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Atrasos na entrega de aeronaves adiam planos da Azul e da Gol

CEO da Azul afirmou que problema ‘impacta nossa capacidade voar’, mas aéreas conseguiram melhorar margem no 3º trimestre

Lucas Sampaio Mitchel Diniz

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Apesar de terem apresentado melhoras no resultado operacional no terceiro trimestre, Azul e Gol seguem sofrendo com um problema que afeta a capacidade das companhias aéreas de expandir as suas operações, tanto no número de voos quanto da malha aérea: o atraso recorrente na entrega de aeronaves por parte das fabricantes (OEMs).

O problema não é novo, mas se intensificou com a retomada do setor e com o crescimento da demanda nos últimos trimestres. A Azul tem sofrido com atrasos da Airbus e da Embraer e a Gol, da Boeing. Como consequência, as aéreas estão revisando o guidance para o quarto trimestre e para 2024, enquanto o preço das passagens aéreas deve continuar em patamares elevados para os consumidores.

“Estamos para receber um [avião da] Airbus em dezembro e dois [da] Embraer no final de novembro. Isso impacta nossa capacidade voar”, afirmou o CEO da Azul, John Rodgerson, em coletiva de imprensa sobre o resultado do trimestre. A companhia reduziu suas projeções de oferta de assentos para 2023, de uma alta de 14% para uma de 9%, e o CFO Alex Malfitani disse, sem especificar qual OEM, que “tem fabricante dizendo que vai atrasar entrega que está prevista para daqui a quatro anos”.

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“Se nada tivesse atrasado iríamos ter até três aeronaves da Embraer operando este ano, mas elas só vão chegar em fevereiro”, afirmou Malfitani. “Não é um atraso dramático, mas cada dia atrasado é um dia de capacidade que não consigo vender”.

No programa Por Dentro dos Resultados, o CFO da Azul deu um exemplo da dificuldade em planejar o número de voos e a malha aérea com os problemas nas entregas. “Temos um relacionamento próximo dos fornecedores e tentamos trabalhar com eles para, no mínimo, saber se vai ter um atraso, com o máximo de antecedência possível. Porque eu já estou vendendo assentos em voos para setembro de 2024, por exemplo, e provavelmente alguns desses assentos que estão no meu sistema para setembro de 2024 são de aeronaves novas. Se chegar no dia da entrega da aeronave e o fornecedor não entregar, vai causar um impacto nesses assentos que já foram vendidos” (assista no vídeo abaixo).

Na Gol a situação é ainda mais dramática: a empresa só recebeu, até agora, uma das 15 aeronaves da Boeing previstas para 2023. Com o atraso na entrega dos 737 Max-8, a companhia aérea está operando atualmente com 108 aviões – sete a menos do que possuía no terceiro trimestre de 2019, antes do início da pandemia de Covid-19.

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A empresa agora estima que vai terminar o ano com uma frota operacional entre 110 e 114 aeronaves (a estimativa anterior era entre 114 e 118). “Estamos correndo para conseguir alternativas em relação aos atrasos que estamos enfrentando”, afirmou o CEO da Gol, Celso Ferrer, em teleconferência sobre os resultados da empresa no terceiro trimestre. A analistas, afirmou que “quase todos os dias temos calls com eles [Boeing]”. “O melhor cenário agora é recebermos [neste ano] 5 das 15 aeronaves, e as outras 10 o mais tardar no começo do próximo ano”.

Passagens mais caras (e margens melhores)

O Itaú BBA destacou, após a teleconferência de resultados da Azul nesta terça-feira (14), que a companhia aérea não prevê uma “solução simples” para os atrasos, mas por outro lado o problema “também leva as companhias aéreas a manter a sua capacidade racional e a se concentrarem na otimização da lucratividade”.

Ygor Araújo, analista da Genial Investimentos, tem avaliação semelhante. “Como a oferta está realmente limitada, porque não tem a entrega de aeronave nova e a renovação e a expansão de frota não está acontecendo, no final das contas isso acaba virando preço”, afirma Araújo ao IM Business. “Se os custos se mantêm mais controlados, que é o que aconteceu neste trimestre com o preço do combustível caindo, e as companhias aéreas conseguem voar com uma capacidade maior, que é também o que a gente viu com uma média de mais de 80% de ocupação, o que a gente vê é um resultado ‘lá em cima’, com margens excelentes dentro do setor”. Após o balanço da Azul, por exemplo, as ações da empresa saltaram quase 10%.

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A empresa divulgou resultados preliminares e não auditados, com um crescimento de 137% no lucro operacional, para R$ 957 milhões; um Ebitda ajustado de R$ 1,55 bilhão (alta anual de 67% e acima do consenso do mercado, que previa 1,34 bilhão); e margem Ebitda ajustada de 31,6% (crescimento de 10,4 pontos percentuais).

Mas a companhia reduziu a estimativa de Ebitda para o ano, de R$ 5,5 bilhões para R$ 5,2 bilhões, e a do aumento da capacidade (ASK), de 14% para 11%. “O ajuste no crescimento da capacidade ano contra ano de 14% para 11% deve-se principalmente aos atrasos dos fabricantes na entrega de novas aeronaves e à alta nos preços do combustível”, afirma a companhia.

No programa Por Dentro dos Resultados, o CFO também afirmou que a racionalidade atual “é muito importante”. “Se você aumenta a capacidade, o custo marginal para você encher um assento que está vazio é muito baixo. E é aí que pode acontecer uma dinâmica não muito positiva no mercado: se você tiver muita capacidade no mercado, todo mundo começa a reduzir tarifas e isso pode levar a uma rentabilidade ruim para a indústria”, afirma o executivo. “Mas todo mundo está sendo muito disciplinado atualmente. Todos os agentes do setor estão buscando rentabilidade e geração de caixa e mantendo disciplina. Além disso, mesmo se alguém quisesse ser indisciplinado, o próprio fornecedor vai dificultar isso hoje, porque o fornecedor não tem aeronave para entregar. Então a gente vê uma dinâmica realmente muito construtiva para o mercado nesse momento”.

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Já a Gol teve um prejuízo de R$ 1,3 bilhão no trimestre, mas o Ebitda (lucro antes juros, impostos, depreciação e amortização) cresceu 80% na comparação anual, para R$ 1,25 bilhão, a margem Ebitda recorrente atingiu 26,8%, alta de 9,5 pontos percentuais. O lucro operacional (EBIT) saltou de R$ 40,7 milhões há um ano para R$ 825 milhões, e a margem operacional, de 1% para 17,7%.

O analista da Genial também destaca que o quarto trimestre deste ano e o primeiro de 2024 devem ser muito fortes para as companhias, pois além de ser um período sazonalmente melhor (por causa das férias), já houve uma retomada mais forte das viagens corporativas no terceiro trimestre e as aéreas também estão se “beneficiando” da saída do mercado de players como a 123Milhas e o Hurb, que tinham estratégias mais agressivas e cobravam preços mais baixos.

“Tudo o que foi ‘vendido’, entre aspas, e não foi cumprido, acaba aparecendo agora para as aéreas no período da viagem. Então isso gera uma demanda esporadicamente maior. Com as pessoas tendo que comprar a passagem novamente, no spot, isso deve ajudar também a manter a tarifa lá em cima”, afirma Araújo. “Estamos com uma expectativa de aumento também de tarifa por quilômetro voado, o que deve ajudar bastante [as empresas]. Elas estão praticamente com toda a capacidade de tomada, e isso deve se refletir em aumento de tarifa. Não tem jeito, pois a demanda existe e deve ficar mais forte – o que acaba dando um pricing power tanto para a Azul quanto para a Gol”.

O que dizem Boeing e Embraer

O IM Business procurou tanto a Boeing quanto a Embraer para falar dos atrasos. A Boeing se limitou a dizer que “nossa equipe está focada em cumprir nossos compromissos com a Gol”. A companhia aérea possui 106 pedidos firmes de aeronaves da empresa americana, que são estimados em R$ 20,5 bilhões (US$ 4 bilhões), segundo o balanço da Gol do terceiro trimestre.

Em seu balanço do período, a Boeing afirmou que um “retrabalho” em aeronaves 737 (o modelo adquirido pela Gol) “desacelerou a produção e as entregas ao longo do trimestre”. “Esperamos agora que as entregas do 737 no ano fiquem na faixa entre 375 e 400 [unidades]. Embora seja um revés, recuperaremos o ímpeto à medida que progredirmos na questão”.

Já a Embraer disse ao InfoMoney que as informações foram passadas na teleconferência de resultados e não faria comentários adicionais. Após o balanço, a empresa sinalizou que continua preocupada com a sua cadeia de suprimentos e que as entregas devem ficar próximas do limite inferior do seu guidance para o ano (em 2022, a fabricante brasileira não cumpriu o guidance por uma aeronave, “em função de desafios na cadeia de suprimentos”).

“Ainda estamos enfrentando desafios na cadeia de suprimentos e temos trabalhado incansavelmente com nossos fornecedores para mitigar esses problemas”, disse o CEO da companhia, Francisco Gomes Neto, na abertura da teleconferência. “Reforçamos que nossas projeções operacionais e financeiras para o ano permanecem inalteradas”.

Mais à frente, durante a apresentação a analistas, o CEO da Embraer afirmou que “sabemos que temos um desafio pela frente quanto ao nível de entregas. Portanto, podemos esperar um quarto trimestre intenso devido principalmente às restrições na cadeia de suprimentos”.

O CFO Antonio Garcia admitiu que o atraso na entrega de alguns aviões e que “a situação ainda é volátil”. “Tivemos sim alguns atrasos de aeronaves. Esperávamos entregas um pouco maiores no terceiro trimestre, que acabaram indo para o quarto trimestre, por falta de motores”, afirma Garcia. “A gente ainda está vivendo uma situação atípica, a mesma que a gente viveu há um ano”.

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.