Revisão do FGTS: os cenários para as ações das construtoras com a tão esperada decisão do STF no radar

Votação no Supremo sobre o tema é retomada nesta quinta em meio ao sell-off recente do setor; analistas veem impacto negativo, ainda que não "catastrófico"

Lara Rizério

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As ações das construtoras, especialmente as voltadas ao segmento de baixa renda, têm registrado forte queda na Bolsa brasileira desde o início da semana passada. Do dia 18 de abril ao fechamento do último dia 26, Tenda (TEND3), Cury (CURY3), Plano&Plano (PLPL3), MRV (MRVE3) e Direcional (DIRR3) registram queda entre 11% (MRVE3) e 17% (TEND3) na Bolsa brasileira.

A expectativa pela mudança no cálculo de correção do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o FGTS, tem sido o grande fator por trás desse movimento de mercado, uma vez pode acarretar em um aumento de custos para a operação de projetos financiados pelo fundo. Um dos mais significativos e que afeta diretamente a saúde das construtoras é o Minha Casa, Minha Vida (MCMV), causando pressão do mercado.

Cabe ressaltar que, atualmente, o FGTS é indexado à TR (Taxa Referencial) como correção dos valores depositados no fundo. A proposta que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sugere que o fundo não tenha remuneração menor que a poupança (TR+0,5% ao mês quando a Selic é maior que 8,5%). Além disso, as perdas do passado deveriam ser equacionadas por via legislativa, ou seja, a eventual decisão não deveria contemplar compensação passada.

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Com dois votos positivos já registrados, do relator Luís Roberto Barroso e do ministro André Mendonça, o projeto volta a ser votado nesta quinta-feira (27).

Revisão do FGTS no Supremo: fundo já rendeu mais que a poupança entre 2018 e 2021

“Embora a movimentação seja positiva para os trabalhadores e menos radical que a proposta inicial de correção pela inflação, ainda representa um aumento de custos significativos para a Caixa Econômica Federal, que gere o fundo. Além do custo operacional maior para a Caixa, os programas financiados pelo FGTS são diretamente afetados, uma vez que as taxas de financiamento podem crescer para equilibrar esse processo mais custoso”, afirma a XP.

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O FGTS é a fonte de financiamento/subsídio do programa MCMV, oferecendo crédito subsidiado para compradores de imóveis de baixa renda, pois seu custo de financiamento é de TR+3% ao ano. Após a aprovação da Lei 13.446/2017, o FGTS passou a distribuir dividendos aos cotistas, com payout (pagamento em relação ao lucro) mínimo de 50%. Entre 2016-21, a rentabilidade dos depósitos do FGTS foi de 39,4% (versus 32,3% da poupança).

Considerando que a decisão dos dois ministros se sustente, os analistas da casa ainda veem um efeito negativo para as construtoras de baixa renda, uma vez que haveria um salto considerável na remuneração do FGTS (mesmo que menor que o proposto inicialmente em indexação por inflação), o que pode ter efeito tanto nas taxas de financiamento dentro do programa MCMV quanto no formato do programa habitacional.

Cenários no radar dos analistas

Em meio às notícias sobre o tema, analistas têm se debruçado sobre os possíveis impactos para o setor.

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Na avaliação do BTG Pactual, há duas hipóteses caso o STF aprove mudanças na remuneração do FGTS: (i) payout de 100% (via de regra) aos cotistas para manter maior rentabilidade, mas sem garantia de que esse retorno será igual ou superior à caderneta de poupança, especialmente em um ambiente de juros baixos (uma vez que a rentabilidade do FGTS depende do rendimento de sua posição de caixa, ou seja, títulos de renda fixa); ou (ii) alteração da remuneração dos depósitos de TR+3% ao ano para TR+6%.

“No cenário 1, o FGTS não deveria precisar de mudanças (simulações do BTG mostram que o FGTS continua rentável e com ROA [Retorno sobre Ativos] acima de 1%, o que é necessário pela regulamentação)”, aponta. Mas em um cenário em que a remuneração do FGTS mude, o fundo pode precisar ser ajustado, provavelmente envolvendo uma redução no tamanho ou nos subsídios do programa habitacional MCMV.

A equiparação da remuneração do FGTS com a caderneta de poupança prejudicaria sua rentabilidade, quebrando a regra de ROA mínimo de 1%.

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Os analistas veem o ROA do FGTS caindo para cerca de 0% se a Selic for cerca de 10%. Para manter o FGTS sustentável, o governo precisaria reduzir o tamanho do MCMV ou aumentar as taxas de hipoteca do MCMV (o banco calcula que seria necessário um aumento de 300 pontos-base).

Para manter o programa “como está”, seriam necessários subsídios adicionais de cerca de R$ 6 bilhões ao ano (por volta de 65% dos subsídios atuais), e contribuições do governo seriam obrigatórias – o que não é fácil em um cenário em que o governo está tentando cortar despesas. “Se aprovado, o resultado pode ser negativo para as construtoras de baixa renda”, aponta.

A Genial Investimentos, por sua vez, cita três cenários plausíveis: i) sem mudanças na indexação/remuneração do FGTS; ii) mudança do indexador para IPCA, com efeito prospectivo e iii) mudança da remuneração de TR + 3% para o equivalente a poupança (TR + 6,17%, quando Selic maior que 8,5% ou TR + 70% da Selic quando Selic menor ou igual a 8,5%), com efeito prospectivo. Os cenários são detalhados a seguir:

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Cenário 1: sem mudanças

“Neste caso (que não deve ser descartado), devemos ver as ações de construtoras retomando ao preço pré-votação (em média as ações caíram entre 10% e 15% desde o último dia 20), a palavra final do STF contrário a mudanças traria um certo conforto jurídico, garantindo a existência de uma linha de crédito para o programa Minha Casa Minha Vida com financiamento barato”, aponta a casa.

Cenário 2: IPCA

No cenário 2, os analistas da Genial acreditam que haveria muita incerteza. O desenho atual do mercado imobiliário se baseia em crédito indexado à TR, de forma que cerca de 95% do estoque de crédito no mercado é indexado à taxa.

Caso fosse adotado um modelo de remuneração do fundo indexado ao IPCA, pode-se ter duas situações: modificação do desenho atual MCMV, indexando-o à inflação (o que tornaria o programa praticamente inviável) ou manutenção do MCMV no desenho atual e necessidade de aportes anuais da União no FGTS para garantir a rentabilidade aos cotistas.

No caso de aportes da União, a incerteza sobre a inflação brasileira e discussões recentes de responsabilidade fiscal poderiam tornar o risco de atuação no MCMV muito alto, afastando construtoras de atuarem no programa.

Construtoras que hoje atuam no faixa 2 (intermediária), provavelmente passariam a atuar mais ativamente no faixa 1 (renda mensal mais baixa), visto que o risco se tornaria semelhante. E construtoras que atuam no faixa 3 (mais alta), provavelmente se desenquadrariam do programa, buscando atingir majoritariamente o público SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo).

“Ou seja, veríamos uma concentração em faixas mais baixas do programa, aumentando ainda mais a exigência de injeção de capital pela União”, aponta.

Cenário 3: Poupança

Para a Genial, este é o cenário mais provável, que já conta com 2 votos favoráveis, e não é tão desastroso. Por um lado, de 2016 a 2021, o FGTS já devolveu aos cotistas um retorno de 39,91%, acima da poupança no mesmo período (32,44%) e do IPCA (36,23%). Por outro, houve um momento muito peculiar neste período, com inflação na mínima histórica e Selic/Poupança também na mínima histórica.

“Neste cenário, poderemos ver uma elitização do MCMV, focando nas faixas mais altas, que já remuneram o FGTS próximo à poupança (5,5% no faixa 3 versus 6,17% na poupança). Além disso, quando consideramos que mais que 25% dos ativos do FGTS rendem próximo à Selic, um MCMV focado no faixa 3 poderia garantir esta rentabilidade”, avalia.

O pior dos casos seria quando a Selic ficasse abaixo em 8,75%, com rentabilidade estimada do FGTS em quase 1 ponto percentual abaixo da poupança. Para Selic abaixo de 6,75%, já haveria a capacidade do fundo de honrar a rentabilidade mínima da poupança (considerando rendimento do caixa em 80% da Selic e rendimento da carteira de crédito de TR + 4,5%). O mesmo ocorre para Selic acima de 12,75%.

Supondo uma elitização do programa, aumentando o rendimento da carteira de crédito para TR + 5,0%, o intervalo em que o FGTS supera a poupança é para Selic  maior que 11,25% ou Selic menor que 7,5%. “Ou seja, existe um intervalo razoável em que não há necessidade de injeção de capital no FGTS para honrar esta rentabilidade. No pior dos casos, com Selic a 8,75%, a necessidade de aporte seria da ordem de ‘apenas’ R$  5 bilhões ao ano.

Os analistas da Genial acreditam que qualquer mudança em relação ao desenho atual do MCMV deve trazer perdas políticas significativas para o governo atual.

“No nosso entendimento, o MCMV é o segundo maior carro-chefe dos governos Lula, perdendo apenas para o Bolsa Família. Mesmo que o cenário 2 ou 3 se concretizem, esperamos alguma contrapartida do governo federal para manter o funcionamento a pleno vapor e assegurar a promessa de ‘2 milhões de unidades’ durante o mandato. Na prática, isso significa injeção de dinheiro no FGTS ou no MCMV (via FAR, por exemplo)”, aponta.

Além disso, nos últimos meses houve iniciativas municipais e estaduais para fomento do MCMV, fornecendo um subsídio adicional dentro do orçamento estadual, o que seria similar a uma injeção de capital via FAR. Um exemplo desta iniciativa é o Casa Paulistana, que existe desde 2015 e passou a ganhar potência este ano.

Quais empresas devem ser mais impactadas?

A Genial acredita que, mesmo que os cenários 2 ou 3 se concretizem, a contrapartida deverá ser tão grande quanto necessária para assegurar que nenhum participante do MCMV sinta os efeitos até 2026.

Isso significa que o mercado poderá ver os modelos de valuation das companhias listadas sendo revistos, levando em consideração apenas expectativas até 2026 e, após 2026, considerando apenas expectativas fora do MCMV.

“Neste caso, enxergamos qualitativamente como as menos afetadas: Direcional (graças a um landbank, ou banco de terrenos, gigantesco que pode ser redesignado, além da Riva, que já atua fora do MCMV) e Cury (cujo preço já considera expectativas de apenas 3-4 anos, além de landbank em regiões premium que podem ser redesignados e atuação relevante fora do MCMV)”, avaliam. Já a Tenda seria a mais prejudicada, uma vez que está restrita em lançamentos e possui terrenos em regiões menos prestigiosas.

Para o Credit Suisse, a mudança de TR do FGTS para índice de inflação poderia levar um aumento potencial de 6% a 7,5% nas taxas de financiamento imobiliário, podendo aumentar entre 15% e 18% as parcelas do MCMV (se a Caixa mantiver o spread), o que poderia diminuir significativamente a demanda (estimativa de redução do programa em até 20%), que acarretaria num potencial encolhimento do programa de 14%.

“Na nossa visão, o sell-off recente pode ter sido exagerado, embora ainda haja pouca visibilidade sobre qual será a alternativa do governo para a manutenção de um programa habitacional, achamos difícil que os mesmos idealizadores do programa sejam os responsáveis por sua deterioração”, aponta.

Também na visão do Itaú BBA, o programa Minha Casa Minha Vida pode ser preservado, mas, para manter sua atual capacidade e acessibilidade, pode ser necessário escolher entre, principalmente: i) demandar recursos de o orçamento federal para sustentar subsídios (os analistas estimam entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões ao ano); ii) mudança do foco
das faixas de renda mais baixas para camadas mais abastadas (que demandam menores subsídios); ou iii) distribuição de mais de 100% do lucro líquido do FGTS aos trabalhadores (atualmente com um patrimônio de R$ 120 bilhões).

Neste cenário, os analistas apontam que o sell-off observado recentemente no setor foi desproporcional ao impacto potencial nos valores justos das companhias, mas pode ser compatível com uma maior percepção de risco e um ajuste no tamanho do posicionamento do mercado no segmento de construção de baixa renda  (com uma posição recente do mercado maior em ações com liquidez limitada, de cerca de R$ 30 milhões por dia).

“Acreditamos que muitos investidores foram pegos desprevenidos. A baixa renda era um dos poucos segmentos com ‘ventos’ apenas positivos e, para se posicionarem nele, os investidores entraram (pesadamente) em papéis como Cury e Direcional, que, apesar de companhias ótimas, são menos líquidas”, avaliam.

Assim, durante o sell-off recente do setor, os analistas observaram muitos investidores usando o MRV como hedge por muito tempo para as posições em CURY3 e DIRR3 (não surpreendentemente, a posição vendida, ou short, em MRV passou de 19% para 22% das ações negociadas no mercado).

Dessa forma, o BBA mudou a sua preferência no segmento também para a MRV, dado ainda o baixo posicionamento na ação da companhia, o fato da ação ser mais líquida, com média diária de negociações de R$ 100 milhões (o que no atual cenário merece um prêmio), além de destacar uma tendência de melhora de resultados (vendas em abril tão fortes quanto em março, enquanto Resia espera vender um projeto no 2T23).

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.