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Acumulando perdas de cerca de 8% apenas em dezembro (até o fechamento da véspera), o Ibovespa passou a registrar perdas na reta final de 2022 com novos riscos fiscais e sinais de piora de governança corporativa de estatais afetando a percepção sobre o mercado brasileiro.
O JPMorgan ressalta que, desde o dia em que Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente do Brasil para o próximo mandato entre 2023 e 2026, o Ibovespa caiu 11%, o real perdeu 2,3% em relação ao dólar e a curva de juros passou de precificação de cortes na Selic de 2,75 pontos percentuais em 2023 para altas. Nesta semana, os economistas do banco alteraram sua projeção sobre a taxa de juros para 2023: embora ainda esperem um declínio nas taxas, agora projetam que isso aconteça apenas no quarto trimestre de 2023 (ante expectativa de meados de junho) e o declínio seja de apenas 1 ponto percentual (era de 2,25 pontos percentuais anteriormente) ante o atual patamar de 13,75%.
Para o banco, a mudança na perspectiva sobre a queda da Selic prejudica a visão da casa sobre as ações brasileiras, considerando que esse é o cerne do que considera para o maior potencial de alta das ações. Cabe ressaltar que, na semana passada, em relatório sobre perspectivas para 2023 para os mercados da América Latina, o JPMorgan apontou otimismo para a região e colocou o Brasil entre as suas principais posições, projetando o Ibovespa a 130 mil pontos no fim do ano que vem.
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“Taxas mais baixas são imprescindíveis para que ocorra uma reclassificação dos ativos, especialmente em um ambiente em que os lucros sofrerão com taxas mais altas por mais tempo”, destacam Emy Shayo, Pedro Martins Junior e Cinthya Mizuguchi, estrategistas que assinam o relatório. Ainda assim, eles avaliam que os atuais valuations podem já ter precificado muito, se não tudo, o que está acontecendo na frente política local.
Do lado positivo, o ambiente global pode ser benéfico para o Brasil daqui para frente: a reabertura da China é uma força poderosa que já elevou os preços do minério de ferro em quase 40%, coincidentemente desde a eleição de Lula. Dados de inflação abaixo do esperado nos EUA podem apontar para o fim próximo do ciclo de alta das taxas pelo Federal Reserve, que os estrategistas esperam para março. “Ainda existe a opcionalidade de um dólar mais fraco, o que ajuda muito a impulsionar os mercados emergentes e ações da América Latina”, apontam.
Ainda assim, os estrategistas do banco pontuaram os motivos para todo esse estresse do mercado, resultado das declarações e ações tomadas após as eleições.
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“Começou no dia 9 de novembro com declarações de Lula desafiando o aperto fiscal, que se repetiram com mais força no dia seguinte. Seguiu-se uma emenda constitucional [PEC] visando criar gastos extras de R$ 200 bilhões fora do teto de gastos por 4 anos (mais tarde suavizado)”, destacam. Em seguida, apontam, veio a indicação parcial da equipe econômica e a aprovação rápida de uma mudança na Lei das Estatais na Câmara dos Deputados reduzindo o período de quarentena para quem participou em campanhas políticas e afins de 36 meses para apenas 30 dias. E, acabou de incluir a permissão para as estatais gastarem quatro vezes mais em propaganda.
“Esses eventos reforçaram a incerteza sobre as perspectivas de um desempenho fiscal equilibrado, pois há indícios claros de maior gastos e nenhuma visibilidade ainda sobre as fontes de financiamento (possivelmente a serem abordadas
por uma reforma tributária no próximo ano)”, avaliam Emy, Martins Junior e Cinthya.
Olhando a perspectiva macro para o Brasil em 2023, a equipe econômica do banco, liderada por Cassiana Fernandez, destaca o risco fiscal e as previsões para 2023, “e são terríveis”: a relação dívida/PIB passa de 74,5% para 80%; o déficit nominal passa de -4,3% para -8,5% do PIB, e o Brasil passará de superávit primário de 1,4% para um déficit de -1,4% no final de 2023.
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“Estamos igualmente ou mais preocupados com o desfazer de reformas e marco regulatório que vem avançando desde 2016. Para citar algumas: reforma trabalhista, reforma da previdência, teto de gastos, ‘reforma do BNDES’, lei das estatais, novo marco regulatório para saneamento, privatização da Eletrobras”, apontam.
A preocupação aumenta, segundo os estrategistas, uma vez que havia uma visão de muitos do mercado de que o Congresso serviria como um contrapeso a mudanças mas, até então, ele não tem feito isso – pelo contrário.
Com isso, eles questionam até onde isso deve ir.
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“Não sabemos e hoje estamos mais preocupados que dias atrás. Tendo reconhecido os riscos, no entanto, consideramos a possibilidade que muitas das más notícias talvez tenham sido concentradas neste primeiro momento [já com impacto nos ativos]. O resultado negativo permanece ilógico em nossa opinião: na macroeconomia, a falta de ancoragem adequada nas expectativas pode acabar resultando em baixo crescimento (o setor privado precisa de horizonte de planejamento), taxas reais altas (exigidas em meio à incerteza) e deterioração fiscal em curso. Se essa configuração ganhar probabilidade, também poderá gerar desafios políticos, seja porque a inflação pode estar em alta ou porque pode ser necessário um aperto fiscal emergencial – ambos desafiando a agenda social”, avaliam. Nesse cenário, as ações podem se tornar não competitivas versus renda fixa.
Se o resultado negativo acontecer, o JP ainda acredita que há baixo risco no valuation uma vez que, olhando para os múltiplos, a relação de preço sobre o lucro (P/L) do Brasil está negociando a níveis tão baixos quanto durante a crise financeira global, enquanto o P/BV (ou o P/VPA, o preço da ação dividido pelo valor patrimonial da ação),está próximo do nível mais baixo possível em comparação com a história recente. O principal risco parece estar na lucratividade devido ao retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) grande em relação ao histórico.
Ainda mais exposição a valor e ativos defensivos, menos a crescimento e estatais
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Com o cenário fiscal e de governança corporativa das empresas pesando negativamente no mercado, analistas e estrategistas ajustam mais uma vez o portfolio para as suas ações, voltando-se mais a ações de valor e defensivas e menos a papéis de consumo e crescimento.
“Quando os investidores estão otimistas sobre a economia e as perspectivas de crescimento futuro, eles tendem a favorecer ações de crescimento, que são ações de empresas que devem crescer a um ritmo mais rápido do que o mercado em geral. Por outro lado, quando os investidores são mais cautelosos e procuram investimentos mais defensivos, eles podem preferir ações de valor, que são ações de empresas que estão sendo negociadas a um preço mais baixo em relação às suas finanças”, destaca a XP.
O Itaú BBA apontou que os recentes sinais do futuro governo tem aumentado a atenção sobre o cenário fiscal e a perspectiva de taxa de juros, além de haver preocupação sobre a governança corporativa das estatais e rentabilidade futura, possíveis mudanças nos marcos regulatórios, governança corporativa das estatais, o papel dos bancos públicos na economia e a perspectiva para o real.
“Do lado positivo, parece que uma reforma tributária mais ampla que aumente a produtividade é uma prioridade, e tem boas chances de seguir em frente”, avaliam.
Neste cenário, os estrategistas aproveitaram para ajustar a sua carteira em Brasil, com uma postura ainda mais defensiva. Cabe ressaltar que o BBA já havia mudado sua carteira para mais defensiva em meados de novembro, quando foram anunciados os primeiros termos da da PEC da Transição, que também atingiu o mercado em cheio.
Neste sentido, os especialistas do banco retiraram o Banco do Brasil (BBAS3) de sua carteira e incluíram a Equatorial (EQTL3). “Nós estamos mais preocupados com o papel dos bancos públicos na economia daqui para frente, e acreditamos que as recentes mudanças na lei das empresas estatais oferecem o risco de enfraquecer significativamente a governança corporativa”, avaliam Marcelo Sá e Matheus Marques, que assinam o relatório.
Por outro lado, a Equatorial é agora a preferida dos analistas em utilities, dado o seu perfil de risco defensivo, fluxos de caixa previsíveis, Taxa Interna de Retorno (TIR) atrativa (11,7% em termos reais) e potencial criação de valor com fusões e aquisições (a empresa tem um excelente histórico em torno de concessões de distribuidoras ineficientes, na visão dos estrategistas).
Eles também retiraram brMalls (BRML3) e adicionaram Suzano (SUZB3) na carteira. “Se a situação fiscal seguir piorando, acreditamos que o real deva se desvalorizar ainda mais, beneficiando a Suzano. Apesar da recente redução de preço da celulose anunciada nesta semana pela Suzano, acreditamos que a ação está sendo negociada a um valuation muito atrativo”, apontam. Já para a operadora de shoppings, a decisão ocorre de forma a cortar exposição a empresas mais sensíveis a taxas de juros. “Acreditamos que algumas utilities de alta qualidade oferecem um melhor equilíbrio risco-recompensa neste cenário”, apontam.
Assim, em sua lista de ações para o Brasil, os estrategistas possuem: Assaí (ASAI3), B3 (B3SA3), Eletrobras (ELET3), Equatorial (EQTL3), Gerdau (GGBR4), Mercado Livre (MELI34), PRIO (PRIO3), Sabesp (SBSP3), Suzano (SUZB3) e Vale (VALE3).
“Agora estamos fortemente expostos ao setor de utilities com três ações em um universo de dez e não temos exposição em saúde, educação, construtoras residenciais, alimentos e bebidas e indústria. Temos quatro nomes de commodities, uma vez que achamos que faz sentido aumentar a exposição a exportadores e ‘calls de duration curta'”, avaliam.
Já a exposição em Mercado Livre é baseada em uma possível melhora no ambiente após as leituras recentes da inflação nos EUA, uma vez que as ações são negociadas de acordo com as techs dos EUA (ainda que possam sofrer com o tom recente mais duro do Federal Reserve). Já a B3 (B3SA3) é considerada um hedge para o portfolio se as perspectivas fiscais melhorarem e a curva de rendimentos cair, o que ainda veem como improvável.
Na véspera, cabe destacar, o Citi havia feito uma mudança em seu portfolio para Brasil e também incluiu Equatorial na carteira, assim como o Itaú BBA, retirando sua posição em Totvs (TOTS3). “Nós gostamos de ambas as companhias, mas Equatorial parece se encaixar melhor ao cenário macroeconômico atual”, apontaram os estrategistas do banco, destacando o perfil defensivo da companhia de energia.
Os analistas também ajustaram para baixo sua exposição em Arezzo (ARZZ3) para 5% e elevaram de Vibra (VBBR3) para 10%. O Citi ainda apontou que não tem exposição a ações de empresas estatais e a exposição a empresas com maior beta (medida de volatilidade) caiu de 30% para 20%, concentrando em Arezzo, Vibra e Vamos (VAMO3).
Cerca de 30% do seu portfolio está alocado em nomes de commodities como Vale e Gerdau (VALE3); outros 50% estão em papéis relativamente menos arriscados na visão deles, como Itaú (ITUB4), Caixa Seguridade (CXSE3), Assaí, Ambev (ABEV3) e a já mencionada Equatorial.
Assim, o portfolio é composto de 20% de Vale, 10% de Gerdau, 10% em Itaú, 10% em Caixa Seguridade, 10% em Equatorial, 10% em Assaí, 10% em Ambev, 10% em Vibra, 5% em Arezzo e 5% em Vamos.
Em relatório de análise quantitativa, a XP destacou que, em novembro, as ações de valor já tinham registrado um desempenho melhor em relação aos papéis de crescimento e que vê a manutenção desse desempenho superior no momento como o cenário mais provável, dependendo principalmente mas não apenas da dinâmica macro brasileira. No mês passado, quanto o Ibovespa fechou em queda de 3,01%, os papéis de valor subiram 0,7%, enquanto crescimento despencou 14,4%.
“As incertezas em torno das taxas de juros devem continuar beneficiando valor. Nossa equipe macro vê as taxas nominais
em 13,75 %até o final de 2023 (cenário-base), já que uma política fiscal mais expansionista adia o espaço para cortes
nas taxas de juros No entanto, se o regime fiscal mudar, as taxas nominais podem permanecer mais altas permanentemente. Além disso, a reabertura da China em 2023 pode impulsionar as ações de valor, como vimos em2021 quando setores mais cíclicos tiveram desempenho superior com a recuperação da demanda global”, apontam.
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