Fed manteve porta aberta para nova alta de juros, mas ainda está relutante, dizem economistas

Comunicação foi considerada leve, embora tenha incluído menção à piora das condições financeiras e de crédito

Roberto de Lira

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O Federal Reserve optou mais uma vez por não evidenciar sinais sobre suas futuras decisões de política monetária, segundo a primeira leitura feita pelos economistas. Para eles, tanto o comunicado após a reunião do Fomc – que manteve mais uma vez as taxas de juros – como a declaração posterior do presidente Jerome Powell e a entrevista coletiva na sequência só ajudaram a manter o suspense para o encontro de dezembro.

Sávio Barbosa, economista-chefe da Kínitro Capital, viu nas declarações de Powell a intenção de manter as possibilidades em aberto. Um exemplo disso foi a declaração de que o Fomc ainda não está confiante que atingiu o nível de juros necessário para desacelerar a inflação para a meta de 2%.

“O mercado leu a conferência como um sinal mais ‘dovish’, reduzindo a precificação na curva de juros. Acreditamos que essa interpretação está ligada ao fato de Powell não ter demonstrado um desejo mais explícito de subir juros na reunião de dezembro ao não defender as projeções do Fomc”, comenta.

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Sobre o comunicado pós decisão, Barbosa viu poucas novidades, como a substituição da palavra “sólido” por “forte” ao cita o ritmo de crescimento atual da economia. Ele ainda destacou a menção do “aperto de condições financeiras” como um dos fatores que deve pesar sobre a economia, emprego e inflação, que pode ser também considerado um sinal “dovish”.

Como a Kínitro trabalha com uma projeção de que a economia americana sustentará um ritmo de crescimento ainda forte – e acima do potencial – no 4º trimestre de 2023, a visão é que o risco para inflação também é altista.

“Os núcleos de inflação devem voltar a sustentar ritmo anualizado próximo de 3,5% no trimestre. Essa perspectiva de maior crescimento e inflação, somada a manutenção da possibilidade de uma nova alta por parte do Fed, faz com que uma nova alta de juros em dezembro seja o mais provável”, afirma Barbosa.

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Andressa Durão, economista da ASA Investments, concorda que os riscos permanecem para cima, com economia forte, e que porta não está fechada para novas altas, que seriam necessárias para a inflação convergir para a meta. Mas no balanço da comunicação, ela observa que o Fed parece estar inclinado a ficar parado.

Ela destaca a  fala de Powell sobre a política monetária estar restritiva e pressionando atividade econômica para baixo, ainda que não estejam confiantes que nível atual é o necessário para levar a inflação para a meta de 2%. Também foi lembrada a afirmação de que os riscos entre fazer muito e fazer pouco estão ficando mais equilibrados.

A economista também chamou a atenção para uma resposta de Powell sobre os ‘dots”, o gráfico de bolinhas no qual aparecem as projeções dos diretores e que ainda embute uma nova alta. Mas o presidente do Fed disse que isso muda conforme as coisas mudam e que, em dezembro, os ‘dots’  terão uma nova atualização.

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Já Danilo Igliori, economista chefe da Nomad, comenta que, embora decisão e o comunicado do Fed não tenha surpreendido, o que vem pela frente será objeto de grande debate. “Primeiramente, ainda não sabemos se o ciclo de alta foi encerrado ou se ainda haverá a necessidade de mais um aumento de 0,25 ponto percentual, ou outros ajustes. Em segundo lugar, em que momento o Fomc passará a reduzir a taxa de juros, e com que velocidade. Finalmente, qual será o nível terminal da taxa após o próximo ciclo de queda”, lista.

Segundo Igliori, para responder essas questões precisarão ser considerados diversos fatores domésticos e internacionais, como a evolução da atividade econômica e da inflação, questões fiscais em ano eleitoral e qual a contribuição que a alta nos retornos dos títulos do Tesouro pode dar na redução da demanda agregada. “Já com relação ao cenário internacional temos os impactos potenciais do conflito no Oriente Médio via oferta de petróleo ou, indiretamente, através da piora no ambiente para investimentos e comércio globais.”

Condições financeiras piores

Eduardo Aun, gestor de área macro da AZ Quest, por sua vez, vê como importante a inclusão no comunicado da preocupação em relação às condições financeiras, uma média ponderada dos preços dos ativos, como bônus e ações, que acabam influenciando a atividade econômica e que, desde a última reunião, tiveram uma piora, com as taxas subindo.

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“Apesar de a atividade econômica ter vindo bem forte nos dados de setembro, foi observada essa piora relevante nas condições financeiras e isso pode de alguma forma substituir futuras altas de juros que seriam necessárias”, afirma.

Aum comenta ainda que o Fed já vinha sinalizando que isso estava acontecendo de uma maneira mais informal e que citar isso no comunicado já mostra uma postura um pouco mais cautelosa. Na conferência de imprensa, lembra o economista, Powell ponderou que a piora nas condições financeiras precisa se mostrar mais persistentes para interferir na política monetárias, mas ele observou que as taxas para as famílias e as empresas já estão mais altas por conta desse movimento na curva de juros mais longas .

Lucas Zaniboni, economista da Garde Asset Management, argumenta que, ainda que venha mantendo a cautela, a postura de Powell está cada vez mais clara como a de um banco central que não quer mais subir juros, mas está segurando a possibilidade para que cortes não sejam precificados com antecedência.

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Segundo ele, a primeira parte do comunicado hoje foi praticamente um “copiar e colar” do seu discurso de duas semanas atrás, ressaltando tudo o que foi feito até aqui e a possibilidade de a alta nos juros longos estar fazendo parte do trabalho de aperto, desde que de fato se concretizem como alta do prêmio de risco. “Além disso, também deixou claro que hoje o principal risco que poderia reviver a necessidade de mais altas vem do lado de uma atividade que não arrefece”, diz.

O economista afirma que a Garde segue sem esperar mais altas nesse ciclo e coloca como principal risco para esse call uma atividade que desacelere pouco no 4º trimestre.

Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, define o comunicado hoje como “dovish”, ao enfatizar que o sistema bancário está resiliente e que as condições financeiras e de crédito mais apertadas devem pesar sobre o ritmo de atividade, contratações e inflação, apesar das altas incertezas.

“Dada esta mensagem, o trecho em que o Fomc declara que avaliará se uma outra alta de juros adicional é necessária. Tendo em vista que os diretores do Fed têm sido bastante vocais sobre a preferência de manter a taxa de juros, eu diria que o comunicado é, de certa forma, ‘dovish’”, afirma.

Para Borsoi, embora deixe em aberto a possibilidade de subir a taxa mais uma vez, o conteúdo do comunicado sugere que essa possibilidade é bastante remota. “É um texto mais consistente com o fim de ciclo de alta do que um texto buscando expandir os graus de liberdade do Fomc para, se necessário, subir os juros na decisão de dezembro.”

Já André Cordeiro, economista-sênior do Banco Inter, acredita que o Comitê não deu indícios firmes sobre os próximos passos, apenas reforçando que estão prontos para mudar a direção da política monetária caso necessário e que acompanharão de perto os desenvolvimentos econômicos e os eventos internacionais.

Cordeiro afirma que é possível questionar o repetido discurso de dependência dos dados, uma vez que o conjunto de informações das últimas semanas é amplamente consistente com uma economia ainda aquecida. “Por outro lado, alguns dados antecedentes como o ISM industrial divulgado hoje mostram uma desaceleração mais intensa que o esperado”, pondera.

Para ele, o evento mais relevante para os mercados no dia acabou sendo o anúncio de refinanciamento do Tesouro americano, que emitiu menos ‘duration’ e mais títulos de curtíssimo prazo do que o estimado inicialmente.

Segundo ele, isso indicando que o Tesouro não consegue manter o mix típico de ‘bills’ e ‘duration’, frente ao elevado déficit e à continuidade do ‘quantitative tightening’ por parte do Fed. “Isso mostra, também, que a escalada nos juros longos nos últimos meses assustou o Tesouro. Portanto, no curto prazo, a menor emissão desses títulos longos deve se manifestar em menores ‘yields’, dando um alívio no mercado de renda fixa americano.”

Marcelo Oliveira, sócio e fundador da Quantzed, também comenta que a única mudança relevante no comunicado hoje foi que citar que a economia segue muito “forte” ao invés de “sólida”, como estava no anterior. “Isso devido ao PIB e payroll que vieram acima do esperado mês passado. Na minha visão, essa mudança mostra uma preocupação com o crescimento mais forte do que o esperado da economia e ter que manter os juros altos por mais tempo.”