CPI da Pandemia: Renan Calheiros dá recado ao governo e sugere eixos para plano de trabalho

Senador diz que se pautará por isenção e imparcialidade, promete investigação técnica, mas já sinaliza problemas para Bolsonaro

Marcos Mortari

O senador Renan Calheiros (MDB-AL), durante sessão inaugural da CPI da Pandemia. (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), durante sessão inaugural da CPI da Pandemia. (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

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SÃO PAULO – Após uma disputa jurídica com governistas, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi escolhido relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia. O colegiado, formado por 11 titulares e 7 suplentes, foi instalado nesta terça-feira (27).

Em seu primeiro discurso no cargo, o parlamentar ressaltou a importância da comissão, sinalizou caminhos das investigações, atacou o negacionismo em meio ao combate à Covid-19 e defendeu punição “imediata” e “emblemática” de quem for comprovada contribuição para milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas no país.

A maioria dos membros da comissão integra as alas opositora ou independente ao governo Jair Bolsonaro, o que deixará a atual administração em posição vulnerável no colegiado ‒ sobretudo em meio ao pior momento da pandemia no país, que já matou 392.204 pessoas desde seu início.

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Durante a sessão inaugural, os membros do colegiado elegeram o senador Omar Aziz (PSD-AM) como presidente do colegiado com 8 votos. Ele superou o governista Eduardo Girão (Podemos-CE), que recebeu 3 votos.

Já para a vice-presidência foi eleito o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), com 7 votos e 4 abstenções. O opositor é autor de um dos requerimentos que culminou na criação do colegiado para apurar a conduta de autoridades no enfrentamento à Covid-19.

Pelo regimento interno da casa, a escolha do relator cabe ao presidente eleito para o colegiado. Seguindo acordo firmado entre as duas maiores bancadas (MDB e PSD), Omar Aziz indicou Renan Calheiros (MDB-AL), à revelia de esforços do governo federal no sentido contrário.

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Nas últimas semanas, o Palácio do Planalto tentava costurar com os parlamentares alternativas a Calheiros. O principal nome ventilado nesse sentido foi o do senador Marcos Rogério (DEM-RO). Um dos argumentos lançado foi de que ele não poderia ser relator da comissão pelo fato de ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB).

Ontem (26), os aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegaram a obter liminar judicial impedindo a indicação do parlamentar. A decisão monocrática, proferida por juiz de primeira instância, foi ignorada pelo Senado Federal e acabou derrubada pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1) antes da votação para o comando da CPI.

Os cargos de presidente e relator são estratégicos em uma CPI. Ao primeiro cabe ditar o ritmo das sessões e das próprias investigações, inclusive tendo papel decisivo na definição das autoridades que serão convocadas para prestar depoimento.

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Já o segundo, além de ter posição privilegiada nas audiências para fazer indagações aos convidados, é o responsável por encaminhar as conclusões da comissão, como pedidos de indiciamento junto ao Ministério Público Federal. A narrativa final dos trabalhos, porém, precisa de aprovação pela maioria da comissão.

Na primeira manifestação após a designação de relator, Renan Calheiros disse que se pautará “pela isenção e imparcialidade que a função impõe” e prometeu uma investigação “técnica, profunda, focada no objeto que justificou a CPI e despolitizada”. Mas deixou no ar uma série de recados ao Palácio do Planalto.

“A comissão será um santuário da ciência, do conhecimento, e uma antítese diária e estridente ao obscurantismo negacionista e sepulcral responsável por uma desoladora necrópole que se expande diante da incúria e do escárnio desumano”, pontuou.

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“Os inimigos desta relatoria são a pandemia e aqueles que, por ação ou omissão, incompetência, desídia ou malversação, se aliaram ao vírus e colaboraram, de uma forma ou de outra, com esse morticínio”, continuou.

O relator disse que intimidações não o deterão e sugeriu que a comissão poderia estar diante de um crime contra a humanidade. “Há responsáveis, há culpados por ação, omissão, desídia ou incompetência. E eles, em se comprovando, serão responsabilizados. Essa será a resposta para nos conectarmos com o planeta. Os crimes contra a humanidade não prescrevem jamais e são transnacionais. Slobodan Milosevic e Augusto Pinochet são exemplos históricos. Façamos nossa parte”, afirmou.

Por outro lado, o parlamentar disse que a CPI da Pandemia não será comissão parlamentar inquisitorial e não arquitetará teses sem provas. “A CPI, alojada em uma instituição secular e democrática, que é o Senado da República, tampouco será um cadafalso com sentenças prefixadas ou alvos selecionados. Não somos discípulos nem de Deltan Dallagnol, nem de Sergio Moro. Não arquitetaremos teses sem provas ou power points contra quem quer que seja. Não desenharemos o algo para depois disparar flecha”, prometeu.

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Veja um resumo do discurso em 15 trechos:

1) “Como relator, eu me pautarei pela isenção e imparcialidade que a função impõe. Independentemente de minhas valorações pessoais, a investigação será técnica, profunda, focada no objeto que justificou a CPI e despolitizada”.

2) “Estamos discutindo o direito à vida, não se alguém é da direita ou da esquerda. Minhas opiniões ou impressões serão subordinadas aos fatos. Serei relator das minhas convicções, mas serei igualmente o relator do que aqui for apurado e comprovado. Nada além e nada aquém. A CPI não é uma sigla de comissão parlamentar de inquisição, é de investigação. Nenhum expediente tenebroso das catacumbas do Santo Ofício será utilizado. A CPI, alojada em uma instituição secular e democrática, que é o Senado da República, tampouco será um cadafalso com sentenças prefixadas ou alvos selecionados. Não somos discípulos nem de Deltan Dallagnol, nem de Sergio Moro. Não arquitetaremos teses sem provas ou power points contra quem quer que seja. Não desenharemos o algo para depois disparar flecha. Não reeditaremos a República do Galeão”.

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3) “As gestões do Ministério da Saúde, evidentemente, podem ser investigadas a fundo. Ainda não é o caso, mas não é o Exército brasileiro que estará sob análise”.

4) “Na pandemia, o Ministério da Saúde foi entregue a um não-especialista. O resultado fala por si só: no pior dia da Covid, em apenas quatro horas, o número de brasileiros mortos foi igual a todos [os brasileiros] que tombaram nos campos de batalha da Segunda Guerra mundial, o que teria acontecido se tivéssemos enviado um infectologista para comandar nossas tropas”.

5) “Guerras se enfrentam com especialistas, sejam elas guerras bélicas ou guerras sanitárias. A diretriz é clara: militar nos quartéis e médicos na Saúde. Quando se inverte, a morte é certa. E foi isso que lamentavelmente parece ter acontecido. Temos que explicar como e por que isso ocorreu”.

6) “Estaremos aqui para averiguar fatos e desprezar farsas. Para tanto, usaremos das instâncias técnicas do Estado, da Polícia Federal, do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União, da consultoria do Senado e outros organismos que se fizerem necessários”.

7) “A comissão será um santuário da ciência, do conhecimento, e uma antítese diária e estridente ao obscurantismo negacionista e sepulcral responsável por uma desoladora necrópole que se expande diante da incúria e do escárnio desumano”.

8) “Entre a ciência e a crença, fico com a ciência. Entre a vida e a morte, a vida eternamente. Entre o conhecimento e o obscurantismo, óbvio, escolho o primeiro. Entre a luz e as trevas, a luminosidade. Entre a civilização e a barbárie, fico com a civilidade. E entre a verdade e a mentira, lógico que a verdade sempre. São escolhas simples que opõem o bem ao mal e creio que todos nessa comissão convergem com relação a esse sentimento. Nossa cruzada será contra a agenda da morte, contrapor o caos social, a fome, o descalabro institucional, o morticínio, a ruína econômica, o negacionismo. Não é uma predileção ideológica ou filosófica, é uma obrigação democrática, moral e humana. Os inimigos desta relatoria são a pandemia e aqueles que, por ação ou omissão, incompetência, desídia ou malversação, se aliaram ao vírus e colaboraram, de uma forma ou de outra, com esse morticínio”.

9) “A discussão aqui, embora muitos anseiem deliberadamente em rebaixá-la ou até mesmo embaçá-la, é muito mais abrangente. Essa não é apenas mais uma comissão parlamentar de inquérito. No contexto histórico, humanitário e social, ela é a principal comissão parlamentar de inquérito de todas as comissões que aqui se formaram, porque estaremos tratando de vidas, do futuro e da esperança. Estaremos proclamando, acima de tudo, valores civilizatórios, em detrimento de achismos medievais. Estaremos defendendo a vida, o conhecimento, a ciência, a civilização, as instituições, o SUS e a própria democracia”.

10) “Vamos dar um basta aos suplícios, à inépcia e aos infames. Não deixaremos de lembrar diariamente o tamanho da nossa tragédia. Os brasileiros estão morrendo em uma velocidade assustadora. Não temos tempo a perder com manobras regimentais, obstruções, diversionismo, politiquices e chicanas. Nossa missão é interromper esse cronômetro da morte”.

11) “Intimidações, e todos os dias nós as vemos, sobre qualquer modalidade e arreganhos não nos deterão. O maior mérito desta CPI é existir, estar instalada e funcionando. O Brasil precisa de muita luz, e isso não é mera metáfora. O papel da comissão é iluminar todos os compartimentos escuros do combate à pandemia. Só seu aspecto no horizonte já acelerou, nos últimos dias, uma série de providências administrativas que estavam congeladas em vários órgãos da República”.

12) “O Brasil infelizmente é um dos piores países no enfrentamento à pandemia. Esta comissão tem, doravante, papel de esquadrinhar como e apontar os responsáveis pelo quadro sepulcral. O parlamento não pode ser mero espectador, não pode abdicar de exercer suas prerrogativas fiscalizadoras, para colaborar com a solução ou o abrandamento do drama atual. Não podemos virar as costas para a nação, há uma ameaça real de virarmos um apartheid sanitário mundial”.

13) “Ninguém nos quer por perto. Brasileiros são discriminados no mundo e corremos o risco de boicote aos nossos produtos. Não é admissível que, diante desta tragédia, deixemos de apontar ao mundo e internamente os responsáveis. E eles existem e transitam entre nós, buscando uma invisibilidade ou terceirização impossíveis. Para identificá-los, vamos ouvir médicos especialistas, epidemiologistas, infectologistas, cientistas, laboratórios, agentes públicos, representantes de organizações de saúde, conselhos de medicina. Enfim, elaborar um cronograma de oitivas, diligências e acesso a documentos que permitam um diagnóstico técnico e realista desta realidade desoladora”.

14) “Há responsáveis, há culpados por ação, omissão, desídia ou incompetência. E eles, em se comprovando, serão responsabilizados. Essa será a resposta para nos conectarmos com o planeta. Os crimes contra a humanidade não prescrevem jamais e são transnacionais. Slobodan Milosevic e Augusto Pinochet são exemplos históricos. Façamos nossa parte”.

15) “Não conseguiremos enxugar as lágrimas que foram e ainda serão vertidas. Não teremos como consolar a todos, fechar a cicatriz eterna da perda do ente querido. Não recuperaremos vidas ceifadas. Podemos preservar vidas e temos a obrigação de fazer justiça, de apontar, com responsabilidade, equilíbrio e provas, os culpados por essa hecatombe. Quem fez e faz o certo não pode ser equiparado a quem errou. O erro não é atenuante, é a própria tradução da morte. O país tem o direito de saber quem contribuiu para as milhares de mortes e eles devem ser punidos imediatamente e emblematicamente”.

Plano de trabalho

O relator Renan Calheiros (MDB-AL) também apresentou eixos iniciais do planejamento para os trabalhos e abriu prazo de 24 horas para que os parlamentares pudesse fazer sugestões sobre linhas da investigação.

Eis as propostas previamente lidas:

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.