Bancos derrubam juros para acompanhar a Selic, mas pode não ser o suficiente

Em valores absolutos as taxas de crédito pessoais diminuíram, mas ainda são muito altas e consumidor é o maior prejudicado

Giovanna Sutto

(Shutterstock)
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SÃO PAULO – Você já deve ter ouvido que a Selic impacta diretamente a economia. Recentemente, a taxa básica de juros caiu para 5% ao ano, e o corte foi recebido pelo mercado como uma boa notícia. Mas o que isso muda na sua vida? Entre os diversos impactos, o acesso ao crédito pode ficar mais barato.

O InfoMoney coletou dados do Banco Central e pediu um levantamento para a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) para mostrar quanto os juros dos bancos caíram ou subiram em relação a queda da Selic desde 2016 quando o ciclo de cortes começou.

O estudo considera o período entre setembro de 2016 (com a Selic em 14,25% ao ano) e setembro de 2019 (com a Selic a 5,5%), dados mais recentes disponibilizados pelo BC, e inclui os principais tipos de empréstimos para pessoas físicas: crédito pessoal, cheque especial, cartão de crédito rotativo e parcelado, e financiamento imobiliário.

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Confira:  

Valores absolutos

Tipo de crédito  Taxa em setembro de 2016  Taxa em setembro de 2019  Diferença em pontos percentuais 
Cheque especial 324,9 307,58 -17,32
Crédito pessoal não consignado 134,98 112,9 -22,08
Crédito pessoal total* 54,18  41,49 -12,69
Cartão de crédito rotativo 491,25 307,812 – 183,43
Cartão de crédito parcelado 154,85 178,25 23,40
Financiamento imobiliário (taxas do mercado) 15,63 8,65 -6,98
SELIC  14,25 5,5 -8,25
*Soma de todos os tipos de crédito pessoal

Valores relativos

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Tipo de crédito  Taxa em setembro de 2016 (%) Taxa em setembro de 2019 (%) Diferença em percentual 
Cheque especial 324,9 307,58 -5,3%
Crédito pessoal não consignado 134,98 112,9 -16,3%
Crédito pessoal total*  54,18 41,49 -23,42%
Cartão de crédito rotativo 491,25 307,812 – 37,35%
Cartão de crédito parcelado 154,85 178,25 +15,11%
Financiamento imobiliário (taxas do mercado) 15,63 8,65 -44,65%
SELIC  14,25 5,5 -61,4%

Como as tabelas mostram, a taxa Selic caiu 61,4% de 2016 para cá em termos relativos. Nenhum tipo de empréstimo destinado a pessoa física caiu tanto quanto a taxa básica de juros.

A primeira conclusão possível é que o consumidor não está sentindo os efeitos práticos da redução, já que nenhum crédito está ficando tão barato quanto poderia ficar. Mas é preciso ter bastante cautela para analisar as tabelas.

As taxas de juros dos empréstimos não são compostas apenas pela Selic, logo, não se pode afirmar que a redução seria proporcional e imediata, segundo Bruno Ponciano, assessor de investimentos do escritório Artigiano.

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Seria como dizer que, se o preço do aço cai 45%, o preço do automóvel também deveria cair 45% – o que não acontece porque o aço não é o único componente do preço final de um carro, assim como a Selic não é o único componente do preço final do crédito.

Considerando isso, Jackson Bittencourt, professor de economia da da PUC-PR, explica que, matematicamente, é mais acurado fazer a análise considerando a tabela de pontos percentuais.

“É importante olhar para os valores absolutos. Quando olhamos para a Selic um ponto percentual é significativo porque a taxa é pequena. Se você considerar uma taxa de 300% ao ano, cair 5% não é nada. Mas se você pegar a mesma taxa e ver que ela caiu 17 pontos percentuais, mostra que há pelo menos uma tendência de queda – embora não seja suficiente” diz.

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Frederico Gomes, professor de Economia do Ibmec de Brasília, concorda com Bittencourt e exemplifica: “se a Selic cair a zero, o spread não zera, nem as taxas das linhas de crédito. Ou se a Selic cair para 2,5% ao ano, um corte de 50% atualmente, as linhas de crédito não cairiam pela metade, mas sim diminuiriam em dois pontos percentuais e meio. Uma taxa de 30% cairia para 27,5%”, diz.

Segundo dados do Banco Central, entre os componentes do spread (a diferença entre o custo de captação do dinheiro emprestado e o valor cobrado de quem toma o empréstimo), 85% se devem aos custos da atividade de emprestar.

Entre eles estão os custos associados à inadimplência (37%), as despesas tributárias, regulatórias e fundo garantidor de créditos (23%) e os gastos administrativos (25%). Cerca de 15% do total representa a margem financeira, ou seja, o lucro dos bancos – mas não se engane, os valores são consideráveis.

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Oligopólio

“O Banco Central não regula as taxas que os bancos cobram dos clientes, mas sinaliza o movimento que as instituições devem seguir. Hoje, o governo está aplicando uma política monetária expansionista, aumentando a liquidez e reduzindo juros para estimular o consumo e a retomada da economia”, explica Bittencourt.

Segundo o professor da PUC-PR, os bancos formam um forte oligopólio, que joga a taxa para cima gerando um spread alto. “E as pessoas pagam porque precisam do crédito já que seus salários são baixos e ficam dependentes do sistema”, diz. Hoje existem cerca de 150 bancos no país, mas 80% do faturamento total está nas mãos dos cinco grandes e o controle das operações de crédito é uma das principais fontes.

Ponciano lembra que a falta de educação financeira também mantém os consumidores reféns desse sistema caro de crédito. “A maioria das pessoas que tomam crédito não olham juro da parcela. As pessoas não comparam os tipos de empréstimos. O parcelado pode sair muito mais caro que o pessoal, por exemplo”, afirma o assessor.

A explicação se traduz em realidade. Uma pesquisa do SPC Brasil mostra que 18% dos brasileiros contrataram empréstimo pessoal em bancos e/ou financeiras entre abril de 2018 e abril de 2019. Esses  consumidores possuem, em média, dois empréstimos que ainda estão pagando parcelas. E na escolha do empréstimo, 38% optaram pela instituição que já eram clientes.

Destaques

A taxa de cartão de crédito parcelado foi a única que cresceu no período analisado. Enquanto a do rotativo foi a que apresentou a maior queda em valores absolutos.

Segundo Ponciano, o cartão de crédito rotativo tem uma taxa de inadimplência muito alta, por isso os bancos estão direcionando para o parcelado e aumentando os juros dessa modalidade – o que poderia justificar o aumento na segunda modalidade. Com a crise, a inadimplência aumentou ainda mais.

Em linha, Gomes explica que isso pode ter acontecido devido à medida do BC que estipulou que o rotativo só pode ser acessado por uma vez por mês e que depois tem que ser oferecida outra linha mais barata.

Outro destaque fica com o financiamento imobiliário, que, em valores relativos, viu a maior taxa nas quedas.

Ponciano acredita que é a modalidade de crédito preferida dos bancos. “Você atrasa tudo, menos a parcela do imóvel. Se os bancos reduzem os juros não o fazem para fazer um favor à sociedade, diminuem a taxa porque é mais interessante: menos inadimplência, mais segurança, mais cômodo pra eles”, diz.

O professor do Ibmec afirma que há uma espécie de ‘guerra de preços’ no segmento do crédito imobiliário. “A competição aqui parece de fato existir. Veja que é um crédito de prazo muito longo, portanto estão olhando hoje para o que o Brasil será daqui a muitos anos. Essa longa duração também traz uma série de possibilidades de o banco fidelizar o cliente e vender outros produtos”, diz Gomes.

Ele também lembra que no Brasil, 50% do crédito é direcionado, categoria que engloba o financiamento imobiliário.  “Nessa modalidade os juros costumam ser mais baixos, as taxas são tabeladas e têm um teto. Como há um juro máximo permitido, os bancos compensam o seu ganho no crédito livre, e aumentam os juros das outras categorias como cheque especial, rotativo, etc”, diz.

Alternativas

Dentre as alternativas a esse cenário de juros altos, a entrada de fintechs pode ajudar na descentralização, gerando maior competitividade e taxas menores com o passar do tempo – principalmente na modalidade de crédito.

Cerca de 21% das fintechs que atuam no Brasil são de crédito, financiamentos e negociação de dívidas, segundo o estudo Fintech Deep Dive feito pela PwC em 2018.

“Certamente, se aumentarmos a competição entre os bancos, o spread cai. A competição, em qualquer mercado, é benéfica. Me parece que o BC está de olho nisso, incentivando o surgimento de novos participantes e o crescimento de participantes já existentes, como é o caso das cooperativas de crédito”, diz.

Ainda, aprovado neste ano, o Cadastro Positivo tende a diminuir as taxas de juros, tanto pela maior segurança do banco ao conceder crédito como pelo melhor uso de informações por novos entrantes. “Acredito que trará muitos benefícios em termos de redução de spread quando for efetivo, por conta da redução da chamada ‘assimetria de informações’. Sem o cadastro, somente os grandes bancos, que têm as informações de seus clientes e concentram hoje grande parte do crédito, tinham condições de precificar corretamente essas operações”, afirma Gomes.

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.