Crise de bancos adiciona mais preocupações num ambiente já conturbado

Conhecer os ativos que compõem as carteiras é muito importante. Contratar assessores e gestores que tenham interesses alinhados aos seus é ainda mais
Por  Evandro Buccini -
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Os temas da conjuntura atual oferecem muitas oportunidades para falarmos de investimentos pessoais. A crise do Credit Suisse e a liquidação dos bancos SVB e Signature, nos EUA, mostram que algo aparentemente tão simples como escolher seus bancos de depósitos pode ser uma fonte de risco. Bancos não são como empresas de outros setores. Junto com seu poder de criar dinheiro vem uma maior intervenção do estado.

Os bancos são intermediários que recebem depósitos de poupadores e os emprestam a prazos mais longos para pessoas e empresas que precisam de recursos. São entidades alavancadas, pois podem emprestar mais dinheiro do que têm em depósitos, criando dinheiro, na prática. Dados os seus serviços essenciais para a economia e o risco que sua operação possui, eles têm regulação muito mais pesada do que a maioria das indústrias.

Tanto a diferença de prazo entre os ativos e os depósitos dos bancos, quanto a alavancagem, tornam os bancos suscetíveis a eventos de corridas para saques, oriundos principalmente de crises de confiança em empresas específicas ou no sistema. Um dos organismos criados para diminuir a probabilidade desses eventos foi um esquema de seguro para garantir os depósitos em caso de quebra do banco.

No Brasil, o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), garante R$ 250 mil por CPF ou CNPJ por instituição financeira, com limite de R$ 1 milhão a cada quatro anos. Os maiores bancos do Brasil são extremamente sólidos. A concentração do sistema bancário tem seus pontos negativos, mas aumenta a segurança da maior parte dos depósitos. Uma diferença importante, que faz o setor ser mais resiliente do que em outros países, é a não aplicação da responsabilidade limitada, com mitigantes, para controladores e administradores de bancos.

Nos casos específicos recentes no exterior, os clientes dos bancos americanos tiveram uma ajuda dos reguladores, que estenderam para todos os depósitos o seguro do FDIC (equivalente ao FGC nos EUA). Os bancos pareciam ter ativos sólidos que, se vendidos com calma, cobririam a maior parte do passivo. Já na Suíça, o resgate desenhado envolveu a compra do Credit Suisse pelo UBS com muitas consequências importantes.

Em 2007, o market cap do Credit Suisse bateu US$ 90 bilhões. No último dia 17 de março, o banco valia US$ 8 bilhões. Três dias depois, o UBS o comprou por um desconto de 60%, ou 7% o valor patrimonial, depois da pressão dos reguladores suíços. O UBS assumirá os primeiros US$ 5,4 bilhões em perdas e, depois disso, a Suíça cobre US$ 10 bilhões adicionais. O Banco Central Suíço abriu uma linha de liquidez de US$ 110 bilhões, além dos mais de US$ 50 bilhões que o Credit Suisse já tinha usado na semana anterior. O mais chocante é que, apesar dos acionistas serem pagos, alguns credores não serão.

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Existe uma hierarquia tradicional em casos como esse. O acionista é sempre o último da fila a receber, é sempre júnior em relação ao credor. A fusão forçada entre UBS e Credit Suisse inovou ao remunerar os acionistas do CS, enquanto alguns detentores de títulos subordinados tiveram seus investimentos transformados em pó pelo regulador. Esse tipo específico de dívida, conhecido como AT1, é mais arriscado e pode ser zerado sob algumas condições, como auxílio governamental significativo. A surpresa no caso foi enorme e ensina uma lição importante aos investidores e reguladores: é importante ler os documentos que regem qualquer operação, especialmente as complexas, antes de investir. Atualmente, as escrituras e prospectos são extremamente complexos e os reguladores vêm tentando simplificá-las, mas sem muito sucesso.

No Brasil, investidores em CRIs de empresas subsidiárias da Americanas também foram surpreendidos com as repercussões da recuperação judicial. A estrutura do CRI e as batalhas jurídicas do futuro exigem recursos que normalmente são pagos pelo tomador, mas que, nesse caso, precisam ser arcadas pelos investidores.

Em um ambiente que já estava conturbado, os problemas bancários adicionaram ainda mais preocupações. No Brasil, os grandes bancos são muito sólidos, mas uma estratégia de investimento comum, como investir em CDBs de bancos pequenos e médios até o limite do FGC, deve levar em conta os depósitos. Os detalhes do que ocorreu com o Credit Suisse mostram que, em tempos difíceis, as letras pequenas dos contratos serão usadas e podem mudar verdades estabelecidas. Conhecer os ativos que compõem as carteiras é muito importante. Contratar assessores e gestores que tenham interesses alinhados aos seus é ainda mais.

Evandro Buccini Sócio e diretor de gestão de Crédito e Multimercado da Rio Bravo

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