STF coloca Lula em vantagem para negociar PEC da Transição com a Câmara

Presidente eleito reduz dependência de PEC da Transição, embora mantenha proposta como "Plano A" para liberar recursos para 2023

Marcos Mortari

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visita o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em Brasília (Foto: Marina Ramos/ Câmara dos Deputados)
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visita o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em Brasília (Foto: Marina Ramos/ Câmara dos Deputados)

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Duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em menos de 24 horas podem ter alterado de forma substancial a correlação de forças entre os Poderes em Brasília a menos de duas semanas da posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na primeira, o ministro Gilmar Mendes determinou a utilização do espaço fiscal aberto pela PEC dos Precatórios (na prática, a diferença entre o valor dos precatórios expedidos e o limite estabelecido para os pagamentos pela União na norma) seja destinado exclusivamente à manutenção do Bolsa Família (programa que será retomado no lugar do Auxílio Brasil pelo próximo governo) no valor de R$ 600,00 mensais em 2023.

O magistrado também decidiu que, caso seja necessário, o governo federal está autorizado a utilizar valores suplementares de créditos extraordinários. Na prática, a medida confere respaldo jurídico a eventuais planos alternativos do governo eleito à PEC da Transição diante de dificuldades enfrentadas no Congresso Nacional.

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Já na segunda, o plenário do Supremo Tribunal Federal declarou, por 6 votos a 5, a inconstitucionalidade das emendas de relator (RP9). O instrumento ficou conhecido como “orçamento secreto”, em razão da ausência de transparência na autoria dos pedidos, das dificuldades de monitoramento da aplicação dos recursos e da alegada violação do princípio da impessoalidade entre os parlamentares.

Os magistrados entenderam que o dispositivo, cuja previsão orçamentária seria de cerca de R$ 19,4 bilhões, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em 2023, é incompatível com o que reza a Constituição Federal, não reconhecendo como suficientes as medidas aprovadas pelo Congresso Nacional em resolução na última sexta-feira (16).

Pela decisão dos magistrados, Ministros de Estado devem orientar os gastos consignados por meio de RP9 em conformidade com cronograma e programas, afastando caráter vinculantes das indicações do relator-geral do orçamento.

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Eles determinaram, ainda, que a administração pública divulgue, no prazo de 90 dias, as informações detalhadas (origem, nomes dos requerentes, destino, valores etc.) dos empenhos realizados nesta rubrica de 2020 a 2022.

Juntas, as duas decisões proferidas pelo Poder Judiciário colocam o novo governo em posição mais vantajosa para negociar a PEC da Transição a poucos dias do início do recesso parlamentar.

A primeira por deixar garantida a possibilidade de um “Plano B”, embora menos interessante para Lula, dados os atritos políticos oriundos dela e as limitações em termos de montante e prazo em comparação com a proposta em discussão.

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A segunda por retirar das mãos do Congresso Nacional o dispositivo que, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), se tornou o principal instrumento de negociação política para construção de governabilidade nas casas legislativas.

Na avaliação do cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada e professor do IDP, o Supremo influenciou nos termos da negociação entre o governo eleito e o parlamento.

De um lado, ao retirar parcialmente o senso de urgência da aprovação da PEC, garantindo uma porta constitucional alternativa caso as negociações fracassem. Do outro, retirando as possibilidades de alocação orçamentária em bases individualizadas, com poder discricionário muito grande.

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Para o especialista, as decisões vêm na direção de promover um reequilíbrio de forças em meio aos efeitos provocados por sucessivos episódios de enfraquecimento da Presidência da República.

“Lula parece estar sentindo um pouco do que é governar nesse cenário de enfraquecimento político-institucional por parte da Presidência da República”, observa.

“As decisões [do Supremo], seja no timing ou no conteúdo, parecem ter um componente político mais estratégico que as organizações vão respondendo a movimentações de atores produzem no sistema e geram desequilíbrio. Agora, de alguma maneira, é uma etapa de tentativa de reequilibrar. Um maior protagonismo do Poder Executivo na definição orçamentária”, avalia.

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Cortez, no entanto, não descarta a possibilidade de contra-ataques a partir da própria discussão do texto da PEC da Transição, que não envolve apenas a liberação de recursos para um programa de transferência de renda e combate à pobreza.

Para ele, parte do movimento foi observada com a votação, a toque de caixa, de um projeto de lei que flexibiliza as regras de quarentena impostas pela Lei das Estatais pela Câmara dos Deputados, em uma tentativa de abrir caminhos alternativos via posições estratégicas da administração pública, diante de maiores obstáculos à liberação de recursos a parlamentares.

Nos bastidores, políticos avaliam que as decisões do Supremo Tribunal Federal podem ter implicações até sobre os planos de Arthur Lira (PP-AL) para se reeleger presidente da Câmara dos Deputados.

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“Com a decisão de Gilmar Mendes, embora ela não abarque todos os aspectos da PEC da Transição, o futuro governo consegue manter o Bolsa Família mais robusto [em R$ 600,00]”, afirma o cientista político Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice.

“Outra consequência é que, sem as emendas de relator, Lira deve ter dificuldade para entregar os votos da PEC e pode ter sua candidatura à reeleição fragilizada. Sem as emendas de relator, ele perde uma variável importante de sedução dos parlamentares, o que pode criar incentivos para outra candidatura”, pontua.

Apesar das mudanças, Cortez aposta na acomodação entre o governo eleito e os planos pela reeleição de Lira. “É um governo mais enfraquecido do que sugere o tamanho da base aliada que será construída. É uma agenda que demanda muito quórum constitucional”, avalia.

“Parece que pode haver alguma rivalidade, mas eu ainda seria conservador de que o governo Lula fará essa aposta mais traumática e buscar a construção de um projeto político alternativo”, sustenta.

As discussões sobre a PEC da Transição emperraram na Câmara dos Deputados na semana passada, diante da pressão feita pelos partidos que devem compor a base de Lula por mais espaço no futuro governo – algo que o presidente eleito não estava disposto a ceder nos termos exigidos.

“Com uma saída alternativa para o pagamento do Bolsa Família já garantida a partir da decisão de Mendes, o novo governo tem mais espaço para resistir a essa pressão dos futuros aliados”, observam os analistas da XP Política.

Um caminho em discussão entre parlamentares seria incluir dispositivo no próprio texto da PEC da Transição para garantir que os recursos da agora extinta RP9 continuem com os parlamentares ao menos na forma de emendas individuais e de bancada.

Neste caso, contudo, as alterações no texto em relação ao já aprovado pelo Senado Federal teriam que ser analisadas mais uma vez pela casa legislativa em que a proposta iniciou sua tramitação. Com o prazo apertado antes do recesso parlamentar, seria outro desafio nas contas dos congressistas.

Sem tal encaminhamento, a tendência apontada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator-geral do Orçamento de 2023, é que os R$ 19,4 bilhões previstos sejam distribuídos entre emendas de bancada e, sobretudo, emendas de comissão das duas casas legislativas.

A ideia é que os recursos coincidam com projetos considerados prioritários pelo novo governo. As emendas individuais, por serem impositivas, não poderiam ser contempladas com parte dos recursos das extintas RP9.

“Decisão do Supremo a gente não discute, a gente cumpre. Então, RP9, emenda de relator, é uma coisa do passado. Não vamos mais tratar do assunto, não existe mais e vamos tocar a vida para frente”, disse a jornalistas.

O senador sinalizou que os presidentes das comissões e os futuros ministros escolhidos por Lula farão a destinação dos recursos liberados – medida que dá mais poder ao governo que assumirá em 1º de janeiro de 2023.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.