Itaúsa (ITSA4) é a nova Berkshire Hathaway? O que os dividendos magros da holding dizem sobre seu futuro

Payout da Itaúsa chegou a 95% em 2019, mas recuou nos anos seguintes para perto do mínimo estatutário de 25% – onde deve permanecer pelos próximos anos

Katherine Rivas

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Por anos, a Itaúsa (ITSA4) – holding de investimentos que controla empresas como Itaú e Alpargatas – foi vista como sinônimo de renda passiva por muitos investidores. Com uma política que prevê distribuições trimestrais de proventos, era figurinha carimbada nas estratégias de dividendos. Seu status de boa pagadora, no entanto, foi colocado à prova nos últimos tempos.

Segundo dados da Comdinheiro, em 2019 o payout (parcela do lucro líquido destinada a proventos) chegou a 95%, mas recuou nos anos seguintes para perto do mínimo estatutário de 25% – onde, segundo o CEO da holding, Alfredo Setúbal, deve permanecer pelos próximos três anos.

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Dividendos: payout da Itaúsa (ITSA4) deve voltar à média histórica de 40% em 3 anos, diz CEO

A redução desagradou por si só, mas ganhou ainda mais evidência no momento atual, em que empresas de outros setores – em especial, o de commodities – passaram a pagar dividendos muito mais generosos. Enquanto a renda fixa garante ganhos de 13,75% ao ano e há empresas oferecendo taxas de retorno (dividend yield) de até 30%, a Itaúsa – que registrou lucro líquido recorrente de R$ 3 bilhões no segundo trimestre de 2022 – vai pagar juros sobre capital próprio (JCP) de R$ 0,12 por ação no dia 30 de agosto e mais R$ 0,049 até dezembro de 2023.

No acumulado de 12 meses, a holding tem um dividend yield de apenas 6,1%.

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Embora o valor anunciado nesta segunda-feira (15) seja superior aos dividendos trimestrais fixos de R$ 0,02 por ação , estabelecidos na sua Política de Remuneração, a holding perde espaço nas carteiras recomendadas de dividendos. Em agosto, apenas uma corretora entre as dez monitoradas pelo InfoMoney indicava os papéis.

A ação não perdeu acionistas em volume – eles eram 921 mil em junho, a maioria pessoas físicas, contra 899 mil em março. Mas o descontentamento de alguns investidores acabou penalizando a ação, apontou Setúbal nesta terça-feira (16), em live para comentar os resultados. Para ele, a queda dos dividendos é o motivo do desconto exagerado da holding em relação ao valor de mercado de suas investidas, atualmente no patamar de 23,6%.

Alguns nomes conhecidos, como Luiz Barsi Filho, considerado um dos maiores investidores da Bolsa, já desistiram do ativo pelos dividendos magros.

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Se a metamorfose da Itaúsa desagradou os fãs de dividendos, para os agentes de mercado a Itaúsa está finalmente se tornando uma ”holding raiz”, diversificada e focada em investimentos de valor, menos preocupada em distribuir proventos no curto prazo e mais interessada no longo prazo. Os analistas perfilam a empresa como uma “jovem aprendiz” da Berkshire Hathaway, holding de investimentos de Warren Buffett, um dos mais conhecidos investidores do mundo. A Berkshire não distribui proventos.

Buffett é conhecido por dizer que pagar dividendos seria admitir que não é capaz de encontrar oportunidades para reinvestir o lucro da empresa. Para analistas como Tiago Reis, fundador da Suno Research, a filosofia atual da Itaúsa vai nessa linha. Segundo Reis, é hora de os investidores entenderem que a holding deixou de ser uma ação para dividendos. “O racional da Itaúsa é: tem oportunidade, investe. Amanhã pode não ter, e então ela paga dividendos”, explica. Em sua visão, o histórico de alocação de capital da companhia “merece um voto de confiança”.

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Berkshire Hathaway wannabe…

Enrico Cozzolino, analista da Levante Investimentos, explica que a Berkshire Hathaway começou a investir em diversas companhias em 1962, com a estratégia de value investing, que busca o real valor das empresas investidas no longo prazo. “É o famoso buy and hold”, diz.

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Atualmente, a holding de Buffett investe em 44 empresas de diversos setores da economia. Os dados relativos ao segundo trimestre indicam que as companhias com maior participação no portfólio são Apple (43%), Bank of América (11%), Coca-Cola (9%), Chevron Corp (7,13%) e American Express (7%).

Já a Itaúsa, que tem 47 anos de trajetória, investe em empresas líderes nos segmentos financeiro (como Itaú Unibanco e XP ), bens de consumo (Alpargatas), materiais de construção civil (Dexco), saneamento (Aegea), energia (Copa Energia) e infraestrutura (NTS). Em julho, assinou um contrato para adquirir 10,33% da CCR, uma das maiores empresas do setor de infraestrutura, que atua na concessão de rodovias e aeroportos, entre outros.

Segundo Reis, da Suno, esta é a primeira semelhança entre as duas holdings: ambas investem em empresas líderes e maduras. Salvo exceções, como Nubank, que ocupa menos de 1% de participação no portfólio da Berkshire, a empresa de Buffett tem preferência por companhias tradicionais e que geram caixa, como bancos e petroleiras, segundo o especialista.

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Carlos Daltozo, head de research da Eleven Financial, destaca que o mesmo é perceptível na Itaúsa. Quando o assunto são aquisições, a holding trabalha apenas com cheques superiores a R$ 1 bilhão, investindo em empresas com valor de mercado elevado. Mas em um cenário de menor liquidez no Brasil, isso pode ser um impeditivo de acelerar novos negócios, destaca.

A segunda semelhança está no tamanho das fatias adquiridas nas empresas. A Berkshire possui o controle acionário de algumas das companhias de seu portfólio e participações minoritárias de outras, cita Reis. É o caso da Apple, da qual a holding americana detém cerca de 5% das ações.

Segundo Reis, historicamente, a Itaúsa preferia ter o controle ou fazer parte do bloco de controle das investidas. Em Alpargatas, por exemplo, a Itaúsa tem uma participação total de 29,6%, mas possui 43,7% das ações ordinárias, que dão direito a voto, lembra o especialista. “A sócia Cambuhy Alpa Holding detém 35,1% da Alpargatas. Ambas são co-controladoras”, diz.

Nas últimas aquisições feitas pela Itaúsa, no entanto, o que se viu foi o padrão Berkshire, conforme Reis, com a holding brasileira aceitando ficar com fatias minoritárias. Na Aegea, por exemplo, a participação da Itaúsa é de 12,9%.

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…mas com personalidade própria

Entre as diferenças entre as duas holdings, Reis cita o estilo da gestão. Enquanto a Berkshire prefere adquirir os negócios e manter as lideranças, a Itaúsa opta por sugerir trocas na diretoria, se necessário, ou fazer indicações ao Conselho de Administração.

Outra diferença é a diversificação. Das 44 empresas investidas pela Berkshire, a Apple, que é a mais representativa, respondia por 43% do portfólio. Há ativos com participação de apenas 0,01%.

Na Itaúsa, a concentração é muito maior, apesar das novas aquisições. Segundo levantamento de Felipe Paletta, sócio-fundador e analista da Monett, no segundo trimestre o Itaú representava 88% do capital da holding, enquanto XP respondia por 6%, Alpargatas por 3%, Dexco por 2%, NTS por 1%, Aegea por 2% e Copa Energia por 2%.

Para Reis, não está claro se a prioridade da Itaúsa é reduzir a participação do Itaú. “A impressão que tenho é de que quando Itaú paga dividendos, Itaúsa compra empresas ou paga aos acionistas. E se eles fazem compras, a participação do banco no capital da holding diminui”, avalia.

Segundo Daltozo, a dependência de Itaúsa em relação ao Itaú não deve acabar no curto prazo e a evolução dos resultados do Itaú também atrapalha a tarefa, já que é a principal fonte dos proventos.

Setúbal afirmou que, ainda que o portfólio se diversifique, o Itaú representará na maior parte do tempo 80% ou 90% do capital. “Estamos criando um portfólio de grandes empresas, mas o Itaú sempre será o âncora principal. Não pretendemos aumentar e nem diminuir a participação no banco”.

Também há diferenças entre Itaúsa e Berkshire no formato de remuneração dos acionistas. Reis explica que a Berkshire nunca pagou dividendos e prefere reinvestir os ganhos em novas empresas. Nos últimos anos, a companhia realizou recompras de ações.

Já a Itaúsa, por política, paga dividendos trimestrais em janeiro, abril, julho e outubro. Paletta lembra que em 2021, a Itaúsa abriu um plano de recompra para adquirir 4,5% das ações em circulação.

Na visão de Paletta, a Itaúsa continua pagando dividendos pela vantagem tributária, já que no Brasil eles são isentos de Imposto de Renda – enquanto nos Estados Unidos os proventos são tributados em 30%. “Se a Berkshire estivesse aqui, provavelmente pagaria dividendos”, avalia. Isso poderia mudar em caso de alteração na tributação dos proventos no Brasil.

A visão de Setúbal sobre a estratégia da Itaúsa no médio e longo prazo, reúne algumas características apontadas pelos analistas, mas destoa sobre os proventos. O executivo acredita que o que define melhor o cenário atual da Itaúsa é uma combinação de crescimento com dividendos – ainda que, no curto prazo, não estejam previstas novas aquisições. O momento é de deixar os investimentos dos últimos cinco anos crescerem e de diminuir a dívida da holding.

Apesar das semelhanças, os analistas apontam um longo caminho para a Itaúsa se tornar mais parecida com a Berkshire Hathaway. Mesmo assim, Cozzolino, da Levante, enxerga a holding como uma oportunidade de investir com foco em valor, garantindo simultaneamente dividendos recorrentes – ainda que de centavos.

Katherine Rivas

Repórter de investimentos no InfoMoney, acompanha ETFs, BDRs, dividendos e previdência privada.