SÃO PAULO – Enquanto o coronavírus se espalhava pelo globo no início do ano, Bolsas do mundo todo renovavam suas máximas históricas. De um dia para o outro, como se tivessem tomado um beliscão — o famoso choque de realidade —, os mercados despencaram de forma abrupta.
Afinal, economistas, analistas, gestores e investidores erraram ao não antecipar o estrago que estava diante deles?
“Eu me pergunto isso. Será que eu não vi? O mercado foi reagindo conforme as coisas foram piorando, e não se antecipou a isso”, afirma Florian Bartunek, gestor da Constellation Capital, uma das mais renomadas gestoras do país.
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Para Bartunek, há uma série de fatores que ajudam a explicar o comportamento errático do mercado nessa crise, quando comparada a quedas anteriores. O primeiro é a taxa de juros em mínimas históricas, que parecia não deixar escapatória ao investidor.
“Se eu saio da Bolsa agora, vou para o juro zero ou juro negativo, enquanto minha inflação é um pouco mais alta que 3% ou 4% ao ano”.
O segundo ponto foi a distância entre o foco inicial de proliferação do vírus e o dia-a-dia da maioria das pessoas. “Tinha muitos sinais e muitos ruídos, a própria ideia de que o vírus não sobreviveria ao calor”, lembra. “As pessoas acharam que no Brasil seria diferente.”
O terceiro fator foi o otimismo do investidor com a boa fase das empresas brasileiras. “Eu acho que as empresas listadas, em geral, estavam começando a ir melhor. As coisas estavam acontecendo, tinha IPOs, fluxo para a Bolsa e todo aquele potencial. Ainda não estava muito claro qual seria o efeito [do vírus] nessas companhias”.
Para Bartunek, a velocidade com que os mercados caíram — com seguidos circuit breakers — também impediu os investidores de tomarem decisões sobre a venda de seus ativos. “Em 2008, você teve mais oportunidades de vender ao longo do tempo, porque a bolsa caía, subia um pouco. Dessa vez foi muito violento”, compara.
Por se tratar, segundo o gestor, de uma crise “com início, meio e fim”, muitas pessoas seguraram seus papéis, com medo de vender na baixa. “Alguns gestores até reabriram os fundos, mais animados com as oportunidades”, destaca. “Se as empresas boas vão sobreviver, então você não vai querer vender uma empresa boa por um terço do seu valuation.”
A principal lição da crise até aqui
Para Bartunek, contudo, de nada adianta dizer que as empresas estão baratas se o perfil de risco e a carteira do investidor não comportarem novas quedas. E essa, segundo ele, é a principal lição da crise até aqui. Maior inclusive, do que a ineficiência do mercado em antecipar o tamanho da crise que se aproximava.
“Só o futuro irá dizer quem vendeu ou comprou no melhor momento. A questão aqui é a composição do portfólio prévio. Se você entrou em qualquer um desses momentos com um portfólio alavancado, desbalanceado, com peso em ações maior que deveria, esse foi o problema”, argumenta. “A lição dessa crise não é ‘poxa eu não vi, eu não adivinhei’, mas sim eu ‘entrei nessa crise com portfólio errado’”.
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A ilha do Ibovespa
Bartunek acredita que as empresas brasileiras sofrerão de forma muito distintas os impactos da crise. “A gente vive em uma ilha”, diz ele sobre as empresas que compõem o Ibovespa. “Esse é um grupo mais resiliente, mas ele é um percentual do resto do Brasil. A imensa maioria das empresas do país vai sofrer muito”.
Para o gestor, o investidor de Bolsa pode ter certa tranquilidade sobre a sobrevivência das empresas mais líquidas, desde que não esteja posicionado em nenhuma “aventura”. “Eu não estou preocupado com a Renner e essas companhias, mas estou preocupado com pessoas que sempre tiveram aqui pra me ajudar, meu barbeiro, o taxista que me leva ao aeroporto e o restaurante que vou almoçar.”
Barato ou caro?
Sobre o preço da Bolsa atualmente, Bartunek divide os ativos em dois grupos. “Eu não tenho a menor ideia se as empresas mais frágeis são baratas ou caras. Podem estar caras, porque se não sobreviverem vão estar caras independentemente de seu preço”, afirma.
“Mas das empresas boas, e a gente sabe, grosso modo, quais são, a gente tem um valuation que se teletransportar para daqui a um ano, vai potencialmente ganhar dinheiro.”
Ele adverte que, apesar dos preços atraentes, existe uma probabilidade de que a Bolsa volte a cair. “Se você não aguentar a nova queda, eu reduziria a posição hoje. Precisa estar em um ponto em que você esteja confortável.”
Ações atraentes
“Eu chato dizer quais são as [empresas] boas, porque eu não tenho melhor amigo, eu tenho vários melhores amigos”, brinca o gestor, antes de disparar uma extensa lista de ações que considera boas oportunidades para o momento.
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Abre ou não abre
O analista Thiago Salomão perguntou a Bartunek de a Constellation pretende seguir o exemplo de outras casas que voltaram a captar recursos nas últimas semanas – caso da Dynamo, Atmus e BR Capital.
Embora ressalte que tudo pode mudar a qualquer momento, a posição da gestora hoje é a de manter o fundo fechado. “A gente não está no negócio de sermos os maiores, mas queremos estar entre os melhores no longo prazo”, afirma.
Bartunek acredita que o investidor de varejo leva vantagem em relação ao investidor institucional em cenários como o atual. “O investidor pessoa física consegue ter mais flexibilidade se necessário”. E aconselha: “Se você quiser fazer uma carteira de ações hoje, vá nas que você gosta enquanto cliente. Aquelas que você achava que estavam caras”.
Impressora de dinheiro x Inflação
O sócio da Constellation rejeita a hipótese de que a política monetária expansionista das maiores economias do mundo possam gerar uma pressão nos preços. “Você vai ter demanda fraca por muito tempo ainda, então não vejo inflação sendo um problema no curto prazo.”
A conta da crise, contudo, deve ser paga de alguma forma por todos, diz Bartunek. “Algumas pessoas vão pagar mais porque perderam emprego, espero que poucas”, ressalta.
“Para os outros, vai ter dólar mais alto, inflação, ou eventualmente algum aumento de carga tributária. Para todos nós irá cair a ficha de que a gente empobreceu um pouco.”
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