Queda inesperada de serviços mostra um ponto de virada para a economia brasileira?

Analistas apontam que dado mostra desaceleração econômica, mas também reforçam que fatores pontuais levaram à baixa do setor em agosto

Lara Rizério

(Shutterstock)

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Contando com a maior participação no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, o setor de serviços decepcionou, levando a questionamentos sobre se os números já mostram um sinal de desaceleração mais forte da economia do país, que tem mostrado uma resiliência acima do esperado.

O volume de serviços prestados no país recuou 0,9% em agosto frente ao mês anterior, após ter acumulado ganho de 2,1% no período de maio a julho, informou o IBGE nesta terça-feira. O resultado marcou a maior queda para qualquer mês desde abril de 2023 (-1,7%) e a baixa mais intensa para agosto desde 2016.

A leitura ficou bem abaixo da projeção em pesquisa da Reuters, de avanço de 0,4%

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A XP destaca que a categoria de serviços prestados às famílias ficou em baixa, encerrando uma sequência de quatro altas.

Para os economistas da casa, esses resultados reforçam o cenário de desaceleração da atividade doméstica no período recente. “A dissipação dos choques positivos em setores menos sensíveis ao ciclo econômico (agricultura e indústria de mineração), aliada à desaceleração das condições favoráveis do mercado de trabalho, deverão conduzir a um crescimento do PIB próximo de zero neste semestre”, apontam. A projeção para o crescimento do PIB em 2023 permanece em 2,8%.

Na mesma linha, o Itaú diz que o setor de serviços decepcionou em agosto e, embora espere alguma recuperação dos serviços oferecidos às famílias em setembro, os números de hoje corroboram a visão de uma desaceleração gradual da atividade no segundo semestre.

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Matheus Pizzani, economista da CM Capital, reforça que o resultado foi oriundo da queda de quatro dos cinco principais grupos que compõem o indicador, também destacando os serviços prestados às famílias (-3,8% na base mensal), impactado pelo forte recuo do subgrupo de alojamento e alimentação (-3,5%).

“O movimento pode ser explicado pela correção do crescimento apresentado pelo grupo nos meses anteriores, bem como a ausência de fatores sazonais que favoreçam sua performance, como os feriados, que tendem a dinamizar o desempenho do grupo e ajudaram a impulsionar os resultados de meses anteriores”, avalia.

Este último ponto ajuda a explicar também a retração de 2,1% sofrida pelo grupo de transportes, armazenagem e correio, influenciado negativamente pela queda de todos os seus componentes, com destaque para os subgrupos de transporte terrestre (-0,9%), armazenagem e serviços auxiliares (-5,5%) e transporte aquaviário (-1,3%), sendo que este último não conseguiu esboçar crescimento nem mesmo com a ajuda do dinamismo do setor externo.

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“Tendo em vista a correlação existente entre o setor de transportes e a atividade econômica do país como um todo, a expectativa para o desempenho da economia do país para o mês de agosto não é positiva”, avalia.

Na visão de Pizzani, em linhas gerais, apesar de ter surpreendido as projeções, o dado de agosto está mais alinhado ao que poderia se esperar em termos macroeconômicos para o desempenho do setor de serviços em uma conjuntura marcada pelo nível de juros tão elevado.

“Uma vez extirpados os efeitos artificiais proporcionados por feriados prolongados ou medidas governamentais – vale lembrar que o benefício fornecido pelo governo ao setor automobilístico foi de grande importância para o desempenho dos serviços no segundo trimestre – o que nos sobra é de fato uma atividade econômica de pouca pujança e sem capacidade de criação de mecanismos endógenos de crescimento”, avalia.

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Por outro lado, a expectativa é que o resultado negativo seja rapidamente revertido em setembro, o que pode ser explicado em parte pelo feriado de 7 de setembro, que deve exercer efeito positivo sobre o desempenho do setor, bem como a própria correção estatística da queda deste mês. “A sazonalidade positiva que marca o desempenho dos serviços no último trimestre do ano também traz uma perspectiva mais positiva para o resultado do setor em 2023, que na nossa avaliação segue com projeção de alta de 3,5%”, avalia.

Para Marco Antonio Caruso e Igor Cadilhac, economistas do PicPay, dado o tamanho da surpresa negativa, é preciso entender se há um ponto de inflexão do setor de serviços ou se foram fatores temporários que ancoraram os números de agosto. “Por ora, no nosso cenário atual, ainda vemos espaço para um bom desempenho no segundo semestre, sem grandes consequências nos preços, que já mostram uma dinâmica favorável. Para 2023, projetamos um avanço de 2,8% da Pesquisa Mensal de Serviços”, avalia.

Luiz Carlos Almeida, analista do IBGE, avaliou que “a queda de agora não é uma inflexão do setor de serviços; é puxada por transportes, especialmente por cargas, que vinha de um pico recorde em julho”, “Depois de três meses de alta, há um ajuste, uma acomodação, mas não uma mudança de trajetória”, complementa.

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De qualquer forma, o desempenho do setor inspira cautela, ainda que a visão para o acumulado do ano seja de uma leitura positiva.

“A nossa expectativa para as próximas medições, com ajuste sazonal, é de continuidade de recuo para o setor visto a conjuntura de política monetária contracionista e inflação ainda em patamares elevados, mesmo utilizando estabilidade de preços para a projeção, devido a maior sensibilidade do setor a essas variáveis”, avalia Ariane Benedito, economista e RI da Esh Capital.

Considerando a retração do índice de difusão de 53,2% em julho para 49,1% em agosto, reforça a expectativa de continuidade descendente para as próximas divulgações. “No entanto, mesmo frente aos desafios internos e globais, ainda acreditamos numa leitura final positiva para o indicador, visto o crescimento acumulado no primeiro semestre deste ano”, finaliza.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.