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Passados quase oito anos, ainda é razoavelmente difícil estabelecer as causas que levaram milhões de brasileiros para as ruas em junho de 2013.
Os protestos que se iniciaram por conta do aumento da passagem de ônibus em São Paulo, logo se expandiram, dando ao protesto o lema de “não é por 20 centavos”.
Inúmeros foram os artigos e textos publicados sobre o tema. Mas seu aspecto econômico permanece muito pouco explorado, apesar da extrema importância e do que poderia nos ensinar sobre hoje.
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Junho de 2013 foi uma guerra travada inicialmente na burocracia. A economia brasileira já mostrava sinais de desgaste, mas seguia uma lógica perigosa de “maquiar a inflação”.
Na prática, o governo brasileiro havia tomado como certo, ainda em 2011, que a economia brasileira possuía “preços errados”, seja nos juros (o preço do dinheiro), seja no câmbio.
Uma política econômica para corrigir essa questão ganhou tração, ficando conhecida posteriormente como “Nova Matriz Econômica”. Ela defendia, dentre outras coisas, uma política industrial que priorizasse o conteúdo nacional, isenções tributárias, estímulo ao crédito (com forte participação de bancos públicos), além de atuação deliberada nos juros.
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O resultado das canetadas que derrubaram os juros não demorou a aparecer: a inflação foi rumo ao teto da meta estipulado pelo próprio Banco Central.
Ocorre que a inflação possui um termômetro. No caso dos consumidores, o aparelho de medição é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA.
O IPCA inclui inúmeros itens, simulando uma cesta de consumo das famílias. Em resumo, imagine que a Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE aponte que as famílias brasileiras gastem 30% do seu orçamento com aluguel, 30% com alimentação, 30% com transporte e 10% com vestuários — o preço desses itens serão medidos para compôr o IPCA.
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O índice, porém, não é medido em cada canto do país, ficando concentrado em 16 cidades, com a capital paulista tendo um peso significativo.
Não é difícil concluir, portanto, que se o transporte possui um peso elevado na cesta de consumo e ele tem uma alta relevante em São Paulo, a inflação no país será maior.
O governo federal sabe disso e. em outros carnavais (lá pelos idos de 1970), se utilizava desse truque para disfarçar a inflação. Conta-se que Delfim Netto enviava produtos de lugares como Goiânia para a Ceasa no Rio de Janeiro, aumentando a oferta em dias de medição de preços, o que “derrubava a inflação” no país.
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Nos anos 2010, adotamos diversas políticas similares, como é o caso do famoso congelamento de preços de combustíveis.
A lógica é simples: se o aumento da gasolina é pago pelo consumidor, isso entra no IPCA; se ele for pago pela Petrobras e não chegar na bomba, não sendo, portanto, pago pelo consumidor, ele não conta no IPCA — logo, a inflação não aumenta.
Em certa medida, é possível dizer que junho de 2013 foi fruto de uma queda de braço entre Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, e Dilma Rousseff, presidente da República. Enquanto Haddad propunha o aumento, Dilma buscava evitá-lo, exigindo que a Prefeitura de São Paulo bancasse a conta por meio de impostos, e não repassando o aumento na passagem.
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Dilma venceu, com o apoio das ruas, continuando um populismo e maquiagem de contas que lhe cobraria a conta dois anos depois.
Esses truques foram e ainda são conhecidos pelo governo, que se utiliza deles para melhorar os indicadores (incluindo aí o indicador de aprovação do presidente. Eles resumem muito bem o pouco apreço que temos por transparência.
Há alguns meses, escrevi aqui uma lista de truques similares utilizados pelo governo. O que se tornou sintomático, porém, é o quão repetitivos eles têm se tornando. E, principalmente, o quão difícil é estabelecer uma regra por aqui.
Neste momento, temos os dois principais candidatos nas pesquisas eleitorais advogando contra regras fiscais e buscando dobrar a aposta no que deu errado.
Enquanto Lula discursa contra o teto de gastos (aquele mesmo remendado em 2021), Bolsonaro busca zerar impostos sobre combustíveis, dando um olé na Lei de Responsabilidade Fiscal e criando um rombo em ano eleitoral.
São ambas situações bastante graves, cujo preço é maior do que o ganho.
A taxa de juros brasileira chegou ao seu menor nível após a aprovação do teto de gastos. Com a âncora fiscal, o país deixou de gastar R$ 120 bilhões por ano em juros, reduzindo o custo para investir e, principalmente, parando de alimentar o rentismo.
Como vimos em 2021, derrubar o teto (ou a simples ameaça de rompê-lo) pressiona os juros, levando o endividamento do governo para as alturas.
A consequência mais óbvia é que, se o governo gasta além da conta, ele tira recursos que poderiam ir para famílias ou empresas. Neste caso, por razão lógica, há um jogo de soma zero. O dinheiro que alimenta a rolagem da dívida do governo vem da poupança de empresas e famílias. Quanto mais o governo gastar, menor será a disponibilidade para os donos dos recursos.
Lula sabe disso. Afinal, seu governo promoveu o maior programa de austeridade fiscal da história. Ele também sabe que sua sucessora gastou de maneira desenfreada, criando rombos nas contas públicas que levaram ao menos 10 milhões de pessoas para a pobreza.
Ainda que publicamente atribua a responsabilidade a terceiros (no melhor estilo Homer Simpson, o autor da clássica frase “A culpa é minha e eu coloco em quem eu quiser”), Lula discursa para agradar o eleitorado, como se o aumento de gastos fosse freado por vontade política e não por déficits seguidos.
O eleitor mais apaixonado pode discorrer sobre as diferenças de abordagem do seu candidato para a questão da economia, mas o que vemos é um desapego ao princípio de responsabilidade.
Seguimos ignorando o conselho de Frederic Bastiat, ainda no século 18: na economia, há “o que se vê e o que não se vê”.
Políticos insistem em lhe mostrar as maravilhas de suas ações, como o preço menor de algum produto, mas fazem o possível para que você não atribua a eles a consequência desses atos.
Se os preços da economia sobem, é culpa do resto do mundo, da CIA, do meu inimigo político. O Banco Central? Não tem responsabilidade.
Assim, vamos andando entre os que propõem populismo por este ou aquele lado. No fim, é bom saber que você será novamente chamado a pagar a conta.