Colunista InfoMoney: A Crise Americana e os Emergentes

A volatilidade voltou aos níveis do final da década de 90, mas as economias emergentes se comportam de maneira diferente

Caio Megale

Os mercados financeiros americanos vêm passando por uma profunda crise de liquidez e confiança. O fato gerador da crise é difícil precisar, mas passa por uma combinação de um período prolongado de juros muito baixos (entre 2003 e 2005); preços de imóveis que subiam muito mais do que sugeriam seus fundamentos; criatividade em montar cestas de ativos de baixa qualidade com “rótulo” de investment grade; e um arcabouço regulatório e de supervisão bancária falhos, que permitiu que estas cestas fossem contabilizadas fora dos balanços das instituições financeiras.

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As respostas agressivas de política econômica do Tesouro, FED, e da SEC (agência reguladora) – que incluíram até o uso dos recursos públicos do balanço do FED para garantir os ativos podres da Bear Sterns – têm trazido gradualmente os mercados ao normal. No entanto, dado o alto grau de incerteza sobre o impacto da crise sobre os balanços de instituições financeiras e das famílias, é cedo para dizer que a crise acabou e que as tendências positivas voltarão definitivamente aos mercados. Ademais, mesmo com a melhora dos indicadores financeiros, os dados referentes ao consumo e a produção ainda continuarão fracos, mantendo incerta a capacidade das empresas voltarem a apresentar lucros relevantes nos próximos trimestres.

A crise interrompeu um período bastante benigno de ampla liquidez e forte crescimento econômico pelo qual o mundo passou nos últimos 4 anos. A volatilidade dos mercados, que parecia ter mudado de patamar, voltou aos níveis do final da década de 90 e início dos anos 2000, período em que o mundo enfrentava uma crise atrás da outra.

“Commodities e EM passaram de vilões das crises passadas aos preferidos dos investidores”

Por outro lado, as chamadas economias emergentes (EM) apresentaram um comportamento bastante diferente das crises passadas. Tradicionalmente, quando aparece uma crise nos mercados mundiais como a da Ásia em 1997, Rússia em 1998, Argentina em 2001 e Nasdaq e World Com. nos EUA em 2000/1, a aversão a risco dos investidores internacionais sobe e conseqüentemente os spreads dos títulos das diversas categorias de crédito mais arriscados, entre eles os dos EM, sobem juntos.

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Desta vez, a aversão a risco parece não ter contaminado esses títulos. Comparando-se a evolução dos spreads do EMBI (índice de títulos soberanos dos EM) e de um índice de títulos corporativos americanos não investment grade (os chamados high yield bonds), os spreads dos EM sofreram muito menos nesta crise do que a correlação histórica sugere.

Mesmo quando olhamos para as taxas de câmbio, a quebra de padrão também chama a atenção. Nós brasileiros lembramos bem dos fortes movimentos de depreciação cambial do início desta década, em resposta às diversas crises globais. Desta vez, enquanto o sistema financeiro americano rumava para o caos, a nossa moeda… apreciava!

O que está por trás desta quebra de padrão? Fundamentalmente, 3 razões.

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Em primeiro, a crise foi muito específica e forte sobre o sistema financeiro americano, e não sobre um país emergente. Com a confiança abalada, muitos ativos americanos de renda fixa, tradicionais “porto-seguros” nas crises anteriores, passaram a ser a última coisa que os investidores queriam ter em suas carteiras. O dólar, que tende a se fortalecer contra o resto do mundo em momentos de aversão ao risco, acabou se depreciando contra a maioria das moedas relevantes, tanto do G7 como de EM.

No entanto, o fato da qualidade dos ativos americanos piorar não assegura, isoladamente, que os demais ativos, como EM e commodities, serão atraentes. EM, como dissemos, também costumam sofrer em crises, assim como os preços das matérias primas, uma vez que a perspectiva de crescimento mundial cai. Mas aí entram as duas outras razões para a quebra de padrões: a presença da China no mercado internacional de comércio, que vem mantendo um forte crescimento baseado em demanda interna e conseqüentemente ainda demandando agressivamente commodities; e as contas externas da maioria dos EM, com destaque para o Brasil, que estão em posição muito mais saudável do que estavam há alguns anos.

Commodities e EM, portanto, passaram de vilões das crises passadas aos preferidos dos investidores mundiais. E, neste sentido, o Brasil – que é um emergente exportador de commodities – ganhou especial destaque. No primeiro trimestre, enquanto a bolsa americana sofria, o Ibovespa resistiu, liderado pelo movimento das commodities.

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Desta forma, hedges tradicionais para períodos de crise acabaram não funcionando, simplesmente porque o mundo é muito diferente daquele das crises passadas.

O que esperar para frente? Com a gradual retomada da confiança nos EUA, é razoável que o dólar volte a ganhar terreno e as commodities, conseqüentemente, corrijam um pedaço da forte alta observada no início do ano. No entanto, é importante destacar que a recuperação da economia americana deverá ser lenta e que a Europa provavelmente irá apresentar sinais mais claros de desaceleração no segundo semestre, de modo que é plausível esperar um ambiente ainda volátil, com potencial de ganhos menores.

Por outro lado, como a China (e outros ‘Brics’) continua com um bom crescimento de demanda doméstica e as contas externas dos EM se mantêm saudáveis – as resevas internacionais do Brasil continuaram a subir, mesmo durante os piores momentos da crise – não parece razoável antecipar quedas mais abruptas dos preços de seus ativos financeiros nos próximos meses.

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Caio Megale é sócio da Mauá Investimentos e escreve mensalmente na InfoMoney, às quartas-feiras.
caio.megale@infomoney.com.br

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Caio Megale

Economista-chefe da XP Investimentos. Foi secretário de Desenvolvimento da Indústria e Comércio e Diretor de Programas no Ministério da Economia entre 2019 e 2020. Antes, foi Secretário Municipal da Fazenda de São Paulo de janeiro de 2017 a dezembro de 2018. No mesmo período, foi vice-presidente da Associação Brasileira de Secretários de Finanças das Capitais (ABRASF). Entre 2011 e 2016, foi associado do Itaú Unibanco e um dos responsáveis pela equipe de economistas do banco. Anteriormente, foi economista do Lloyds Asset Management, da Máxima Asset Management e da Gávea Investimentos. Em 2005, participou da fundação da Mauá Investimentos, da qual foi sócio e economista chefe até 2010