Setor privado investe mais em saneamento do que governo federal

Apesar de atender a apenas 6% dos municípios e 9% da população, e enfrentar um cenário de insegurança jurídica, a iniciativa privada contribui com cerca de 20% do investimento total. O valor é consideravelmente maior do que o investimento federal. Quando são considerados os valores por habitante, quem mora em cidades com serviço privado recebe mais investimentos, em média.

Pedro Menezes

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(Marcello Casal Jr/ABr)
(Marcello Casal Jr/ABr)

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Enquanto você lê este texto, deputados e governadores negociam a aprovação do PL do Saneamento, o novo marco regulatório do setor. A discussão vem tensa, prolongando-se há mais de um ano. Apesar do projeto não privatizar qualquer empresa, seus detratores tem denunciado esta intenção, alegando que o resultado final será prejudicial aos brasileiros.

Não é verdade. Privatização não é remédio para tudo, não é panaceia, mas tem seu lugar. Os detratores do PL do Saneamento tem repetido, de modo acrítico, alguns discursos falsos repetidos por corporações de servidores contra a participação privada nesta área.

Um dos maiores enganos sugere que a iniciativa privada não tem incentivos para investir no setor a longo prazo. As empresas se preocupariam apenas com seus fins lucrativos e desprezariam o serviço público, de acordo com este discurso.

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Para dar um exemplo, o presidente da Assemae (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Água e Esgoto), em entrevista à TV Senado, afirmou que duvidou da disposição da iniciativa privada para financiar investimentos no setor.

Os dados não o corroboram: há bastante investimento privado em saneamento no Brasil. O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do governo federal, aponta uma realidade bem diferente da descrita pelo presidente da ASSEMAE.

Segundo um levantamento do blog, com base nos dados do SNIS, cerca de 18,14 dos mais de 200 milhões de brasileiros são atendidos por serviços privados de saneamento. Pouco menos de 9% da população, ou 6% dos municípios. Há praticamente um monopólio do Estado nesta área. Os dados podem ser checados aqui.

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Por outro lado, o volume de investimentos no setor vai bem além da porcentagem da população atendida. Cálculos da ABCON (associação de concessionárias), tendo como base os dados públicos do SNIS, estimam que 20% do investimento em saneamento entre 2013 e 2017. Apesar do maior volume de investimentos, a tarifa média é praticamente a mesma, sendo 3% maior (poucos centavos) no setor privado.

Não é surpreendente. Afinal, Ministério Público e agências reguladoras podem ficar na cola das empresas privadas que se comprometem a fazer certos investimentos quando vencem uma concessão. As estatais, por outro lado, fecham contratos de programa com o município, um instrumento bem menos transparente do que a concessão.

Esse tipo de contrato dispensa a realização concorrência pública, com base em critérios técnicos. Uma das mudanças propostas pelo PL do Saneamento é o fim desses contratos de programa, que seriam gradualmente convertidos em concessões – priorizando o serviço público, e não as estatais.

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Segundo um estudo da CNI (que pode ser acessado aqui), com base nos mesmos dados, o governo federal contribuiu contribuía com pouco mais de 17% do investimento total em 2011. Depois disso, a participação federal caiu continuamente e chegou a pouco mais  de 10% em 2017. Um patamar próximo à metade do investimento privado.

Na média, o investimento privado por habitante é maior que o público. O gráfico abaixo, com base no SNIS, mostra que os municípios com serviços privados de saneamento tem, em média, mais investimentos por habitante:

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E isso num cenário de insegurança jurídica, num mercado que costuma ser regulado pelo mesmo governador que praticamente monopoliza o serviço. Ou por prefeitos pouco interessados no realismo tarifário e muito interessados nas eleições.

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É claro que privatização não pode ser tratada como panaceia, remédio para tudo. Não faltam, na história da América Latina, exemplos de privatizações que não cumpriram tudo o que prometeram. Mas há casos de sucesso também. E, como mostram os dados acima, não falta dinheiro privado disposto a contribuir com avanços sociais no Brasil.

O erro em algumas privatizações levou a um avanço concomitante na ciência econômica, que passou a estudar com mais afinco o desenho de mercado e de leilões. As regras do processo de privatização podem maximizar seus benefícios sociais.

Com um país de tamanho continental e as inteligências existentes em centros como o IPEA, é perfeitamente possível que o Brasil acumule conhecimento sobre como os processos de concessão ao setor privado podem ser desenhados em cada município. Assim, será possível aproveitar cada vez mais as benesses da privatização.

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Para quem passa a ter acesso a coleta de esgoto e água limpa, é irrelevante se o investimento veio do setor privado ou do Estado. Dada a urgência do problema, o Brasil precisa entender com o velho provérbio chinês: a cor do gato é irrelevante, desde que ele mate o rato.

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Pedro Menezes

Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.