Deflação em junho favorece início de cortes de juros pelo BC, mas analistas divergem sobre intensidade

Alimentos no domicílio puxaram a deflação no mês, enquanto os preços de passagens aéreas elevaram o índice de serviços

Roberto de Lira

(Shutterstock)
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Apesar de a deflação do IPCA em junho ter sido menos intensa que a estimada pelo mercado, os economistas destacaram que a abertura qualitativa do indicador foi positiva, reforçando a tendência de que o Banco Central inicie já em agosto o ciclo de flexibilização monetária, cortando os juros. A dúvida sé sobre a intensidade inicial do ciclo. A grade contribuição para o índice veio dos preços dos alimentos, em especial da alimentação no domicílio, e a alta nos serviços verificada foi considerada como um choque sazonal ligado à proximidade do período de férias.

O IBGE divulgou hoje que o indicador oficial de preços ficou em -0,08% no mês, ante a mediana de projeções de -0,10%. E o índice de difusão, que mostra o porcentual de itens com que aumentaram de preços no mês, caiu de 56% em maio para menos de 50% em junho, o que mostra que a inflação está menos espalhada.

Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, destacou que, dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados, quatro registraram variações negativas no mês, em especial Alimentação e bebidas (-0,66%) e Transportes (-0,41%), que juntos representam 42% da cesta do IPCA.

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Ele comentou que o grupo de alimentos foi influenciado pela queda dos preços dos grãos que impacta diretamente em itens como o óleo de soja, leite e os preços das carnes. “A recente queda das cotações das commodities agrícolas ajudaram a reduzir os custos de produção, levando a um menor repasse para aos consumidores”, disse.

Do outro lado, houve pressão de alta no grupo de serviços, que saiu de uma deflação de 0,06% para uma inflação e 0,62%. Nesse caso, Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, Carla Argenta, lembrou que as passagens aéreas exerceram forte pressão, subindo quase 11%.

Mas Carla ponderou que esse foi um movimento esperado em termos de sazonalidade, uma vez que junho é mês de compra de passagens para quem vai viajar nas férias, o que provoca essa alta nos preços.

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A economista explicou ainda que esse comportamento afeta toda uma cadeia, puxando preços de itens como transporte por aplicativo, cinema, teatro e concertos, hotelaria, viagem e pedágios, entre outros.

“Portanto, esse movimento não deve ser lido como perene e sim como um choque que tende a ser revertido nos próximos meses. Uma vez isso acontecendo, a dinâmica posterior é condizente com o nível de atividade. Portanto, essa inflação de 0,62% não é representativa para o nível de demanda agregada. Ela é motivada por choques pontuais e tende a ser revertida”, previu.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, concorda que a elevação das passagens aéreas foi um fator importante no mês, mas lembrou que, mesmo excluindo esse item, a inflação de serviços seria de 0,46% em junho, acima do resultado de maio.

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Ela ressaltou no entanto que, além do resultado do IPCA ter mostrado deflação, outra boa notícia foi o comportamento dos núcleos, que apresentaram variação média de 0,20% em junho ante 0,37% em maio. “Influenciada pela redução mais generalizada dos preços de bens industriais, em linha com o comportamento que vimos na inflação ao produtor recente”, comentou. Ela também afirmou que a difusão abaixo de 50% é outro sinal de que a dinâmica inflacionária segue benigna.

Leitura complexa

Marco Caruso e Igor Cadilhac, economistas do PicPay, consideraram que a leitura qualitativa do IPCA de junho foi mais complexa do que a dos meses anteriores. “Diversos núcleos seguiram desacelerando, mas os preços de serviços mostram alguma estabilidade na média móvel dos últimos 3 meses”, comentaram

Para eles, a principal surpresa negativa em termos de maior inflação, veio do grupo de Transportes, que teve queda de -0,41%. “Apesar da abertura ter sido um dos destaques positivos e a segunda principal contribuinte para o resultado negativo do mês, nos nossos cálculos esperávamos uma queda maior”, disseram.

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Caruso e Cadilhac afirmaram que chamou atenção a queda menos acentuada dos preços dos automóveis, apesar dos descontos lançados pelo governo no dia 6 de junho.

“Olhando à frente, vale destacar que junho deve marcar a mínima recente do IPCA anual, que vai passar a subir no 2º semestre principalmente pelo efeito base que foi bastante baixo em julho, agosto e setembro do ano passado depois das reduções temporárias do governo passado nos impostos”, estimaram.

Entre os “vilões”, que impediram uma queda maior do IPCA no mês, Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest, citou o grupo de Habitação, com participação positiva de 11 pontos-base no indicador, o que ajuda a explicar a alta dos serviços subjacentes, que excluem a alimentação fora do domicílio.

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“A mensagem do IPCA de junho é que a gente teve uma deflação, com uma composição benigna de alimentação, mas o principal item para a política monetária, que são os núcleos, principalmente os de serviços, estão mais pressionados do que o esperado”, afirmou, lembrando que o BC não responde a itens mais voláteis, como alimentos em geral, mas a fatores mais estruturais como os serviços subjacentes.

Andre Fernandes, head de renda variável e sócio da A7 Capital, disse que boa parte da pressão de baixa desse IPCA foi relacionada ao programa do governo para adquirir carros novos, o que acabou pressionando bem o índice.

“Como o programa se encerrou, essa tendência não deve se manter. Vale destacar também no passado teve 3 meses de deflação que ainda estão na conta dos últimos 12 meses – os meses de julho, agosto e setembro. Conforme passarem esses meses, a variação anual tende a voltar a subir.”

E a Selic?

Com essas leituras, ainda permaneceram entre os analistas visões diferentes de como o Comitê de Política Monetária deve se comportar na reunião do início de agosto em termos de velocidade no corte de juros. Rafaela Vitória, do Banco Inter, disse ver caminho aberto para o início do ciclo em agosto, mas acredita que debate entre um corte de 25 p.b. ou 50 p.b. deve continuar.

Fabio Akira, economista-chefe da BlueLine Asset Management, está no campo dos acreditam numa estratégia “paciência”, “serenidade”, “cautela” e “parcimônia”, que o Copom tem citado em seus comunicados. “O processo de flexibilização da política monetária deve se iniciar em agosto com corte de 0.25 ponto percentual na taxa Selic”, afirmou.

Para Darwin Dib, economista da Gauss Capital, o resultado do IPCA de junho não altera em nada a perspectiva de início do ciclo expansionista da política monetária a partir do Copom de agosto, bem como a continuidade da convergência das expectativas de médio e longo prazo para a meta de inflação.

João Savignon, head de pesquisa macroeconomica da Kínitro Capital, concorda. “Depois de 10 meses, tivemos uma deflação do índice cheio, o que é positivo, mas vale destacar que a composição do IPCA de hoje revelou que a “cara” do índice ou o seu qualitativo veio pior que o antecipado. Com essa dinâmica, o BC deve manter a parcimônia e pender para o corte de 25 p.b na Selic em sua próxima reunião, conforme nosso cenário base.”

Já o economista André Perfeito, disse acreditar que há espaço para que o início do corte dos juros seja mais forte que 25 pontos-base. “Levando em conta o estilo da atual diretoria eles tendem a serem mais incisivos nos seus movimentos. Eles cortaram a Selic mais forte que o mercado esperava, subiram mais que o mercado esperava e depois deixaram de lado por mais tempo que o mercado esperava. Não vejo motivo para que não iniciem o corte de juros com 50 pontos- base fazendo que a taxa básica chegue a 11,75% ao final do ano”, previu.