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A despeito da desconfiança de agentes do mercado e da pressão de distintos atores políticos, a equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem batido o pé para a hipótese de alterar a meta de zerar o déficit primário em 2024, indicada nas peças orçamentárias em tramitação no Congresso Nacional.
O secretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães, não esconde o desconforto com as especulações excessivas sobre uma possível flexibilização precoce da meta logo no primeiro ano de vigência do novo arcabouço fiscal e seus riscos para a desancoragem de expectativas dos agentes econômicos. Mas não descarta a possibilidade no futuro, caso todos os esforços tenham sido mobilizados e as alternativas à disposição se esgotem.
“Sempre se coloca muito [a opção da] alteração da meta. ‘A única saída é a alteração da meta’. A alteração da meta é uma possibilidade, sempre foi, e aconteceu no passado várias vezes, mas temos que lembrar que estamos no primeiro ano de um novo arcabouço. Nós vamos fazer todo o esforço [para evitar]. Estamos comprometidos [com o déficit zero]“, disse em entrevista ao InfoMoney.
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Na conversa, realizada na última quinta-feira (28), em seu gabinete, em Brasília, Guimarães enfatizou a prioridade da área econômica em combinar as medidas de incremento de receitas (que vão desde o PL do Carf até a MPV das subvenções) em tramitação ou já aprovadas pelo parlamento com um plano de revisão de despesas, que deverá indicar opções de cortes de gastos em qualquer sinal de que frustração de arrecadação que ameace a busca pelo equilíbrio fiscal.
“Sabemos que, mesmo se tudo for aprovado, ainda temos incerteza se a receita vai vir. Se ela não vier ou se um conjunto desse leque novo que foi encaminhado não for aprovado, sempre colocamos que existe a possibilidade de revisão de gastos”, pontuou.
Além de braço direito de Simone Tebet (MDB) no Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães hoje coordena o Grupo de Trabalho de Revisão de Gastos Federais, com o objetivo de “auxiliar a alta administração na melhoria da qualidade e do controle orçamentário”. O órgão é integrado por representantes da Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos e da Secretaria de Orçamento Federal, ambos vinculados ao MPO, e da Secretaria do Tesouro Nacional, sob o guarda-chuva do Ministério da Fazenda.
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Caso as ações indicadas pelo governo sejam insuficientes para garantir o cumprimento da meta estabelecida, o secretário admite que o Poder Executivo precisará lançar mão do instrumento do contingenciamento e bloqueio orçamentário em pleno ano de eleições municipais, como preveem a Constituição Federal e o próprio arcabouço fiscal, sancionado com vetos pelo presidente Lula em agosto. E ele garante que todas as restrições previstas na regra serão respeitadas.
“No caso atual, dado que estamos com o compromisso de uma trajetória de resultado primário desafiadora, há dois caminhos. É mais fácil tentar buscar receitas, ainda que nem todas sejam recorrentes, do que fazer cortes em que é preciso negociar e entender onde fazer. Para cortar, geralmente é preciso um tempo maior. Se não conseguimos, seja pela regra que limita o crescimento da despesa, seja pelo equilíbrio de receitas que vem da meta de [resultado] primário, fazemos bloqueio e contingenciamento”, assegurou.
“Obviamente que não temos a opção de não acionar um gatilho ou não fazer contingenciamento ou bloqueio se infringirmos uma das regras. Vamos ter que fazer”, disse. Ele considera baixas as chances de o Congresso Nacional dar uma “colher de chá” para o governo com um possível afastamento da aplicação dos gatilhos se houver descumprimento da meta. “Neste caso, seria muito mais fácil mexer na meta para os gatilhos não serem acionados”.
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Guimarães reconhece que o foco da desconfiança em relação ao cumprimento da meta fiscal advém das incertezas do lado das receitas, mas destaca que o plano de revisão de despesas pode se mostrar ferramenta mais eficiente na racionalização do corte de gastos do que um contingenciamento apressado imposto pelas regras vigentes − principalmente se o esforço para compensação for elevado.
“O que incentiva a fazer revisão de gastos? É melhor eu escolher antes e tentar ver onde é ineficiente e reduzir do que esperar chegar fevereiro do ano que vem e ter uma semana para escolher onde vamos bloquear ou contingenciar. Aí seremos obrigados a fazer [ajuste fiscal]“, argumentou o secretário.
“Se fôssemos fazer um bloqueio burro, linear, tiraríamos de todo mundo. O que estamos tentando fazer com esse grupo de trabalho é preparar o máximo possível de possibilidades para a União tomar a decisão. Ao longo dos próximos meses, vamos ter cada vez mais noção se vai ser factível ou não. Não digo nem o 0% [de déficit], mas o -0,25% [do PIB]“, pontuou.
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A lei que instituiu o novo marco fiscal determina que, uma vez percebido distanciamento em relação ao atendimento do objetivo estabelecido para o resultado primário, o governo aplique contingenciamento respeitando o “nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública”, que define como 75% do valor autorizado na LOA.
Levando em conta a peça orçamentária de 2024, isso significaria algo próximo a R$ 50 bilhões − nível considerado excessivo e que mostra que a nova regra fiscal não protegeria o Poder Executivo de cortes significativos de gastos caso necessário. Vale lembrar que a equipe econômica já aponta necessidade de um aumento de arrecadação na ordem de R$ 168 bilhões para fechar as contas no ano que vem.
“Por isso que temos que nos antecipar. Esse risco existe. A discussão de qual é o montante necessário de receitas depende muito do mix do que vai vir, por conta das vinculações e da distribuição com outros entes subnacionais. A depender da receita que vem, ela pode nos ajudar mais ou menos”, lembrou.
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“A partir do momento em que está definida a meta e não há uma mudança, só há um caminho a percorrer: fazer as receitas virem e estar preparado [para contingenciar]. O que temos que ter ciência é que, mesmo com essa proteção da não paralisação da máquina, ainda haveria uma necessidade de corte muito grande”, disse.
Neste caso, é natural imaginar um aumento na pressão pela revisão da meta fiscal − o que para ele não é necessariamente um problema, mas que precisa ser avaliado dentro de um contexto e considerando suas consequências para as expectativas dos agentes econômicos.
“Discussão de meta sempre teve e sempre vai ter. Ela é boa para o debate, porque foi ela que garantiu, inclusive, a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) sobreviver. A LRF só chegou à idade adulta porque era flexível. Sempre pudemos escolher a meta [de resultado primário] ano a ano, e, em casos excepcionais, mudá-la ao longo do ano por alguma surpresa ou decisão da sociedade”, afirmou.
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“Agora continuamos com essa flexibilidade de ajustar a meta, mas temos que lembrar que o próprio arcabouço tem seus mecanismos. Nós temos os gatilhos, que vão ser acionados, e a punição”.
Para ele, o contexto pode ser importante para determinar os efeitos de eventual discussão de revisão da meta fiscal. Caso isso ocorra depois de uma ampla mobilização de integrantes do governo e de ações do lado das receitas e despesas, ele acredita que haverá maior tolerância por parte dos agentes econômicos.
“Se tiver essa discussão depois de um cenário desses, o mercado pode até subir alguma coisinha, mas acho que vai ser marginal, porque ele vai entender que fizemos. Agora, ter essa discussão agora? E se a gente mexe, qual o incentivo das medidas lá [no Congresso]?”, questionou.
“A área econômica entende que é um custo muito alto [rever a meta fiscal], e em um cenário que temos mostrado sucessivamente que queremos atingir a meta. Nossa estratégia vai ser essa. Vamos fazer de tudo [para não mudar]. Para a área econômica, é muito ruim mudar”, ponderou.
Durante a entrevista, Guimarães mostrou um gráfico que aponta a diferença entre as projeções do mercado para a dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) três anos à frente e a dívida corrente verificada a cada ano.
De 2017 a 2021, as expectativas do mercado superavam o nível realizado entre 5,7 pontos percentuais (2019) e 8,7 p.p. (2017 e 2021), a uma média de 7,4 pontos. No ano passado, porém, essa diferença saltou para 12,6 pontos. A relação só convergiu para 7,5 p.p. em setembro de 2023, mês seguinte à sanção com vetos da lei que instituiu o novo marco fiscal.
Fonte: Secretaria Executiva do Ministério do Planejamento e Orçamento, com dados da Secretaria do Tesouro Nacional/Ministério da Fazenda e Banco Central do Brasil
“Todo mundo sempre acha que o Brasil vai ser expansionista”, disse. “Esse diferencial era só porque era o governo Lula. Foram nove meses [para retornar ao nível médio dos 5 anos anteriores]. Tivemos uma gravidez para conseguir voltar para o que é o padrão, para começar o jogo”. Por isso a preocupação com deslizes no plano fiscal que gerem maior aversão a risco no mercado.
Na conversa com o InfoMoney, o secretário também reclamou do que chamou de “insistência grande e recorrente” de agentes econômicos em questionar o compromisso fiscal do governo federal e disse que a atual administração sofre com um nível maior de desconfiança do que as anteriores. “Quem mais quer que a meta não altere é quem mais questiona”, ironizou.
“O problema é parecido com o que vivemos com a decisão do regime de metas de inflação. O problema não é mexer de 3% para 3,5%, 3,25% ou 4%. É a dúvida. Nós estamos no corner o tempo inteiro. Se fosse outro governo, o custo seria muito mais baixo. ‘Se jogou para 4%, quem garante que no ano que vem não vai ser 5%?’“, explicou.
Mas como o mercado é ditado por expectativas, ele sabe da sutileza das ações e da importância das sinalizações aos agentes financeiros.
“Se olharmos para o Focus, está dando 0,8% [de déficit em relação ao PIB]. Teoricamente, poderíamos pensar: ‘se colocarmos uma meta de 0,5%, no limite, ainda com a banda, o 0,8% está dentro’. E teoricamente o mercado não poderia piorar o preço que ele paga, porque ele já está acreditando nisso. O risco, como é tudo sempre expectativa, é você fazer um movimento desse e isso [diferencial entre expectativas e realizado] voltar em um mês”, alertou.
Por isso que, caso o movimento tenha que ser feito no futuro, a ideia seria reduzir ao máximo o custo junto aos agentes econômicos, em um esforço por manter a imagem de compromisso com a responsabilidade fiscal.
“Vamos com tudo, vamos fazer todo o esforço. Se no ano que vem tiver que alterar… A gente já reduziu o custo para todos. O governo de fato está tentando, foi no limite do possível. Não conseguiu? Então vai precisar fazer algum ajuste de meta para não disparar um gatilho muito forte”, pontuou.
Para ele, o importante no processo de discussão orçamentária é explicitar os dilemas para a sociedade fazer suas escolhas. “Vamos mostrar os problemas e dizer quanto economiza [com cada revisão de despesa]. Aí é tomada de decisão: você quer continuar tendo esse vazamento ou distribuindo esse recurso de forma ineficiente ou você quer descumprir a regra fiscal e acionar gatilho? Ou você quer mexer na meta e pagar em juros? Escolha”, disse.
“Acreditamos que agindo desta forma estamos sendo claros com a sociedade. Aí você vai dizer: ‘eu não quero aumentar receita e não quero fazer revisão de gasto’. Então, vamos pagar em juros mesmo, e vamos [precisar] mexer na meta… Vida que segue”, concluiu.
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