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Cerca de 4,2 milhões de pessoas físicas investem na Bolsa de Valores do Brasil. A participação feminina está em torno de 30%. Parece pouco, mas já representa um avanço. Houve um tempo, por exemplo, que havia apenas uma investidora mulher na Bolsa de Valores brasileira.
Eufrásia Teixeira Leite nasceu em Vassouras, no Rio de Janeiro, em 1850. Seu pai veio de uma família rica com tradição na produção de café, estudou Direito e acumulou uma boa fortuna.
Aos 23 anos, Teixeira Leite ficou órfã de pai e mãe e decidiu embarcar com a irmã mais velha, Francisca, e a herança de cerca de 400 mil réis para a França. Embora a conversão não seja exatamente correta, seria o equivalente a cerca R$ 50 milhões.
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Deixou para trás seu namorado, o abolicionista Joaquim Nabuco, e a vontade de cursar uma faculdade, o que era proibido para mulheres no Brasil naquele período.
Em Paris, tornou-se uma das maiores investidoras em ações do mercado internacional. Multiplicou sua fortuna e deixou, em testamento – um inventário de 8.000 páginas – 37 milhões de réis, o que, na época, equivalia a quase duas toneladas de ouro, considerando que o quilo do ouro custa hoje, em média, R$ 330 mil, sua fortuna equivaleria a R$ 600 bilhões.
Não é razoável fazer a conversão, considerando todas as mudanças econômicas que aconteceram no país, mas Eufrásia Teixeira Leite chegou a figurar entre as 150 personalidades milionárias da França em sua época, e foi uma das pessoas mais ricas do Brasil.
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Sua história ficou escondida por muitos anos até ser resgatada por Mariana Ribeiro, mestranda pelo Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo e autora do livro Quero ser Eufrásia. Ribeiro, que também é analista financeira CNPI, é analista de conteúdo sênior da Xpeed, escola XP Inc., falou sobre a história de Eufrásia e seu legado ao InfoMoney.
O que você sabe sobre as razões que levaram Eufrásia Teixeira Leite a investir na Bolsa de Valores?
Como mulher naquela época, ela não tinha uma série de direitos: não podia votar (o voto feminino só foi permitido no Brasil em 1932), nem trabalhar, abrir um negócio ou ter conta em banco sem a permissão do marido.
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Se ela se casasse com seu namorado da época, o abolicionista e jornalista Joaquim Nabuco, a posse de todos os seus bens passaria para ele. Por isso, ela nunca se casou e, como não podia abrir suas próprias empresas, se tornou sócia dos outros, comprando ações em diferentes bolsas de valores pelo mundo já que não havia nenhuma legislação proibindo isso.
Foi para ter independência financeira que ela decidiu se mudar para Paris também?
Podemos dizer que sim. Eufrásia se mudou para Paris e só voltou para o Brasil muito anos depois, quando seu padrinho, o então Barão de Vassouras, havia falecido.
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Há indícios de que ela temia sofrer um processo judicial e ter sua sanidade mental questionada – o que aconteceu com alguma frequência entre as mulheres solteiras herdeiras de fortunas.
Como ela aprendeu a investir?
Ela aprendeu sozinha. Investiu por 55 anos, em 17 países e 9 moedas diferentes em um período em que fazer o câmbio de uma moeda para outra não era algo simples.
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Para fazer suas aplicações, ela usava a técnica de tape reading, que significa leitura de fita, e era baseada em informações de volume e preço de negociações. Essa técnica ainda é usada hoje em dia, por traders.
Na Bolsa de Paris, precisava contar com a ajuda de um operador que levava suas boletas e executava suas ordens. Isso porque ela até podia entrar no edifício da Bolsa, mas tinha que ficar no segundo andar e não podia descer para onde acontecia o pregão viva-voz.
Que tipo de investimentos ela fazia?
Ela diversificava bem. Investiu em diversos setores, como o imobiliário, o de ferrovias, o de eletrificação e o de desenvolvimento de viscose – esses últimos, as inovações do período. E também em diferentes mercados. Tinha ações e opções na Bolsa de Nova York, operações em Paris. No Brasil, investiu no Banco do Brasil, na Brahma e na Antarctica, que se uniram criando a Ambev em 1999 e hoje fazem parte da AB Inbev.
Além disso, tinha investimentos em outras áreas. Comprou um palacete em Paris [onde hoje fica a loja da Louis Vuitton, na esquina com a avenida Champs-Elysée], um terreno em Copacabana que deu origem a 27 lotes, foi uma das financiadoras das primeiras próteses para os veteranos de guerra, depois da Primeira Guerra Mundial.
Também foi uma incentivadora de outras mulheres, atuando como patrona de cantoras, artistas e até arqueólogas e seu nome consta entre os patronos de museus como o Louvre.
Uma aposta errada foram os investimentos na Bolsa da Rússia durante a revolução bolchevique.
Sua forma de investir pode deixar lições para novos investidores?
Ela não pensava só nos investimentos, mas se informava sobre o mercado e o mundo. Foi por isso que retirou parte do dinheiro que estava nos Estados Unidos em empresas como Citibank pouco antes da Grande Depressão, em 1929.
Também há indícios de que ela conseguia tomar decisões sem se deixar levar pelas emoções. A família da sua mãe, por exemplo, acabou indo à falência em 1908 e a fazenda foi colocada em leilão. Tentaram convencê-la a arrematar a propriedade, mas Eufrásia não achou que seria um bom investimento e não comprou.
Ela tomava decisões que pareciam não fazer sentido para uma mulher. Por isso, levava fama de ser fria e não foi bem aceita nem no final da sua vida.
O que aconteceu com sua herança?
Quando a Eufrásia faleceu, ela não deixou valor alto para parentes, apenas alguns títulos de dívida pública para três primos e imóveis e apólices para seus funcionários. Sem filhos, irmãos ou sobrinhos vivos, a maior parte da sua fortuna foi para instituições de educação, saúde e caridade em Vassouras.
A família tentou reverter judicialmente o testamento e questionar a sanidade mental de Eufrásia três vezes. Houve uma campanha forte de desconstrução com muitas histórias inventadas para tentar invalidar o último desejo dela, como uma que ronda a cidade até hoje e conta que a Eufrásia teria deixado uma boa parte do seu dinheiro para um burrinho ser alimentado com pão de ló – o que é mentira.
O animal estava mesmo listado entre os bens da Eufrásia no seu inventário, mas a recomendação era que ele fosse vendido. Seu testamento de 8.000 páginas divididas em 30 volumes demorou 22 anos para ser processado, mas o reconhecimento demorou ainda mais.
Somente em 2019, Eufrásia foi reconhecida pela B3 e pela ONU Mulheres como a primeira investidora do Brasil. Além de todo o dinheiro que ela deixou para a cidade de Vassouras, ela deixou também esse exemplo.
Qualquer mulher que tentasse atuar em um terreno dominado por homens sofria. Victoria Woodhull, por exemplo, que foi candidata à presidência dos Estados Unidos em 1872 e a primeira mulher a abrir uma corretora na Bolsa de Nova York, foi muito perseguida e acabou presa por dar uma guarda-chuvada em um homem que a estava importunando.
Os jornais da época também não eram muito elogiosos com essas mulheres, costumavam publicar que elas não tinham coração, que arderiam no inferno.
Como você chegou até a história da Eufrásia?
Eu comecei a trabalhar no mercado financeiro ainda na faculdade de administração e, quando olhava em volta, percebia que era a única mulher em muitas situações.
Quando chegou o momento de fazer o trabalho de conclusão de curso, comecei a pensar em quem teria sido a primeira mulher a investir. Imaginava que teria sido uma estrangeira e que seria difícil de encontrar, mas encontrei uma referência à Eufrásia durante a pesquisa e liguei para o museu de Vassouras, para saber mais.
Resolvi viajar até lá e pesquisar mais: encontrei alguns documentos no Museu da Hera, que fica na casa onde ela vivia e descobri que o inventário dela estava no acervo da faculdade. Precisei entrar com um pedido na justiça para ter acesso, mas consegui e fotografei o tudo. Mas aquilo foi só o começo.
Parte do que aprendi ali virou meu trabalho de conclusão de curso e me formei na universidade, mas minha pesquisa não parou. Contar a história dela acabou virando um propósito de vida.