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O fato de a eleição deste ano ser encabeçada por duas pessoas que já ocuparam a cadeira presidencial tem uma série de consequências. Na disputa propriamente dita, a taxa de conhecimento elevada é um dos fatores que contribuem para o cenário em que 66% dos eleitores optam por um dos dois nomes na pesquisa espontânea, mesmo a mais de cinco meses da data do primeiro turno. Essa taxa é o dobro da registrada no mesmo período eleições anteriores.
Mas os impactos não se restringem à decisão do eleitoral. Há implicações também nas estratégias das campanhas e na maneira como as candidaturas se vendem ao mercado. Diante das incertezas colocadas, ambas têm se valido dos períodos à frente do Planalto como espécie de “seguro” contra expectativas de deterioração maior no cenário a partir de 2023.
No lado da candidatura de Jair Bolsonaro, os grupos político e econômico que o cercam têm lembrado da aprovação da reforma da Previdência, ainda em 2019, e dos avanços em marcos regulatórios de infraestrutura e da autonomia do Banco Central para dizer que, em um ambiente de pandemia superada e fim da guerra na Ucrânia, haverá espaço para a intensificação da agenda original do time econômico.
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Na campanha de Lula, aliados têm insistido na memória de respeito às regras do jogo, manutenção do tripé macroeconômico e previsibilidade. O mote é o de que Lula em 2003 despertava desconfiança, mas a experiência de oito anos mostrou pragmatismo suficiente para que o mercado encare outro mandato sem sobressalto.
Os aliados têm razão na defesa que fazem, mas a experiência mostra uma memória seletiva.
Do lado de Bolsonaro, a instabilidade interna no governo e na relação com as instituições, a resistência em embarcar publicamente na agenda do Ministério da Economia e a entrega do poder de pauta ao centrão colocam limites para o fortalecimento de uma agenda reformista e de contenção fiscal em um eventual segundo mandato.
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A experiência de Lula também registra limites. Se cumpriu a promessa de respeitar regras estabelecidas em 2003, agora tem reforçado promessas na direção contrária, como a da revisão do teto de gastos. Em que pese a disposição do diálogo para a definição de novas regras que possam substitui-lo, nada de concreto foi apresentado até aqui – e a tendência é que de fato não o seja em um curto prazo, pelos rumos que tomam a campanha.
Os limites de lado a lado — ruídos institucionais em um campo, e falta de clareza sobre a direção da agenda do outro — podem ser parte da explicação de por que o mercado, quando consultado, atribui pouca diferença a priori em preços de ativos em caso de vitória de um ou de outro. Até março, pesquisa que nossa área macro conduziu com economistas e gestores de instituições do mercado mostra câmbio e Bolsa apontando na mesma direção nas duas situações.
A tendência na disputa entre Lula e Bolsonaro é que a discussão continue no campo simbólico, com pouco de concreto sobre a agenda econômica — enquanto lidera e parece contar com o benefício da dúvida por parte do mercado, não há razão para Lula expor com muita antecedências planos concretos que possam deixá-lo exposto.
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Dessa indefinição vem parte da relevância de uma candidatura de centro que, se não tem chances concretas de avançar para um segundo turno, pode ao menos contribuir para que a discussão entre 2 e 28 de outubro seja feita em bases mais razoáveis.