Analistas veem mercado de trabalho ainda robusto, apesar dos sinais de desaceleração

Taxa de participação no mercado de trabalho abaixo do pré-pandemia ainda tem segurado indicadores de desemprego

Roberto de Lira

(shutterstock)
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Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgados nesta sexta-feira (28) – que mostram uma leve alta na taxa média de desemprego em março, para 8,8% – analisados junto com os dados do Caged de março divulgados ontem, com saldo positivo de 195.171 carteiras assinadas, mostram um mercado de trabalho aquecido, mas com sinais de desaceleração, segundo analistas.

Em sua análise, o Santander Brasil destaca que a taxa de desemprego dessazonalizada ficou em 8,2% no mês, ligeiramente abaixo do nível dos 8,3% de fevereiro. Essa retração decorreu mais por conta das variações mensais de +0,35 na população ocupada e de +0,2% na população economicamente ativa, segundo o banco.

A taxa de participação no mercado de trabalho foi de 61,8%, ligeiramente acima do nível de fevereiro (61,7%). O Santander calcula que, se a taxa de participação estivesse nos 63% (média histórica pré-pandemia), a taxa de desemprego dessazonalizada seria de 10,0%.

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O Santander também cita que rendimento médio real efetivo apresentou ligeira retração de 0,4% em fevereiro (esse dado é divulgado com defasagem de um mês em relação às demais séries da PNAD), enquanto o rendimento médio real usual apresentou ficou estável (0,0%) em março.

“Depois de atingirem níveis próximos aos da pré-pandemia, ambas as séries apresentaram sinais de desaceleração. Mas a tendência geral ainda aponta para forte recuperação desde meados de 2022”, comenta o banco em relatório.

Para o Santander Brasil, o resultado da PNAD de março continuou mostrando um provável mercado de trabalho superaquecido, com sinais de estabilização na margem. “Ainda avaliamos que a taxa de desemprego continua em níveis baixos mais por redução da taxa de participação do que por crescimento do emprego”, explica o banco.

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As estimativas do banco apontam para estabilidade no emprego em fevereiro e março, já que a taxa de participação teve ligeira recuperação.

“Esperamos que a tendência de desaceleração do mercado de trabalho volte à frente, mas a continuidade da baixa taxa de participação e o forte resultado dos dados do Caged de março implicam em risco de queda em nossas projeções para a taxa de desemprego”, pondera o relatório.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, também observa uma continuidade da tendência de desaceleração do mercado de trabalho do País. “Na comparação com o trimestre de outubro a dezembro de 2022, a taxa de desemprego aumentou 0,9 ponto percentual, e 2,4 p.p frente ao mesmo trimestre de 2022, deixando clara a tendência de desaceleração do mercado de trabalho”, compara.

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Segundo ela, a mesma tendência se observa nos dados do Caged, que em março registrou a adição de 195 mil empregos com carteira de trabalho na economia, abaixo dos 242 mil adicionados em fevereiro. “Entretanto, o resultado do Caged veio acima do esperado, mostrando que, apesar da desaceleração, o mercado de trabalho continua robusto”, comenta em relatório.

Rafaela faz a ressalva que o Caged se restringe ao universo dos trabalhadores formais, enquanto a PNAD contempla todos os trabalhadores da economia. Portanto, é natural haver discrepâncias entre os dados.

A desaceleração do mercado de trabalha citada por Rafaela Vitória foi disseminado entre todas as atividades, mas ela afirma que perda de empregos relacionados à administração pública foi destaque. A quantidade de empregados no setor apresentou queda de 415 mil.

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Na sequência, comércio apresentou a maior queda, de 294 mil pessoas. Em termos relativos, o setor com o pior desempenho foi o de outros serviços, cuja queda de 231 mil pessoas representa 4,5% da força de trabalho do setor.

Comércio e agricultura lideraram as perdas, com o comércio registrando queda de 111 mil empregos e a agricultura de 103 mil empregos. Construção, por sua vez, mostrou queda pelo 6º trimestre consecutivo, registrando a demissão líquida de 71 mil empregados. Isso, segundo a economista do Inter, refletiu a contração do mercado de crédito.

No geral, o aumento do desemprego no trimestre foi explicado principalmente pela redução no contingente de ocupados. Esse estoque atingiu 97,8 milhões, uma queda de 1,5 milhão de pessoas frente ao último trimestre.

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O contingente de desocupados também aumentou, em 860 mil pessoas frente ao trimestre anterior, alcançando 9,4 milhões de pessoas desocupadas.

“Dessa forma, observamos uma redução da oferta de trabalhadores e na taxa de participação, um indicador negativo para a atividade à frente. Além disso, a redução na taxa de participação pode manter a pressão inflacionária nos salários”, alerta a economista.

Renda menor

Em sua avaliação sobre o desemprego no trimestre encerrado em março, Rodolfo Margato, economista da XP, também dá importância à pequena variação da força de trabalho e à taxa de participação.

“Maiores transferências de renda do governo parecem explicar, embora parcialmente, a menor oferta de mão de obra em algumas categorias informais de trabalhadores”, afirma.

Ele também cita como destaque a perda de força na recuperação dos rendimentos reais do trabalho. “Por exemplo, o rendimento real médio habitual avançou 0,2% em março ante fevereiro, ritmo muito inferior à taxa de crescimento média de 0,8% entre julho e setembro de 2022”, compara.

“O indicador situa-se cerca de 0,5% aquém dos patamares pré-Covid. Em nossa avaliação, os rendimentos reais crescerão até o final deste semestre”, afirma.

Por sua vez, a massa de renda real do trabalho – que combina população ocupada e rendimento médio – aumentou 0,4% em março. A firme recuperação desta variável (houve expansão ao redor de 7% em 2022) explica o desempenho do consumo das famílias acima do esperado nos últimos trimestres, segundo Margato.

E economista da XP projeta que taxa de desemprego dessazonalizada encerrará este ano em 9,2%, ante 8,2% no final do ano passado. “A taxa de desemprego média de 2023 é estimada em 8,9%, após 9,3% em 2022”, afirma.

Para o Goldman Sachs, o mercado de trabalho deve abrandar ainda mais nos próximos trimestres, dada a expectativa de crescimento abaixo da tendência.

“A taxa de desemprego também pode ser impactada se o número ainda considerável de trabalhadores desanimados fora da força de trabalho começar a procurar emprego e retornar à força de trabalho ativa”, diz o economista Alberto Ramos em relatório. Esse contingente é calculado em 3,9 milhões de pessoas, equivalentes a 3,6% da força de trabalho.

Para o Itaú, tanto os dados do Caged quanto os da PNAD mostraram um mercado de trabalho mais resiliente em março. “No geral, março deve mostrar alguma recuperação, já que nossas estimativas para os principais dados mensais – vendas no varejo, produção industrial e receita do setor de serviços – estão em terreno positivo e algumas pesquisas de confiança se recuperaram ligeiramente”, diz relatório assinado por Natalia Cotarelli e Matheus Felipe Fuck.

“Esperamos uma desaceleração gradual nos próximos trimestres, em meio ao impacto defasado da política monetária contracionista”, preveem.

Os economistas Marco Caruso e Igor Cadilhac, do Banco Origial, também afirmam que a taxa de participação tem sido a protagonista nas últimas divulgações da PNAD. “O motivo é que, muitas pessoas consideradas aptas a trabalhar não estão procurando emprego e, por isso, não são consideradas desempregadas”, comentam.

No entanto, a constante contração da taxa não foi observada em março, quando saiu de 61,6% em fevereiro para 61,7%, embora se encontre em patamares baixos e inferiores à média pré-pandemia, de aproximadamente 63%.

“É verdade que a ocupação segue forte, mas veremos à frente uma perda de fôlego da atividade econômica, que pode levar parte da população a voltar procurar emprego, o que pressionaria a taxa de desemprego”, preveem.

Ao mesmo tempo, os economistas do Original dizem enxergar uma certa migração da informalidade para a formalidade, movimento que deve continuar ao longo do ano.

“Como consequência, esperamos que a taxa de desocupação resista em patamares baixos por mais algum tempo. Para 2023, projetamos uma taxa média de desemprego de 8,8%, abaixo do consenso”, afirmam.