A “guinada hawkish” do Fed na última semana e o sinal do BC brasileiro de que pode apertar mais a política monetária

Cenário inflacionário persistente levam bancos centrais a sinalizarem aperto monetário mais forte - próximo dado a ser observado é o CPI, nos EUA

Lara Rizério

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A última semana foi de uma guinada “hawkish” (mais dura sobre a inflação e sinalizando aumento de juros) para o Federal Reserve, começando pelas falas mostrando maior preocupação com os preços e de perspectiva de endurecimento da política monetária vindas de integrantes da autoridade monetária consideradas “dovish”, passando pela ata do Federal Open Market Committee (Fomc) e terminando ainda com declarações “duras” de mais integrantes do Fed. Mais falas estão no radar nesta semana, devendo ser acompanhadas de perto pelos investidores.

Na terça-feira, ao falar em um webinar organizado pela divisão do Fed de Minneapolis, a diretora Lael Brainard, indicada a vice do Fed, disse que “é fundamental baixar a inflação” e que a autoridade monetária vai apertar “metodicamente” a política monetária americana, por meio de “uma série de altas nos juros” e pela redução “acelerada” do balanço do banco
central americano, já a partir da reunião marcada para os dias 3 e 4 de maio.

Não foi o único comentário importante, destaca a Levante Ideias de Investimentos. No mesmo dia, Mary Daly, presidente da divisão do Fed em San Francisco, disse em um discurso que a inflação americana, em seus níveis mais altos em quatro décadas “é tão prejudicial para as pessoas quanto estarem desempregadas”. E que elevar os juros “é necessário para garantir que as pessoas possam ir dormir à noite sem temerem que os preços estejam muito mais altos quando acordarem no dia seguinte”.

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“O que tornou essas declarações ainda mais relevantes é que tanto Lael Brainard quanto Mary Daly pertencem à ala ‘dovish’ do Fed. Ou seja, defendem uma abordagem mais tolerante com a inflação e uma atuação menos drástica em seu combate. Se, mesmo assim, ambas foram tão claras quanto à necessidade de combater a alta dos preços, fica evidente que a paciência do Fed com a inflação acabou”, destacou a Levante em relatório.

Na quarta passada, a ata da reunião do Fed, que iniciou o ciclo de aumento de juros, mostrou que a instituição cogita altas de meio ponto percentual, caso a inflação permaneça em níveis elevados.

A instituição também se mostrou inclinada a começar, já a partir de maio, a vender ativos de seu balanço, tanto títulos públicos, quanto ativos com lastro imobiliário. O ritmo avaliado é de US$ 95 bilhões por mês, quase duas vezes mais rápido do que o observado entre 2017 e 2019.

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Depois da ata, algumas casas revisaram as suas projeções para o ritmo de alta de juros pelo Fed.

“Diante das recentes informações a respeito do Fed, o cenário-base agora prevê um aumento de meio ponto percentual em maio e, outro de mesma magnitude em junho”, apontou o Safra. Depois disso, a expectativa é que o ritmo de 0,25 ponto seja retomado, levando a taxa acima de 3%. Lembrando que a taxa neutra, ou seja, que não esfria, nem aquece a economia, é estimada pelo próprio Fed em cerca de 2,4%.

Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, ressaltou: “Na seara dos juros, a ata indicou que alguns membros já apoiavam uma alta mais contundente na reunião de março, mas as incertezas do cenário favoreceram uma elevação mais moderada. Para as próximas reuniões, o texto, assim como as falas que o antecederam, indicou a possibilidade de uma aceleração no ritmo do aperto, com aumentos de 0,5 ponto. Os mercados já consideravam essa possibilidade, mas a comunicação reforça a possibilidade”.

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O Morgan Stanley enxergou “algumas surpresas” na ata do Fomc. Entre elas, o plano inicial de vender ativos no ritmo de US$ 95 bilhões por mês, acima dos US$ 80 bilhões esperados pelo banco.

As discussões sobre taxas de juros foram “duras”, com muitos participantes defendendo um aumento de 0,5 ponto para a reunião de março, mas mantendo 0,25 ponto no último encontro à luz da incerteza decorrente da situação geopolítica.

Os analistas do Morgan continuam a ver o Fomc elevando as taxas em 0,5 ponto nas reuniões de maio e junho deste ano, e em 0,25 ponto em cada reunião subsequente para o balanço do ano.

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“O Fed deu mais uma guinada hawkish”, resumiu o UBS, destacando que o mercado vê uma esmagadora probabilidad de um aumento de 0,5 ponto na reunião do começo de maio.

“As oportunidades permanecem em renda fixa, apesar dos rendimentos reais ainda negativos dos títulos do Tesouro para a maior parte da curva”, destacou o banco suíço.

Na sequência, na sexta-feira, James Bullard, presidente do Fed de St. Louis,  – e talvez o formulador de política monetária mais duro em sua reação à inflação – disse que o banco central norte-americano está atrasado em sua luta contra a inflação e precisa aumentar a taxa de juros em mais 3 pontos percentuais até o fim do ano.

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Esse ritmo implicaria em aumentos de 0,50 ponto percentual em cada uma das seis reuniões restantes do banco neste ano.

“Gostaria de chegar lá no segundo semestre deste ano… Temos que nos mover”, para nos antecipar à inflação que roda ao triplo da meta de 2% do Fed, disse Bullard. “Estamos falando de movimentos maiores do que fizemos em muito tempo.”

O ritmo descrito é um pouco mais rápido do que o oferecido por Bullard na reunião do Fed de março, quando previu a taxa federal funds em 3,25% ao fim do ano.

Em meio a esse cenário, o próximo indicador americano a ser acompanhado de perto pelos investidores é o Índice de Preços ao Consumidor (CPI, na sigla em inglês) de março. Economistas consultados pela Reuters preveem que o índice de preços ao consumidor dos EUA não ajustado sazonalmente tenha saltado 8,4% no mês, na leitura anual. Isso depois de a inflação anual atingir 7,9% em fevereiro, com o conflito na Ucrânia aumentando os custos de energia.

Dec Mullarkey, diretor administrativo de estratégia de investimento e alocação de ativos da SLC Management, espera que os juros subam 0,5 ponto em cada uma das próximas três reuniões do Fed.

Já para a Levante, é bastante provável que os juros nos Estados Unidos encerrem o ano a 2% ou, nos cálculos mais conservadores, até 2,50%.

“A diferença pode parecer pequena para o Brasil, mas lá fora terá um grande efeito, ainda mais quando se lembra que boa parte das economias desenvolvidas ainda pratica juros zero ou mesmo negativos. Ou seja, o dólar deverá ganhar força diante de outras moedas, o real brasileiro entre elas. E uma alta do câmbio sustenta a aceleração da inflação”, destacam os analistas.

Assim, nos próximos dias os investidores e os profissionais do mercado vão refazer suas contas e testar hipóteses para tentar prever uma trajetória possível para a taxa de juros e, por consequência, para o câmbio e para as ações, avaliam os analistas.

Inflação surpreendente no Brasil

Neste sentido, a inflação surpreendente registrada no Brasil também pode levar as autoridades monetárias por aqui a recalcularem as rotas.

O cenário traçado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) em sua reunião de março previu um novo aumento de 1 ponto percentual na taxa Selic, que atingiria 12,75% ao ano na reunião de maio, possivelmente marcando o fim do ciclo de aperto monetário implementado para debelar a inflação, conforme falas anteriores de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, ainda que deixando a porta aberta para mudanças nessa perspectiva se necessário.

Contudo, nesta segunda, Campos Neto destacou em evento que a recente alta da inflação no Brasil, divulgada na sexta-feira pelo IBGE com o IPCA de março, foi surpresa e o Banco Central está aberto a analisar o cenário se houver algo diferente do padrão.

A inflação brasileira deu o maior salto em 28 anos para um mês de março, para 1,62% ante fevereiro, sob o impacto da alta dos combustíveis e com disseminação generalizada por vários grupos de produtos e serviços, atingindo 11,30% em 12 meses.

Leia mais: Com IPCA acima do esperado, ciclo de aperto monetário só deve terminar com Selic acima de 13%

“A gente, como disse no comunicado (do Copom), está sempre aberto a analisar o cenário se entender que tem alguma coisa diferente do padrão que vinha sendo identificado”, disse. “A gente teve uma pequena, uma surpresa nesse último número, uma surpresa que curiosamente se deu em vários países. Vamos analisar e ver os fatores que estão gerando essas surpresas inflacionárias e vamos comunicar no momento que for mais apropriado”.

Na apresentação, o presidente do BC afirmou, por outro lado, que o recente movimento do câmbio, com valorização do real, ainda não está totalmente refletido nos preços.

Assim, o mercado segue atento aos posicionamentos do BC. Isso uma vez que, apesar da autoridade monetária ter indicado pretensão de encerrar alta de juros em maio, parte dos analistas já projetava um ciclo mais longo por causa do disseminado avanço nos preços.

“Essa questão da ‘surpresa’ pode refletir em um aperto monetário mais forte do que o esperado e isso, de alguma forma, faz uma ligeira pressão aqui em termos de preço”, disse à Reuters Luciano França, sócio-fundador da Avantgarde Asset Management.

Conforme destacou o BBI, a divulgação de sexta reforçou a visão de que o BC provavelmente precisará elevar a taxa Selic além dos 12,75% sugeridos nos últimos comunicados. “Ao todo, considerando os números divulgados, o BBI atualizou sua projeção de IPCA de 2022 para 7,8% (de 6,8% antes), enquanto também ajustou a projeção do IPCA do ano de 2023 para
4,0% (de 3,8%)”, avaliou.

Outras casas, como o Credit Suisse, também apontaram esse cenário. Os profissionais do banco, surpresos com o número do IPCA, seguem estimando que o BC elevará a Selic em 100 pontos-base em maio, 75 pontos-base em junho e 50 pontos-base em agosto, levando a taxa para 14,0%, dos atuais 11,75%.

(Com Reuters e Estadão Conteúdo)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.