Para CEOs, segundo semestre terá atividade econômica baixa, mas reforma tributária pode trazer confiança

Retração na demanda já é visível no segundo trimestre em diversos setores, segundo executivos reunidos em evento do InfoMoney para público corporativo

Mariana Amaro

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O segundo semestre deve ser marcado por uma atividade econômica fraca, com oferta restrita de crédito e baixa confiança por parte dos consumidores, mesmo com a esperada queda da taxa Selic a partir de, provavelmente, agosto. O cenário é compartilhado por um grupo de cerca de 40 CEOs e fundadores de grandes empresas brasileiras reunidos durante o primeiro evento para o público corporativo do InfoMoney, realizado na semana passada.

No evento “A economia volta a crescer em 2023?”, a economista Sílvia Matos, do Ibre/FGV, trouxe indicadores que mostram como já está em curso uma desaceleração do mercado de trabalho em meio a um aumento da inadimplência entre pessoas físicas e jurídicas e alto endividamento das famílias.

A inadimplência de pessoa física está em 6,2%. próxima do pico de 2016. O endividamento das famílias cresceu 6,9 pontos percentuais entre fevereiro de 2020, véspera da pandemia no Brasil, e março de 2023 e já compromete 27,7% da renda. O índice de expectativas de todos os setores está abaixo dos níveis pré-pandemia.A estimativa do Ibre é de queda de 0,7% no PIB do segundo trimestre em comparação com o primeiro trimestre do ano.

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Executivos de diferentes setores como varejo, infraestrutura, saúde, educação e logística, dizem que havia uma expectativa de recuperação mais firme da atividade no segundo trimestre deste ano, mas isso não aconteceu. “Não vejo ninguém comemorar uma retomada. O segundo semestre não vai ser bom”, afirmou um dos empresários.

No varejo, as categorias de produto de ticket médio mais elevado, como celulares e eletrodomésticos, caíram fortemente. A venda desses produtos depende de financiamento e a taxa de juro elevada encarece o crédito e tem afastado o comprador. No e-commerce, a venda de celulares caiu cerca de 20%. Em eletrodomésticos, a queda foi um pouco menor, em torno de 10%.

“O segundo trimestre mostra um momento um pouco mais difícil. Não estou falando do Mercado Livre, mas do mercado como um todo, que saiu de um leve crescimento no primeiro trimestre, para uma queda em abril e maio”, diz Fernando Yunes, vice-presidente sênior e líder Brasil do Mercado Livre.

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Segmentos do varejo que não dependem de financiamento também têm registrado mudança no comportamento do consumidor em decorrência da menor renda disponível e do alto endividamento das famílias. No segmento de higiene e beleza, por exemplo, há um “trade down” nas categorias – os consumidores optam pela compra de produtos mais baratos.

Leia também: B3 vê recuperação ainda seletiva dos mercados no segundo semestre

“Quem antes comprava um perfume agora compra dois desodorantes, por exemplo. Já vimos isso quando houve o fim da ajuda emergencial no fim de 2021”, diz João Paulo Ferreira, CEO da Natura & Co América Latina. Embora tenha registrado um volume financeiro de vendas em elevação, a empresa tem registrado volumes relativamente estáveis.

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Ele diz que está cauteloso em relação ao segundo semestre. O início de um ciclo de queda na taxa de juro, ainda que seja positivo, não trará efeitos imediatos no segmento de higiene e beleza, que é mais influenciado pela renda disponível das famílias, segundo ele.

“[A queda na taxa de juro] melhora um pouco porque, olhando para a frente, alguns investimentos que não estão acontecendo devem voltar, a confiança melhora, começa a mexer com emprego e, com isso, vem um ciclo mais positivo. Mas não acho que seja radical e que as coisas melhorem muito rapidamente”, afirma Yunes,

Com o quadro de núcleos de inflação ainda elevados, a expectativa dos executivos reunidos no evento do InfoMoney é que o ritmo de corte de juros será gradual e que muitos dos efeitos – inclusive sobre os investimentos – só deverão ser sentidos a partir de 2024.

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Para José Berenguer, CEO do Banco XP, o desafio sobre taxa de juro e inflação ainda elevados não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Ele acredita que o mundo terá que tolerar uma inflação um pouco mais alta por algum período – entre outros fatores, por conta do rompimento das cadeias produtivas – e talvez tenha que conviver com uma política monetária menos eficiente por mais tempo.

Fernando Yunes, vice-presidente sênior e líder Brasil do Mercado Livre, e João Paulo Ferreira, CEO da Natura & Co América Latina em primeiro evento corporativo do InfoMoney

Fernando Yunes, vice-presidente sênior e líder Brasil do Mercado Livre, e João Paulo Ferreira, CEO da Natura & Co América Latina (Foto: InfoMoney/ Flavio Santana)

Como ficam as empresas

No segundo semestre, não apenas o cenário de retração na demanda deve limitar a recuperação da atividade. Altas taxas de juro, que elevam o custo de capital das empresas, e um mercado de capitais ainda retraído são fatores que devem deixar empresas com endividamento mais alto em situação difícil. A taxa de juros real, que entre julho de 2017 e fevereiro de 2020 foi de 2,5%, hoje está em 7%.

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Lideranças de grandes empresas dizem que é provável a consolidação em diversos setores, com empresas vendendo ativos para reduzir seu endividamento e operações de fusões e aquisições, principalmente entre as companhias de pequeno e médio porte. Setores como o de e-commerce, com várias empresas concorrentes, são candidatos a esse tipo de ajuste.

Quem tem endividamento sob controle também prefere não investir na expansão da capacidade ou na renovação de máquinas e equipamentos. O baixo nível de investimento também atrasa o desenvolvimento da infraestrutura do país, com impacto em setores como o de logística, dizem os executivos.

No mercado de capitais, ainda não se vislumbra uma retomada de ofertas de ações de companhias na Bolsa. Mas o segmento de crédito privado, retraído desde o episódio Americanas, começa a se normalizar, com a volta de ofertas primárias de debêntures, de acordo com Berenguer, da XP. As operações, entretanto, têm um custo mais alto e o investidor está mais seletivo, segundo ele.

Notícias positivas – a reforma tributária

Em meio a incertezas, executivos destacam como uma fonte de otimismo a perspectiva de aprovação da reforma tributária. “Tem que sair, se não vamos perder uma grande chance de aumento de produtividade para o país”, diz um dos executivos presentes ao evento do InfoMoney, que teve o apoio da XP Banco de Atacado. A simplificação tributária é vista como um dos grandes méritos da reforma.

“Pela primeira vez, em 20 anos que acompanho o tema, estou com um olhar mais positivo com relação à aprovação da reforma tributária”, afirma outro executivo, acrescentando que o avanço dessa agenda pode contribuir para atrair investidores estrangeiros ao longo dos próximos anos.

Mariana Amaro

Editora de Negócios do InfoMoney e apresentadora do podcast Do Zero ao Topo. Cobre negócios e inovação.