e que momento não é bom para captações — mas app vai na contramão

Anderson Figo

App RecargaPay (Divulgação)

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A onda global de demissões em empresas de tecnologia que começou em 2022 continua neste ano — e pode piorar. Esta é a percepção de Gustavo Victorica, fundador e COO do RecargaPay, app para pagamento de boletos e recargas de celular e transportes, que também oferece microcrédito e cashback.

Levantamento da Layoffs.fyi, plataforma que observa demissões em 700 empresas globais de tecnologia desde o início da pandemia, aponta que, em 2022, em média 1,6 mil funcionários por dia foram demitidos de seus postos nessas companhias. E os cortes não ficaram restritos às gigantes, como Google, Amazon, Meta e Microsoft.

“O pior ainda está para acontecer. Muitas empresas fizeram levantamento de capital em 2021, começo de 2022, e este ano [o dinheiro] vai começar a acabar. E já quem percebeu que ia acabar foi quem fez os cortes”, disse Victorica, em entrevista ao InfoMoney.

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A RecargaPay foi uma das que fizeram captação em 2021, mas, segundo o COO, sua situação atual é diferente das outras — e ele diz que não há perspectiva de demissões na empresa. A fintech recebeu há dois anos um aporte de US$ 70 milhões, liderado pelos fundos IDC Ventures e Fuel Venture Capital. Também teve participação da ATW, da Experian (Grab) e da LUN Partners (23AndMe).

“Essa captação foi para alavancar e tentar acelerar o crescimento, mas sempre com a dinâmica de tentar crescer no longo prazo. Já conseguimos o resultado para continuar operando sem a necessidade de aportes externos”, disse Victorica.

“A gente sempre pensou que essa última rodada que a gente fez era a última mesmo. Se tiver outra, é porque teve oportunidade. Mas não porque a gente precisa, porque somos um business que gera receita. E no ano passado a gente cresceu mais de 100% nossa receita ano contra ano e com Ebitda [lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização] positivo”, completou.

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A RecargaPay já havia captado US$ 28,6 milhões de fundos como FJ Labs (que investiu em negócios como Uber, Rappi e Wish), IFC (Dafiti, Loggi) e TheVentureCity (Cabify). Ao todo, a empresa já levantou mais de US$ 130 milhões em investidores externos.

Gustavo Victorica, fundador e COO do app RecargaPay (Divulgação)
Gustavo Victorica, fundador e COO do app RecargaPay (Divulgação)

Histórico

A RecargaPay foi cofundada pelo argentino Rodrigo Teijeiro (CEO), Alvaro Teijeiro (CTO) e por Gustavo Victorica em 2010. Rodrigo Teijeiro criou oito anos antes o Tarjetas Telefónicas, negócio que vendia fisicamente cartões de ligações internacionais. A empresa se transformaria no Recarga.com, site focado em créditos pré-pagos para celular, que atuou em nove países.

O Recarga.com foi tocado em paralelo com a Sonico, rede social parecida com o Facebook, mas voltada para a América Latina. A Sonico teve mais de 50 milhões de usuários e foi adquirida pelo IAC, grupo de internet dono do aplicativo de relacionamento Tinder.

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Hoje, o app oferece recursos como pagamento de boletos, compra de vale-presentes e recarga de cartão de transporte e de celular. Também fornece um cartão de crédito pré-pago, microempréstimos e parcelamento de contas.

Os pagamentos podem ser feitos de maneira online ou offline, escaneando o QR Code. O dinheiro pode ser inserido dentro da carteira digital pagando boletos, realizando transferências, fazendo Pix ou cadastrando cartões de crédito e débito. Segundo Victorica, a maior parte do cash in e cash out (forma como o dinheiro entra e sai da plataforma) atualmente é via Pix.

O app pode ser usado tanto por usuários finais quanto por pequenos comércios, que oferecem tais serviços em seus estabelecimentos, e podem ou não cobrar uma taxa extra dos consumidores.

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O RecargaPay aposta na fidelização dos usuários através da devolução de dinheiro em boa parte das operações oferecidas no app. O cashback costuma ir de 1% a 13% do valor transacionado. O app não abre o número de usuários ativos da plataforma, mas 37 milhões de downloads já foram feitos na App Store (Apple) e Play Store (Android).

A fintech se monetiza com taxas no pagamento de boletos e nas recargas; com juros dos empréstimos e parcelamentos; e com o Prime+, serviço de assinatura mensal que aumenta benefícios e reduz taxas.

“Se você pegar os dados da SPTrans [empresa responsável pelo transporte da cidade de São Paulo], por exemplo, a maioria das recargas ainda são feitas em terminais físicos, e não via aplicativo. A maioria dos boletos no Brasil hoje ainda são pagos em Lotéricas, e não em aplicativo. Ainda tem muito espaço para continuar crescendo”, afirmou o COO.

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Aplicativo do RecargaPay (Divulgação)
Aplicativo do RecargaPay (Divulgação)

Nova vertical

O mais recente canal de crescimento que a fintech investiu é em seguros. Através de uma parceria com a 180º Seguros, o app RecargaPay passou a oferecer aos assinantes do serviço Prime+ o Seguro Pix Universal, que garante a proteção de todas as contas cadastradas sob o CPF do usuário em um único seguro, sem carência e sem franquia. O Prime+ custa R$ 19,99 por mês.

Dados do Instituto Locomotiva de outubro de 2022 mostram que 86% dos brasileiros sentem mais medo de ter o celular roubado do que a carteira, sendo que, para 51% dessas pessoas, a razão principal do temor está relacionada a transações indevidas ou sob coação via Pix. O aumento do número de crimes envolvendo transações via Pix motivou instituições financeiras e até o Banco Central a imporem algumas restrições ao serviço, como limitação de valores e horários nos quais ele pode ser utilizado.

“A gente quer dar cada vez mais benefícios para o nosso usuário Prime+. O nosso usuário comum tem rentabilidade de 100% do CDI sobre o dinheiro que ele deixa na carteira virtual dele, enquanto o cliente Prime+ tem 102% de rendimento. O seguro universal do Pix é mais um benefício. É um produto de custo baixo para nós e começa a gerar educação do usuário para o produto de seguro. A ideia é ter esse benefício gratuito e eventualmente começar a fazer upsell de outros tipos de apólices”, disse Victorica.

Desafios

Além da pouca educação financeira dos brasileiros, o que dificulta a venda de outros tipos de produtos de seguro e/ou produtos de investimento no futuro, a RecargaPay também tem o desafio de lidar com as fraudes, que se tornaram mais comuns com a pandemia.

“Fraude é uma parte crítica do business. O Brasil está sempre nos primeiros lugares de fraude online. A gente investe em sistemas para detectar fraudes o mais rápido possível e as fintechs falam entre si. Concorremos pelos clientes, mas para prevenção às fraudes somos todos amigos”, afirmou o COO.

No braço de recarga de transportes, a dificuldade do app é ter de fazer diferentes parceiros pelo país. Não há um sistema único de pagamento de transporte público, cada cidade tem um. “Na recarga de telefone, fazemos parceria com três companhias e já atendemos quase 100% dos usuários de smartphones no Brasil. No caso de transporte, isso não existe”, disse Victorica.

Atualmente, o RecargaPay atende 30 cidades em recarga de cartões de transporte — novas cidades serão anunciadas neste ano. Especialistas em tecnologia também dizem que a adoção de modelos mais modernos de pagamento de transporte público, como a possibilidade de passar diretamente o cartão de crédito na catraca, como acontece em Londres, por exemplo, pode ser um problema para o RecargaPay caso grandes centros brasileiros os utilizem.

E um desafio geral para as empresas de tecnologia é a busca por desenvolvedores. Embora estejam passando por uma fase de demissões, cargos de desenvolvedores são geralmente poupados porque cuidam do coração dessas companhias. “Há atualmente operações de M&A [fusões e aquisições] acontecendo, de empresas menores, só por causa de sua força de trabalho”, disse o COO do RecargaPay.

A inadimplência é outro ponto de atenção, especialmente com a crise econômica gerada pela pandemia de Covid-19. “Quase todo o mercado viu um aumento da inadimplência, e nós também. Mas a gente já emprestava para os inadimplentes. Em algum momento, chegamos a ter quase a metade da nossa carteira de crédito nas mãos de inadimplentes”, disse o COO. “Mesmo assim, a gente conseguia recuperar quase 90% do dinheiro emprestado, o que é uma métrica muito boa nesse mercado.”

Victorica explica que a empresa está em processo de transição de perfil dos tomadores de empréstimos, deixando de ser algo mais emergencial, como pegar dinheiro para pagar conta de luz e evitar um corte de energia, para “um modelo de crédito pessoal sem garantia”.

“É assim que a gente vai crescer no futuro, alavancando muito mais isso. Hoje, por exemplo, a gente só faz empréstimo até três meses. Já estamos abrindo para seis. A ideia é continuar crescendo. O usuário já é meu, não vou buscá-lo em mar aberto. Nossa ideia é acompanhar o crescimento financeiro da pessoa”, concluiu.

Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.