Complexidade da carga tributária será reduzida, mas reforma perdeu parte do efeito, diz Caio Megale

Excesso de setores com regime especial e montante dos fundos de compensação tende a ser um problema, mas simplificação será benéfica

Roberto de Lira

Caio Megale (Foto: Divulgação/XP Inc)

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A reforma tributária, cujo texto-base foi aprovado na noite de quarta-feira (8) pelo Senado, conseguiu ao menos atender a um dos objetivos principais da proposta original: reduzir a complexidade da carga tributária nacional. Mas parte de seus efeitos benéficos para o ambiente de negócios futuro se perdeu com as modificações feitas na Casa, com a inclusão de destaques que ampliaram benefícios a setores específicos.

Além disso, os Fundos Regional e de Compensação aos estados e municípios ficaram “muito caro”, alargando os riscos fiscais para a União. A opinião é do economista chefe da XP Investimentos, Caio Megale, em entrevista exclusiva ao InfoMoney.

Sobre o acréscimo de exceções à nova regra tributária, o economista diz que “benefício é meio como pasta de dentes, depois que sai do tubo é difícil voltar”, e que será difícil fazer revisões no futuro. Ele prevê ainda novos e difíceis embates entre os parlamentares na regulamentação de algumas mudanças. “A lei complementar vai ser mais complicada do que a PEC”, prevê.

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Sobre a alíquota base do IVA, que segundo algumas contas pode ficar entre 25% e 30%, Megale diz que o que é alto no Brasil é a carga tributária, que não se sabe qual é. Assim, a criação do IVA traz outra vantagem, que é a transparência. Para ele, o período de transição entre os regimes, considerado exagerado por alguns especialistas, é fruto da própria complexidade tributária brasileira. Leia entrevista abaixo:

A reforma tributária que foi aprovada pelo Senado nesta quarta-feira, assim como outras reformas no passado, ficou aquém do desejado. Dá para ter esperanças de melhora no ambiente de negócios do país mesmo com as mudanças aprovadas?

Caio Megale: Acho que sim, porque a reforma visava dois objetivos: o primeiro era diminuir a complexidade da carga tributária. Tem o imposto federal, o estadual, o municipal, muitos impostos a pagar, cada um com sua regulamentação. Tem uma discussão de que alguns são na origem e outros no destino e isso dificulta, porque não se sabe onde tem que pagar o imposto. Cada Estado tem uma regulamentação diferente. Tem a diferença entre imposto de serviços e para bens e isso já se misturou ao longo do tempo. Não sabe se é o Estado quem tributa ou se é o município, e os dois tributam. Isso vai resolver. Com o IVA agregado nacional, isso resolve, porque é um imposto só. É dual, mas tem a mesma regulamentação, mesma forma de pagamento. Então, essa parte atende.

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E o que ficou pior?

A outra parte era de unificar e simplificar, na verdade, homogeneizar a tributação entre setores, diminuindo benefícios, regimes especiais, etc. Às vezes, vai se fazer um investimento e o setor que geraria mais crescimento é o setor ‘A’, mas o setor ‘B’ tem um benefício tributário tão grande que, às vezes, se prefere investir de maneira ineficiente para a economia só por causa dele. Então, essa segunda parte da reforma se perde com a manutenção de todos os regimes especiais, dos benefícios, etc. E a cada rodada no Congresso são mais benefícios aprovados e incluídos – agora, vai ter que voltar para a Câmara. Então, se perde uma boa parte do efeito. E ficou caro para a União, porque acho que o Fundo de Participação está caro demais.

Há leituras diferentes sobre se o período de transição de sete anos para a unificação de tributos pode ser considerado longo ou não. Qual sua opinião?

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Faz parte do processos, porque é muito complexo, demanda um período de adaptação grande mesmo. Tem outras leis tributárias com benefícios já definidos que teria de se passar por cima, como benefícios de ICMS. A principal razão da extensão é essa. Se uma empresa tem uma lei que dá benefício até 2026, faz um investimento baseado nela, e depois [o governo] revoga a lei. Isso é um problema, que pode ser até judicial. O tempo longo acaba também sendo um reflexo da complexidade tributária brasileira. Então, acho que esse é um custo que não tinha outro jeito.

A revisão periódica dos benefícios para setores específicos, incluída pelo relator Eduardo Braga, pode funcionar? No Brasil, o risco não é mais de incluir do que de excluir setores?

A história é essa. Não acredito muito em rever depois de ‘tanto tempo’, porque quando isso acontece a condução acaba sendo de manter os benefícios. Benefício é meio como pasta de dentes, depois que sai do tubo é difícil voltar. Mas é possível, com análise criteriosa, que o governo faz já há muito tempo, já foi feito em outros governos. E a sociedade tem que fazer essa análise dos benefícios. O problema é que não tem sido feito. E a lei complementar vai ser mais complicada do que a PEC.

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O Fundo Regional e o Fundo de Compensação podem virar uma bomba fiscal para o governo federal no futuro?

Será uma bomba adicional, porque já tem problemas fiscais. São várias dinâmicas fiscais complicadas e essa é uma a mais. E foi feito de uma forma muito pouco técnica, não tem muita conta ali, muito estudo. Me pareceu mais resultado de pressões regionais e negociação política do que uma avaliação de que custa isso mesmo e que cabe, de fato, à União, fazer esse pagamento. No fim, como muitas outras questões, a conta acaba sendo pendurada no governo federal.

A alíquota base, que se acredita que será 27,5%, após mudanças no Senado, não ficou alta demais?

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É muito difícil fazer essa conta. A gente se fia muito na contas feitas pelo IPEA, pelo próprio governo federal, por algumas associações, e os número acabam girando em torno disso mesmo. Alíquota é por aí mesmo, entre 25% e 30%. Mas o que é alto demais é a carga tributária brasileira. O IVA só dá transparência a isso. Quando coloca tudo junto num mesmo imposto e mostra a alíquota, a gente já paga o imposto, só não é transparente. O IVA dá essa transparência. Um coisa interessante da reforma é que ela traz à luz essa discussão.

Se te contassem no começo do ano que a reforma tributária finalmente seria aprovada em 2023, você acreditaria?

Eu acreditaria, por duas razões. Primeiro, porque o Congresso tinha já demostrado muito claramente vontade de abraçar uma reforma desse tipo e o protagonismo do Congresso é muito relevante – os presidentes da Câmara e do Senado estavam sinalizando da importância de avançar nesse tema. Parecia ter um consenso nessa direção. E quando o governo monta uma secretaria especial só para isso, coloca uma pessoa sênior como o Bernard Appy à frente, põe o ministro Haddad para falar disso a toda hora, mostra foco e vontade de fazer. Quando tem foco de um lado e protagonismo do parlamento do outro, a chance de acontecer é maior.

Os efeito práticos da reforma devem demorar a aparecer. Mas vai ser possível ver algum efeito no humor para os negócios já no ano que vem?

Talvez. O efeito de mercado, na economia, vai demorar para aparecer. Ainda tem muita discussão sobre a lei complementar, tem muita incerteza de como será a estrutura tributária lá na frente, como será o prazo de transição. Aumenta a complexidade no curto prazo porque tem os dois regimes convivendo. Eu seria cauteloso. Benefício mesmo, a gente vai ver daqui a uns cinco ou 10 anos. Vai ser um benefício importante, mas só vai acabar transparecendo em crescimento, melhora de mercado, da arrecadação, lá na frente.