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Uma semana após o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciar a reoneração parcial dos combustíveis e introduzir um imposto sobre exportações de petróleo cru, a medida provisória (MPV 1.163/2023) já foi alvo de diversos sinais de resistência no Congresso Nacional e pode ser abandonada pelo próprio Palácio do Planalto ao longo de sua tramitação.
O dispositivo estipula o valor de R$ 83,8380 de cobrança da contribuição para o PIS/Pasep e de R$ 386,160 para a Cofins por metro cúbico de gasolina. Já para operações realizadas com álcool, os respectivos tributos ficam em R$ 3,60 e R$ 16,40 por metro cúbico. A medida provisória, por outro lado, manteve zeradas as alíquotas dos dois impostos para querosene de aviação e gás natural veicular até 30 de junho. Também foi mantida isenta por mesmo período a Cide sobre a gasolina.
Pelos cálculos da equipe econômica, as mudanças representam cobrança de R$ 0,47 dos tributos federais para o litro da gasolina e de R$ 0,02 para o litro do etanol. Os valores, no entanto, não recuperam o nível de arrecadação original, restando R$ 0,69 e R$ 0,24 por litro, respectivamente. Mas restabelecem parte das receitas da União e, ainda, um diferencial entre os dois produtos, conferindo desvantagem competitiva ao combustível fóssil.
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Para compensar a frustração de receitas estimada em R$ 6,6 bilhões, o governo decidiu estabelecer uma alíquota de 9,2% sobre exportações de petróleo cru.
Como se trata de tributo regulatório, não é necessário cumprimento do princípio da anterioridade (seja por noventena ou anualidade). Mas tributaristas veem riscos jurídicos com a manobra, já que há claros sinais de uso do imposto para fins arrecadatórios, de modo a compensar uma desoneração parcial dos combustíveis, o que em tese violaria a essência do dispositivo e provocaria insegurança jurídica.
A medida, de todo modo, foi entendida como uma vitória do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em disputa com a ala política do governo, já que garantiu a recomposição esperada na arrecadação. Na prática, ela permitiu um gradualismo na recomposição dos tributos sobre os preços dos combustíveis em uma janela de quatro meses. Mas, caso a MPV não seja analisada em tempo hábil ou acabe derrubada pelo parlamento, o governo não sofrerá novas perdas financeiras, apenas a volta dos valores cheios.
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“A decisão do governo de reonerar os combustíveis representou a primeira vitória do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que está se firmando como a voz da moderação e do pragmatismo neste início da gestão Lula III”, observam os analistas da consultoria Arko Advice.
“A vitória de Haddad simboliza um marco. Com o ministro ganhando a confiança dos agentes econômicos, ele adquire fôlego para enfrentar as pautas que atualmente desafiam o governo na área econômica”, pontuam.
Mas a saída encontrada também não deixou de ser um aceno de Lula aos aliados políticos, já que evitou um repasse maior sobre os preços, sobretudo da gasolina − o que em tese minimiza o impacto potencial sobre a avaliação do governo junto à opinião pública.
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A despeito da costura complexa e do fato de o tributo ser alegado temporário (com duração de quatro meses), a iniciativa, já em vigor desde a publicação da MPV, gerou críticas no setor produtivo e no Congresso Nacional. Representantes do setor dizem que foram pegos de surpresa com a medida e já vislumbram a possibilidade de judicialização, enquanto parlamentares pressionam por mudanças.
Em nota, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), principal representante do setor no país, disse ver com preocupação a instituição do tributo de exportação sobre o petróleo cru. A instituição lembra que o setor representa cerca de 15% do PIB industrial e tem uma estimativa de geração de mais de 445 mil postos de trabalho diretos ou indiretos ao ano na próxima década, além de cerca de US$ 180 bilhões em investimentos nesse mesmo período. Do lado da balança comercial, foi responsável por um superávit de US$65 bilhões nos últimos quatro anos.
“Desse modo, a tributação das vendas externas, mesmo de forma temporária, pode impactar a competitividade do país a médio e longo prazos, além de afetar a credibilidade nacional no que tange a estabilidade das regras. A criação desse novo imposto também afeta as perspectivas de aumento da produção de petróleo, uma vez que o produto será onerado e sofrerá uma maior concorrência de países que não tributam a commodity”, disse o IBP.
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“O período definido para cobrança do novo imposto, por si só, não retira os efeitos de percepção negativa que podem perdurar por longo período, podendo ocasionar atraso ou mesmo cancelamento nas decisões de investimentos em exploração e produção, com potencial efeito negativo na arrecadação de tributos federais e estaduais e na geração de empregos”, concluiu.
Outros setores temem a abertura de precedente perigoso com o uso de tributação regulatória para fins arrecadatórios por parte do novo governo. Representantes de segmentos que se destacam como grandes exportadores na economia brasileira, como o agronegócio, já acenderam sinal de alerta com a medida.
“O que o governo pretende é desvirtuar a essência do Imposto de Exportação, estabelecendo uma finalidade arrecadatória e possivelmente com destinação de recursos vinculada. Em sendo isso, a natureza jurídica mais correta é de Cide, e não IE. A Cide não pode ser instituída sobre receitas de exportação de acordo com a Constituição Federal, tornando a cobrança ainda mais controversa”, observa o advogado Diogo Martins Teixeira, sócio da área Tributária do Machado Meyer Advogados.
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“A justificativa do governo para instituição do imposto sobre exportação parece ser exclusivamente fiscal, de modo que haveria a utilização de um expediente predominantemente extrafiscal para fins exclusivamente fiscais, o que é algo estranho, para dizer o mínimo”, concorda Carlos Eduardo Navarro, sócio de Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, professor da pós-graduação em Direito Tributário da Escola de Direito da FGV-SP.
Apesar de ter pego boa parte do mercado de surpresa, a ideia de taxar exportações de petróleo cru não é nova. A medida foi defendida, inclusive, pelo atual presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, quando líder da minoria no Senado Federal. No debate sobre a alta dos combustíveis em 2021, ele chegou a defender o uso do mecanismo para viabilizar a criação de um Fundo de Estabilização de Preços de Combustíveis, de modo a reduzir a flutuação dos preços. A ideia, que também tinha como objetivo ampliar a capacidade de refino no país, não prosperou.
A Medida Provisória 1.163/2023 já enfrenta resistência no Congresso Nacional. Cinco dias após sua publicação no Diário Oficial da União (DOU), a matéria teve 89 emendas protocoladas por parlamentares, com pedidos de modificação ao texto original. Deste total, pelo menos 24 pedem a supressão do artigo 7º, justamente o trecho que institui o imposto sobre exportação de petróleo cru.
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Diz o trecho:
“Art. 7º Fica estabelecida, até 30 de junho de 2023, em nove inteiros e dois décimos por cento a alíquota do imposto de exportação incidente sobre as exportações de óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos, classificados no código 2709 da NCM”.
Ao todo, são 18 parlamentares que apresentaram formalmente pedido para a retirada do trecho da matéria. O campeão de emendas é o União Brasil, com 11. Apesar de o movimento contrário à medida editada pelo governo, a legenda conta com três indicações na Esplanada dos Ministérios da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na sequência, vem o PL, partido de Jair Bolsonaro, que integra a oposição ao atual governo, com 8 emendas. O Podemos tem 2 pedidos de retirada do imposto, ao passo que PSD, Novo e Republicanos têm 1 emenda cada.
Durante a entrevista coletiva em que anunciou as ações referentes aos combustíveis, o ministro Fernando Haddad sinalizou ter o apoio dos parlamentares à medida provisória. Ele disse que os deputados e senadores que participaram de conversas com a pasta queriam uma medida “até mais drástica” em relação à reoneração da gasolina e do etanol.
Quanto ao imposto sobre a exportação de petróleo cru, o ministro trata a medida como uma “solução de transição”, que faz frente aos “lucros exorbitantes” de empresas do setor. Mas ressalta que a decisão final sobre o caminho a ser seguido − a reoneração parcial combinada com o tributo às petroleiras ou a incorporação integral dos tributos federais nos preços dos combustíveis − caberá ao Congresso Nacional.
Medidas Provisórias são editadas pelo presidente da República e normalmente entram em vigor a partir da publicação no Diário Oficial da União. Mas, para se tornar lei definitiva, o texto precisa ser aprovado pelas duas casas legislativas em até 120 dias. Se isso não ocorrer, a MPV perde a validade (“caduca”, no jargão político).
Nos bastidores, ganha força a ideia de que o Palácio do Planalto pode não se empenhar para aprovar o dispositivo. Do lado da Fazenda, a avaliação é de que a caducidade da matéria não seria um problema para as contas públicas, já que, se nada fosse feito, haveria recomposição automática dos tributos federais − ideia preferida de Haddad na disputa contra a ala política, mas que precisou ser modulada.
Mas mesmo uma falta de empenho do Executivo teria riscos. Isso porque, dependendo do nível de descontentamento dos parlamentares, o Congresso pode decidir votá-la. O risco para o governo é de, ao ter a MPV analisada, perder o imposto de exportação e não ter a recomposição do PIS/Cofins para os valores anteriores, o que resultaria em perda de arrecadação.
Apesar disso, contam a favor do governo neste caso os prazos curtos e o elevado volume de medidas provisórias acumuladas nas gavetas do parlamento e que precisarão de análise.
O texto é visto pela oposição como uma munição contra o governo Lula e um teste para a base aliada ao Planalto. Na semana passada, Carlos Portinho (PL-RJ), líder do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro no Senado, defendeu a votação célere da MP. “O melhor é que fosse pautada rápido para derrubar essa excrescência intervencionista”, disse à Reuters.
Portinho ponderou que a data de votação da medida provisória passa pelo crivo dos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
De qualquer forma, ainda que a MPV venha a perder validade no Congresso Nacional, analistas ainda veem incertezas quanto ao futuro dos preços dos combustíveis e da aplicação dos valores originais dos tributos federais.
“Ainda que a intenção no governo seja manter essas regras apenas por quatro meses, acreditamos que esse prazo de duração dependerá do cenário naquele momento. O discurso é de que, até o final de junho, a Petrobras terá feito adequações internas que lhe permitam mitigar oscilações nos preços, já que o novo conselho e nova diretoria terão assumido os postos a partir de abril”, dizem os analistas da XP Política.
“No entanto, incertezas sobre os preços internacionais e a possibilidade de aumento das alíquotas de ICMS sobre gasolina nos estados a partir de decisão do Confaz podem adicionar pressão política para que o governo decida estender a desoneração parcial da gasolina, e, para tanto, prorrogue o imposto de exportação como forma de manter a previsão de arrecadação. Ainda que esse não seja nosso cenário principal, trata-se de um risco existente, que será medido ao final do período de duração da MPV”, concluem.
(com Reuters)
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