Luiz Fux: “No dia em que o Judiciário não puder cassar ato executivo, tem que pegar a chave e fechar”

O magistrado participou do painel "Harmonia entre os Poderes? O Judiciário em busca de diálogo", pelo segundo dia da Expert XP

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Próximo a assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) em pouco menos de dois meses, o ministro Luiz Fux não observa uma desarmonia entre os Poderes e nega que haja uma judicialização da política. Para ele, o protagonismo recentemente assumido  é indesejável e produziu desgastes, mas a corte e seus ministros estão cumprindo suas atribuições ao atuarem quando provocados.

O magistrado participou, nesta quarta-feira (15), do segundo dia da Expert XP, com o painel “Harmonia entre os Poderes? O Judiciário em busca de diálogo”, sob a mediação dos analistas políticos Débora Santos e Paulo Gama, ambos da XP Investimentos.

“Sabemos que cabe ao Executivo administrar, ao Legislativo legislar e ao Judiciário julgar. A Constituição Federal estabeleceu esta ordem, portanto, cabe ao Judiciário o poder de rever judicialmente o ato dos demais Poderes”, afirmou o ministro no bate-papo realizado por vídeo conferência.

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“O Poder Judiciário é inerte, para não perder sua neutralidade, mas ele só atua quando é provocado. Quando se fala em judicialização da política, não é o Judiciário que se imiscui na política, é a política que provoca o Judiciário para resolver o problema político. Esse é um protagonismo indesejável. Eu, particularmente entendo que esse protagonismo serviu para que houvesse uma espécie de desagravo da sociedade em relação ao Judiciário, que foi instado a decidir causas que seriam de outra instância”, disse.

Por outro lado, quando provocado, diz o ministro, há de se entender que, ao cassar atos do Poder Executivo ou declarar inconstitucionalidade de leis editadas pelo Poder Legislativo, o Supremo não está ultrapassando suas competências constitucionais. “Isso não pode ser fato gerador de crise absolutamente nenhuma. Porque, no dia em que o Judiciário não puder cassar ato Executivo e não puder declarar inconstitucionalidade da lei, tem que entregar a chave do judiciário e fechar a corte”, declarou.

Durante a pandemia do novo coronavírus, posições do Supremo colocaram o tribunal e o governo em rota de colisão. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou a decisão do ministro Alexandre de Moraes que impediu a posse de Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal.

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Outra decisão que incomodou o Palácio do Planalto foi a que reconheceu autonomia para governadores e prefeitos a decidirem sobre as políticas de isolamento social no enfrentamento à Covid-19. O avanço dos inquéritos das fake news e do que apura as manifestações antidemocráticas também pioraram o clima entre os Poderes.

Forças Armadas

Questionado sobre sua decisão, proferida no mês passado em resposta a questionamento protocolado pelo PDT junto ao Supremo, na qual afirmou que não cabe às Forças Armadas o papel de “poder moderador” e a possibilidade de interferir sobre os Poderes Legislativo e Judiciário, Fux disse que procurou proferir uma espécie de “voto didático”.

“Esquecendo a história do Império, nunca houve, na Constituição Federal, nenhum ditame de que estabelecesse que as Forças Armadas deveriam ser um Poder Moderador. As Forças Armadas merecem todo nosso respeito e toda nossa consideração, tanto mais que a função das Forças Armadas é defender os Poderes constituídos. Então, seria uma contradição a utilização de forças armadas para moderar conflitos inexistentes”, disse o magistrado.

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“Não haveria sentido que as Forças Armadas, que têm a competência constitucional de defender os Poderes, a pátria e a democracia, pudessem intervir em qualquer dos Poderes. Muito embora o presidente da República seja o chefe supremo das Forças Armadas, ele é representante, é o titular máximo do Poder Executivo. E a Constituição Federal não elegeu nenhum dos Poderes superpoder”, complementou.

A decisão do ministro gerou reações do governo. Em nota divulgada nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e o ministro Fernando Azevedo (Defesa) afirmaram que o ministro reconheceu “o papel e a história das Forças Armadas sempre ao lado da democracia e da liberdade”.

O texto também dizia que as três Forças “estão sob autoridade suprema do Presidente da República” e que se destinam “à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Na nota, também havia uma afirmação de que as Forças Armadas não cumprem “ordens absurdas” e dá como exemplo a “tomada de poder”, “ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos”.

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“No fundo, entendi exarar um voto didático, um voto de respeito às Forças Armadas, dizendo o que elas deveriam fazer, no afã de evitar a utilização promíscua a todo momento de que elas poderiam intervir. Efetivamente, elas não poderiam intervir e não é este papel que a Constituição Federal destina às Forças Armadas”, disse Fux no painel desta quarta-feira (15).

O magistrado, porém, disse não “estigmatizar” o fato de “militares com expertise” serem escolhidos para desempenhar função no governo. “Tenho absoluta certeza de que os comandantes das Forças Armadas nunca foram ouvidos sobre efeito de intervenção em ambos os Poderes. E, se o governo escolhe dentro de determinado segmento, profissionais gabaritados – como o ministro Tarcisio, que parece um homem de altíssima capacidade nessa área de planejamento, mas que coincidentemente é um militar –, eu não vejo nenhuma heterodoxia, tendo em vista a habilidade que uma equipe deve ter no governo central”, pontuou.

O STF na pandemia

Fux, que hoje é o vice-presidente do STF, também analisou o papel exercido pela corte na pandemia. Para ele, o tribunal deve considerar o momento de excepcionalidade em suas decisões, sem se afastar do Estado de Direito. “Nesses momentos excepcionais, nós vivemos um estado de exceção, mas dentro do estado de direito. Temos que levar em conta quer o Direito não vive separado da realidade”, argumentou.

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O ministro também alertou para os efeitos da multiplicidade de leis editadas em momentos como o atual e salientou a importância de se estabelecer um canal de diálogo entre as instituições, para que se evite o afastamento de novos projetos por inconstitucionalidade.

“O STF fica como o último player dessa engrenagem de criação de medidas excepcionais, mas sempre procurando verificar se não há violação de princípios importantes da Constituição, como a dignidade da vida humana, a razoabilidade das medidas e sua proporcionalidade”, disse.

“A decisão judicial deve se adequar a esse momento excepcional, priorizando, acima de tudo o desenvolvimento social e econômico. O Supremo tem a perfeita percepção de que a economia tem que voltar e é preciso que haja injeção de recursos na ponta”, completou.

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Perguntado sobre a posição apresentada pelo Supremo sobre as medidas de isolamento social no enfrentamento à Covid-19, Fux disse que se buscou compatibilizar competências da União, de estados e municípios. “Se a União tiver uma política relativa à calamidade pública, mas os municípios e estados tiverem uma política mais eficiente, eles podem adotá-la, exatamente por força de autonomia que a CF concedeu aos estados em matéria de saúde pública”, explicou.

“O que o STF está bem atento é que não pode haver uma proteção deficiente com o objetivo de cumprir uma norma central. Se a norma local for mais eficiente, ela prevalece sobre a norma federal”, reforçou.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.