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SÃO PAULO – Há exatos 90 anos, também em uma quinta-feira, o mercado financeiro vivia o estouro de sua primeira grande crise: o “Crash de 1929”, que resultou na quebra da Bolsa de Nova York, com um estrago da ordem de US$ 14 bilhões em apenas dois dias e mais de 15 milhões de ações vendidas às pressas. Passado quase um século do episódio, muito evoluiu: o setor bancário ficou mais fortalecido, regulado e os investidores, mais atentos aos riscos.
Os sinais mais recentes, contudo, podem estar colocando em xeque os avanços. Um dos grandes estudiosos das maiores crises econômicas, Barry Eichengreen acredita que os aprendizados gerados pela Grande Depressão parecem estar sendo esquecidos e, diante de uma desaceleração da economia global e de mercados cada vez mais fechados, os riscos de uma nova recessão estão aumentando, com economias europeias já à beira de uma crise.
“Houve um progresso significativo para fortalecer o sistema financeiro nas economias desenvolvidas após a crise financeira global, mas agora estamos vendo alguns retrocessos, uma vez que as memórias da crise vão se apagando”, afirmou, em entrevista ao InfoMoney por e-mail.
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O professor de Economia e Ciência Política da Universidade de Berkeley, na Califórnia (EUA), explicou que a grande diferença entre as duas últimas crises é que, em 2008, conseguimos escapar do pior. “Mas, ao evitarmos uma crise catastrófica, também aliviamos a pressão por reformas sistemáticas, deixando-nos com o risco de uma nova crise”, alertou.
Eichengreen foi consultor sênior do Fundo Monetário Internacional (FMI) entre os anos de 1997 e 1998 e é autor do livro “Hall de Espelhos: A Grande Depressão, a Grande Recessão e os Usos – e Mau Usos – da História” (em tradução livre), que conta a trajetória dos mercados desde a crise de 1929 à mais recente, de 2008.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista, em que fala ainda sobre as eleições americanas, o processo de impeachment do presidente Donald Trump, dos desdobramentos do Brexit e do avanço do protecionismo e do nacionalismo no mundo.
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InfoMoney: Vemos hoje nações mais interessadas em defender seus próprios interesses, os Estados Unidos e a China em uma guerra comercial que tem se estendido, a Alemanha com um menor crescimento econômico e a China se desacelerando. Como o senhor vê os riscos de uma nova recessão global pela frente? Esse é o seu cenário base?
Barry Eichengreen: Os riscos de uma recessão estão claramente aumentando. O crescimento chinês pode ter assentado e o país, começado a se recuperar, mas o crescimento na Europa está se desacelerando e o continente está à beira de uma recessão. A fraqueza no investimento de empresas em países desenvolvidos parece agora estar afetando o consumo, o que, com certeza, é uma má notícia.
IM: O FMI afirmou recentemente que a economia mundial enfrenta o risco de uma nova crise financeira, com dívidas acima dos níveis de 2008 e com falhas na reformulação do sistema bancário. Como o senhor analisa essa visão?
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Eichengreen: Houve um progresso significativo para fortalecer o sistema financeiro nas economias desenvolvidas após a crise financeira global, mas agora estamos vendo alguns retrocessos, uma vez que as memórias da crise vão se apagando.
Nos EUA, por exemplo, houve uma diluição dos testes de estresse e a eliminação da necessidade de planos de liquidação para os bancos. Esses são movimentos perigosos. Além disso, pouco foi feito para endereçar riscos de estabilidade financeira fora do sistema bancário: nos shadow banks [sistema bancário paralelo], no mercado de seguros e nos ETFs.
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IM: Que comparações podemos fazer entre o cenário atual e os episódios anteriores de disrupção econômica, incluindo a Grande Depressão da década de 1930 e a crise de 2007/2008? Quais as semelhanças e as diferenças?
Eichengreen: Escrevi um livro inteiro sobre isso, o “Hall of Mirrors”, publicado em 2015. A grande diferença é que, diferentemente da Grande Depressão, nós evitamos o pior [na última crise]. Mas, ao evitarmos uma crise catastrófica, também aliviamos a pressão por reformas sistemáticas, deixando-nos com o risco de enfrentar uma nova crise.
IM: O que mudou desde a última crise com relação ao mercado financeiro, os investidores e o sistema regulatório? O que podemos aprender com a Grande Depressão de 1929 e o que ainda ficou em aberto?
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Eichengreen: As inovações financeiras seguem surgindo, como ETFs e obrigações de empréstimos colateralizados. Sabemos pouco sobre os riscos implícitos dessas inovações para uma estabilidade financeira. Em outras palavras, sempre fizemos um bom trabalho em endereçar os riscos que criaram a última crise, mas não somos tão bons em endereçar os riscos que irão criar a próxima crise.
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IM: O setor financeiro hoje está mais consolidado do que estava na época da última crise?
Eichengreen: Analisando várias dimensões, a resposta é sim. Um bom exemplo é o mercado interbancário nos EUA, em que quatro grandes bancos controlam a maior parte da liquidez. Essa é parte da explicação por trás do aumento da volatilidade no mercado no começo de setembro.
IM: O nacionalismo e o patriotismo estão de volta ao redor do mundo. Como esse movimento pode afetar os negócios e as economias globais? E de que forma o que vemos atualmente remete às crises anteriores?
Eichengreen: Está claro que o nacionalismo e o protecionismo estão de volta. Essas tendências foram desestabilizadoras na década de 1930, como gerações de historiadores nos lembraram. O fato de estarem de volta como uma retaliação é profundamente preocupante, pois significa que uma resposta cooperativa à crise, como vimos em 2009, será muito mais difícil de ser atingida.
IM: Como o senhor vê as lideranças mundiais hoje? A falta de líderes pode contribuir para uma nova crise?
Eichengreen: Esses são dois problemas separados. Um é a falta de acordo no que precisa ser feito e a falta de solidariedade internacional, que dificultam uma cooperação internacional. O outro é que o senhor Trump é um “loose cannon” [imprevisível, descontrolado], capaz de tomar medidas que agravem os problemas do mundo em vez de ajudar a resolvê-los.
IM: O presidente americano Donald Trump está enfrentando um processo de impeachment. Como isso pode afetar as eleições presidenciais de 2020?
Eichengreen: Ainda é muito cedo para afirmar. Muito irá depender de quais serão as próximas revelações sobre corrupção e abuso de poder no curso das investigações. Um fator importante sobre um processo de impeachment nos EUA é que ele dá à Câmara dos Deputados o poder de intimação de testemunhas e documentos sigilosos. Se houver grandes revelações, isso pode mudar a mente dos republicanos no Senado – e dos eleitores.
IM: Ainda sobre as eleições americanas, como o senhor avalia a força dos democratas?
Eichengreen: Podemos ter certeza de que será uma eleição apertada. Por outro lado, todo o resto é incerto, desde quem os democratas irão nomear – um centrista ou esquerdista – a quão sério o processo de impeachment poderá atuar contra Trump em novembro de 2020.
IM: O que podemos esperar de efeitos colaterais das eleições presidenciais americanas sobre outras economias, como a brasileira?
Eichengreen: A incerteza que sobrevoa as eleições presidenciais dos EUA faz parte de uma constelação que leva os fluxos financeiros a um movimento de “fuga para segurança”, o que significa mais fluxo para o dólar e uma taxa de câmbio mais forte nos EUA. Sabemos pela história que isso tende a encurtar os fluxos de capital para mercados emergentes, e a deixar a economia especialmente mais difícil para países predominantemente endividados em dólar
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IM: O senhor enxerga uma bolha no mercado acionário americano? Devemos nos preparar para uma correção acentuada dos preços?
Eichengreen: O mercado americano é superavaliado por qualquer métrica. Seja em um mercado em alta ou em uma bolha, se trata mais de uma questão semântica que substantiva. O que sabemos com certeza é que o que sobe pode e, eventualmente, cai. Os responsáveis pelas economias emergentes são prudentes quando se planejam para essas contingências.
IM: Com relação ao Brexit, quais os impactos da saída do Reino Unido da União Europeia? Como as nações serão afetadas por essa decisão e ela pode ser benéfica para algum país?
Eichengreen: Não. O Brexit prejudica a União Europeia, machuca mais ainda a Irlanda e, acima de tudo, o Reino Unido. Então, você pode perguntar: por que o Reino Unido é tão insistente em deixar a União Europeia? A resposta é que, na verdade, o bloco como um todo não é insistente. Apenas 37% dos eleitores elegíveis escolheram a saída do Reino Unido em 2016 (uma parte significante da população não apareceu para votar). E a pergunta para a qual estavam votando não estava bem definida. As pessoas não foram questionadas se “preferiam o acordo ou permanecer”, uma vez que naquela época, não tinha nenhum acordo na mesa.
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