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No último debate na Band, Ciro Gomes e Guilherme Boulos afirmaram que a reforma trabalhista “agravou a situação dos trabalhadores brasileiros”. Ciro, especificamente, associou a existência de “500 mil desempregados e intermitentes” à reforma.
E não são os únicos. Nos últimos meses, todos os grandes jornais sugeriram a mesma causalidade, inclusive Folha e Globo.
(Neste texto anterior do blog, transcrevi a fala completa de Ciro sobre o assunto.)
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Felizmente, candidatos e imprensa estão errados. A associação entre desemprego e reforma depende de uma criteriosa tortura dos números.
Peço que o leitor não leia o texto pensando se gosta ou não da reforma trabalhista, mas lembrando da importância de rejeitar o que merece rejeição. Nenhum debate público sério sobrevive a quem analisa dados sem noções básicas de estatística.
É preciso entender o que ocorreu, e eis o fato gritado pelos críticos da reforma: a PNAD Contínua, pesquisa do IBGE que mede a taxa de desocupação no país, mostra um aumento de 0.4 pontos percentuais entre novembro de 2017 (mês no qual a nova legislação entrou em vigor) e junho de 2018 (último divulgado).
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A população economicamente ativa é levemente superior a 100 milhões de pessoas, portanto 0.4% corresponde a pouco mais de 400 mil pessoas. Como Ciro inclui os intermitentes, é provável que tenha vindo daí os 500 mil citados no debate.
No gráfico abaixo, fica clara a primeira noção de estatística que é ignorada pelos críticos da reforma: a sazonalidade.
É possível notar duas coisas no gráfico. A primeira é o aumento do desemprego desde que a reforma trabalhista entrou em vigor, como pode ser visto na linha azul. A segunda é o aumento após todos os outros meses de novembro.
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O tempo esfria entre novembro e junho, mas isso não é motivo para negar o aquecimento global. Da mesma forma, não faz sentido associar a reforma trabalhista ao aumento do desemprego entre novembro e junho, porque o desemprego geralmente aumenta entre esses meses.
O planejamento das empresas no início dos anos leva a mais demissões nos primeiros meses do ano, assim como mais contratações nos últimos. Essa é uma dinâmica sazonal, repetida ano após ano, e nada tem a ver com a CLT.
O gráfico evidencia esse fenômeno mostrando a variação da taxa de desemprego em todos os períodos equivalentes desde o início da série histórica:
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Como é possível notar, o aumento de 0.4 pontos percentuais representa o melhor desempenho do mercado de trabalho nesse período desde 2012, quando os dados da PNAC Contínua começam. Só a virada de 2013 para 2014 foi melhor do que o atual período.
Sendo assim, como podemos avaliar os últimos números do desemprego?
A técnica mais simples para fugir da sazonalidade é sempre comparar um período com o seu equivalente do ano anterior. O último gráfico já fazia isso, comparando as janelas de novembro a janeiro em todos os anos.
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No gráfico abaixo, está a variação entre a taxa de desemprego desde o mesmo trimestre do ano anterior. Nesse caso, estamos comparando junho com junho, maio com maio e assim por diante.
Curiosamente, foi exatamente após a aprovação da reforma que o desemprego passou a cair com relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Durante todo o ano de 2017, já estava em curso uma desaceleração. Isso só se transformou em queda no fim do ano, coincidindo com a reforma trabalhista.
Não faz sentido estatístico comparar novembro e junho. Se Ciro, Boulos, Globo e Folha buscassem um peso e uma medida, a conclusão seria oposta: aplicando a mesma lógica às novas evidências, todos eles deveriam sugerir que a reforma trabalhista gerou empregos. E mesmo se fizessem isso, continuariam errados, mas por outro motivo.
Relações de causalidade – dizer “X causa Y” – são muito difíceis em ciências sociais. Diversos fatores podem afetar a taxa de desemprego, além da reforma. Um bom estatístico até seria capaz de controlar as outras variáveis para estimar o impacto das novas normas, mas o trabalho ainda é impossível para uma reforma que ocorreu meses atrás. E mesmo assim, seria uma estimação merecedora de cautela.
Além disso, há um problema teórico na narrativa. Toda estimativa de impacto deve ter por trás uma teoria da mudança. A teoria da mudança para a reforma trabalhista envolve a mudança do ambiente institucional, que passa a ver alguns contratos de trabalho de outra forma.
É importantíssimo compreender que, seja qual for sua opinião sobre a reformas, as instituições brasileiras nem mesmo sabem como lidar com a mudança. A Justiça Trabalhista tem protestado contra algumas delas e ainda não se formou uma jurisprudência clara, definindo como os casos serão julgados.
O verdadeiro efeito da reforma trabalhista ainda nem podem ser estimados, porque não se sabe ao certo como o projeto vai se transformar em novas práticas. Antes dessas questões serem pacificadas, é impossível medir seus efeitos na vida dos brasileiros.
Leia também:
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Com isso, chegamos a duas conclusões, decepcionantes para quem gosta de um debate político simplista, dividido entre bem e mal.
A primeira desaponta principalmente o lado esquerdo do maniqueísmo: considerando os dados disponíveis até o momento, associar reforma trabalhista e desemprego é picaretagem estatística.
Já a segunda conclusão é mais democrática, decepcionando a todos. Hoje, a única resposta disponível para a relação entre reforma e emprego é “não sei, depende de muita coisa, esse assunto aí é complicadão”. Eis o custo de falar sobre política pública com a seriedade que o assunto exige.
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