Sob pressão, Bolsonaro combina discurso defensivo e acenos à base na Cúpula das Américas

Ao público estrangeiro, presidente aborda desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, política ambiental e democracia

Marcos Mortari

(Foto: Alan Santos/PR)
(Foto: Alan Santos/PR)

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SÃO PAULO – O presidente Jair Bolsonaro (PL) discursou, nesta sexta-feira (10), na IX Cúpula das Américas, em Los Angeles, nos Estados Unidos. O mandatário combinou, em uma fala de cerca de 10 minutos, tom defensivo de respostas à pressão de interlocutores internacionais a acenos a sua base eleitoral no Brasil.

Em meio a críticas sobre a postura de seu governo frente ao pelo desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira na região amazônica desde domingo (5), Bolsonaro disse que, desde aquela data, as Forças Armadas e a Polícia Federal “têm se destacado na busca incansável” da dupla.

Durante a semana, o mandatário havia minimizado o episódio e classificado a viagem de Phillips e Pereira na região do Vale do Javari como uma “aventura não recomendada”. Nesta sexta, o Alto Alto Comissário da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos pediu que o governo brasileiro “redobre” os recursos e esforços disponibilizados nas operações de buscas.

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Na área ambiental, onde é frequentemente criticado por outros chefes de estado e por organismos internacionais, Bolsonaro disse mais uma vez que o Brasil é “um dos países que mais preservam o meio ambiente”.

“Nosso Código Florestal deve servir de exemplo para outros países”, afirmou. “Afinal, somos responsáveis pela emissão de menos de 3% de carbono do planeta, mesmo sendo a 10ª economia do mundo”.

Bolsonaro também reforçou o papel do agronegócio para a economia brasileira e o abastecimento mundial, e disse ser possível avançar respeitando o meio ambiente. “O Brasil alimenta 1 bilhão de pessoas, garantimos a segurança alimentar de 1/6 da população mundial. Uma realidade: sem nosso agronegócio, parte do mundo passaria fome”, declarou.

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O discurso vem em um contexto de crescimento da fome no Brasil. Na última quarta-feira (8), a Rede Penssan divulgou o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil e revelou que apenas quatro em cada dez famílias brasileiras têm acesso pleno a alimentação e 33 milhões de brasileiros passam fome.

“O Brasil não apenas evitou uma crise alimentar ao garantir acesso a fertilizantes, mas também desempenhou um papel de liderança na busca por soluções internacionais em favor da segurança alimentar”, disse Bolsonaro em seu pronunciamento.

“Mesmo preservando 66% de nossa vegetação nativa e usando apenas 27% do nosso território para pecuária e agricultura, somos uma potência agrícola sustentável. Não necessitamos da região amazônica para expandir nosso agronegócio. Somente no bioma amazônico 84% da floresta está intacto, abrigando a maior biodiversidade do planeta”, complementou.

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Outros trechos do discurso foram direcionados ao público interno. Em um deles, Bolsonaro acenou à sua base religiosa. “Neste ano em que o Brasil comemora duzentos anos de independência, afirmamos que temos um governo que acredita em Deus, respeita os seus militares, é favorável à vida desde a sua concepção, defende a família e deve lealdade ao seu povo”, afirmou.

Em outro momento, o presidente disse que vê “no Brasil, e em parte do mundo, um ataque claro as liberdades individuais por opinar de forma diferente”.

Veja a íntegra do discurso:

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Senhor presidente Joe Biden,

Senhores presidentes, chefes de governo e demais autoridades das Américas,

Senhoras e senhores,

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Agradeço o convite do governo dos Estados Unidos para participar desta reunião de líderes democráticos das Américas.

A Cúpula das Américas é oportunidade para tratarmos os desafios da pós-pandemia, do desenvolvimento sustentável, da transição energética, da transformação digital, da imigração, bem como da democracia e dos direitos humanos.

Estamos atentos aos problemas econômicos que afetam o mundo, como a inflação e o desemprego e, principalmente, ao bem mais precioso para o ser humano: a sua liberdade, aí incluídos a liberdade de expressão, de trabalho e de culto religioso.

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O Brasil se engajou fortemente no processo negociador das declarações a serem discutidas e aprovadas nesta Cúpula. Vamos trabalhar juntos para que essas propostas conduzam a novas agendas de cooperação para o crescimento econômico nas Américas.

O Brasil alimenta 1 bilhão de pessoas, garantimos a segurança alimentar de um sexto da população mundial.

Uma realidade: sem o nosso agronegócio, parte do mundo passaria fome.

O Brasil não apenas evitou uma crise alimentar ao garantir acesso a fertilizantes, mas também desempenhou um papel de liderança na busca de soluções internacionais em favor da segurança alimentar.

Somos um dos países que mais preservam o meio ambiente e suas florestas. Temos a matriz energética mais limpa e diversificada do mundo. Mesmo preservando 66% de nossa vegetação nativa e usando apenas 27% do nosso território para a pecuária e agricultura, somos uma potência agrícola sustentável.

Não necessitamos da Região Amazônica para expandir nosso agronegócio. Somente no bioma amazônico, 84% da floresta está intacta, abrigando a maior biodiversidade do planeta. Os nossos desafios são proporcionais ao nosso tamanho. Lembro que a área da região amazônica equivale a toda a Europa Ocidental.

Nenhum país do mundo possui uma legislação ambiental tão completa e restritiva. Nosso Código Florestal deve servir de exemplo para outros países. Afinal, somos responsáveis pela emissão de menos de 3% carbono do planeta, mesmo sendo a 10ª economia do mundo.

Para proteção das florestas, o Governo Federal reforçou o combate ao desmatamento e estabeleceu a operação Guardiões do Bioma Amazônia, sob a coordenação e controle do Ministério da Justiça.

Com o lançamento do Programa Metano Zero, fomos o primeiro país a implementar compromissos assumidos durante a COP-26, com financiamento específico para estruturar projetos de tratamento de resíduos orgânicos de aves, suínos, laticínios, cana de açúcar e de aterros sanitários, a fim de reduzir 30% das emissões totais de metano no Brasil.

Somos pioneiros na transição energética, tendo iniciado a descarbonização há quase meio século, com biocombustíveis e outras fontes. Em 2021, batemos recordes de instalação de energia Eólica (21 Gw) e Solar (14 Gw). Hoje, 85% da energia gerada no País vem de fontes renováveis. Temos o potencial de produção excedente de energia eólica no mar na ordem de 700 Gw, equivalente a 4 vezes a nossa atual capacidade instalada ou 50 Itaipus. As eólicas, na costa do nosso Nordeste, poderão produzir hidrogênio e amônia verde para exportação. Neste momento em que países desenvolvidos recorrem a combustíveis fósseis, o Brasil assume papel fundamental como fornecedor de energia totalmente limpa rumo a uma nova economia neutra em emissões.

Atualmente, vemos no Brasil, e em parte do mundo, um ataque claro as liberdades individuais por opinar de forma diferente.

Deixo aqui uma mensagem de compromisso do Brasil com a integração das Américas, como continente próspero e democrático. Ao longo de meu mandato, o Brasil manteve-se presente nos foros hemisféricos e regionais, trabalhando pela democracia, pela liberdade e pela prosperidade econômica e social.

Neste ano em que o Brasil comemora duzentos anos de independência, afirmamos que temos um governo que acredita em Deus, respeita os seus militares, é favorável à vida desde a sua concepção, defende a família e deve lealdade ao seu povo.

No Brasil já se entende que a liberdade é um bem maior que a própria vida, pois um homem ou mulher sem liberdade não tem vida. Pois um homem ou mulher sem liberdade não tem vida.

Se me permitem, antes de concluir, algumas informações de interesse de todos nós: e porque não dizer do mundo?

Desde o último domingo, quando tivemos a informação de que 2 cidadãos – um britânico, Dom Philips, e um brasileiro, bruno Araújo – desapareceram na região do Vale do Javari. Desde o primeiro momento, naquele mesmo domingo, nossas Forças Armadas e PF têm se destacado na busca incansável da localização dessas pessoas. Pedimos a Deus encontrados com vidas.

Dizer a todos que o Brasil é um país que continua concedendo vistos humanitários a afegãos, haitianos, ucranianos, sírios e venezuelanos. Falaram pouco do potencial nosso das Américas.

Prezado Marito, o nosso lago de Itaipu brevemente estará apto a piscicultura, onde somente pelo lado brasileiro ampliaremos a oferta de marcado em 40%. Assim tem tratado com vossa excelência nosso secretário Jorge Seif.

Dizer ao nosso presidente argentino, prezado Fernández, que continua em frente o nosso acordo de gás de Vaca Muerta. Pode ter certeza de que será bom para os dois países, não deixaremos de continuar importando gás da Bolívia.

Dizer também aos prezados presidentes da Guiana e do Suriname que a nossa ida recentemente visa a colaborar na exploração de petróleo e gás dos seus países. Os senhores têm algo de fantástico que Deus lhes deu: reservas em óleo e gás equivalente a 90% das reservas brasileiras. Juntos e com outros parceiros bem escolhidos, os seus países se despontarão no cenário econômico mundial.

Dizer que ontem estive com o presidente Biden numa bilateral ampliada e depois numa reservada com pouquíssimas pessoas. Ficamos por 30 minutos sentados numa distância inferior a 1m e sem máscara. Senti muita sinceridade no presidente Biden e muita vontade em resolver certos problemas que fogem obviamente de total responsabilidade de cada um de nós, mas juntos podemos buscar alternativas para por o fim nesses conflitos. Acredito que todos, trabalhando dessa maneira, atingiremos nossos objetivos, em especial o governo americano. A experiência de ontem com presidente Biden foi fantástica, estou realmente maravilhado e acreditando nas suas palavras e naquilo que foi tratado reservadamente entre nós. A todos, muito obrigado e que

Deus abençoe nossos países.

Que Deus abençoe a todos os nossos países!

Muito obrigado.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.