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Um processo intenso de reorganização administrativa, desafios de articulação política no Congresso Nacional e, em alguns casos, falta de clareza sobre uma agenda propositiva têm marcado os primeiros seis meses do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A avaliação é do experiente político Alexandre Baldy, que concedeu entrevista exclusiva ao InfoMoney.
Com passagem pela Câmara dos Deputados, pelo Ministério das Cidades do governo de Michel Temer (MDB), e pelas secretarias de Indústria, Comércio e Serviços de Goiás na gestão de Marconi Perillo e de Transportes Metropolitanos do governo João Doria, em São Paulo, Baldy vê Lula diante de um Congresso empoderado e com desafios para fazer avançarem agendas prometidas na campanha eleitoral.
“Faz muita falta a definição clara de uma agenda propositiva sobre o que de fato é necessário ser articulado politicamente. E aí, [o governo] fica sempre correndo atrás do incêndio do momento. Isso dificulta, além do trabalho, a realidade do dia a dia, já que toda semana há um incêndio a ser apagado. Perde-se tempo, fôlego e gordura política”, observa.
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Ele cita como exemplo as ações do governo no campo do saneamento básico, com a edição de dois decretos alterando de forma substancial o marco legal aprovado pelo Congresso Nacional na legislatura anterior. O dispositivo sofreu duras críticas de parlamentares, que viram suas prerrogativas invadidas sem possibilidade de discussão prévia. A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de decreto legislativo suspendendo parte dos efeitos do dispositivo, e ainda resta análise do Senado Federal.
Na avaliação de Baldy, que foi um dos principais atores envolvidos na construção de medida provisória destinada à abertura do setor à iniciativa privada durante o governo Temer, para além da abordagem conceitual distinta da atual administração sobre o assunto, há uma falta de articulação das vontades indicadas no projeto de governo para que elas sejam respeitadas na arena política.
Como consequência, ele observa um risco de ampliação do nível de insegurança jurídica − que pode ser agravado por episódios como a disputa jurídica entre o atual governo e a Eletrobras, em meio a uma busca da atual administração em garantir proporcionalidade entre sua participação na companhia e peso nas votações do conselho.
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“Quando você observa uma vitória de Lula [nas eleições], é preciso ter a correta noção de que o programa de governo do candidato que se tornou presidente é esse (maior participação do governo nas decisões de voto da companhia). Não tenha dúvida de que a agenda do governo vai levar à agenda do candidato”, afirma.
“E quais são as consequências? Sem dúvida, insegurança jurídica. Mas a agenda do governo é muito importante para que não seja generalizada a insegurança jurídica dos temas que o governo deseja discutir conceitualmente”, sustenta. Tal postura, diz, seria fundamental para a manutenção da atratividade de determinados setores econômicos não necessariamente alvos da atual gestão.
Após mais de uma década no setor público, Baldy retornou à iniciativa privada depois de disputar uma vaga ao Senado Federal nas últimas eleições. Atualmente ele é acionista e conselheiro de Involv Rótulos, Allbox Embalagens e Alexandre Baldy Empreendimentos. Advogado de formação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), assumiu a posição de conselheiro especial da BYD, montadora de automóveis, carros elétricos, ônibus, bicicletas elétricas, caminhões, empilhadeiras, painéis solares e baterias recarregáveis.
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Baldy também tem participado das negociações para reabrir a antiga planta da Ford em Camaçari (região metropolitana de Salvador-BA), desativada no início de 2021, em meio ao encerramento das atividades produtivas da montadora no Brasil, em um projeto com potencial estimado de geração de R$ 3 bilhões em investimentos e 1,2 mil empregos diretos.
Veja os principais trechos, por assunto abordado, da entrevista concedida de forma remota:
Lula III
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O governo passou e passa por um período de reorganização administrativa. Ele entrou desconhecendo qual era a realidade. Foi uma transição muito dura, talvez uma das mais duras − muito mais do que aquela de Fernando Henrique para Lula.
Faz muita falta a definição clara de uma agenda propositiva sobre o que de fato é necessário ser articulado politicamente. E aí, [o governo] fica sempre correndo atrás do incêndio do momento. Isso dificulta, além do trabalho, a realidade do dia a dia, já que toda semana há um incêndio a ser apagado. Perde-se tempo, fôlego e gordura política.
Essa rearrumação administrativa que o governo vem promovendo nos últimos seis meses dificulta a implementação de políticas públicas imediatas. Soma-se a isso o Congresso, vindo de dois governos extremamente empoderado. E, na falta da política pública que desencadeia na política em si, o parlamentar se torna menos dependente do governo para fazer ações nas suas bases eleitorais.
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Marco do saneamento
É matemática. Avalie quanto de orçamento público somado ao que vem de FGTS se disponibiliza para o saneamento ambiental no Brasil. Não terá R$ 15 bilhões por ano. Hoje falamos em mais de R$ 1 trilhão necessário para resolver o problema, entre fornecimento e abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto. Precisaríamos de mais 80 anos de orçamento e de financiamento. Qual é a solução? Se não tem no público, tem que ter no privado. É o pragmatismo da visão do agente público: se você tem um cobertor curto para um assunto no setor público, você tem que usá-lo onde o lado privado não chega.
Além disso, o saneamento básico era gerido por sete órgãos distintos no âmbito federal. Como ter uma política nacional assim? Claramente não há planejamento ao longo do tempo. Seria necessário concentrar em um só.
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Decretos do saneamento
[A aprovação de projeto de decreto legislativo, pela Câmara dos Deputados suspendendo a aplicação de dispositivos de decreto editado por Lula na área do saneamento] é uma demonstração da desarticulação política frente ao desejo administrativo do governo.
Fui subscritor por duas vezes da medida provisória que enviou o marco do saneamento ao Congresso. Ele tem um viés conceitual. Se você deseja mudá-lo, como foi feito através dos decretos do governo federal, é preciso dialogar politicamente para poder enfrentar uma decisão que veio do Congresso. Isso claramente não foi feito e, consequentemente, veio a derrota com o PDL aprovado pela Câmara dos Deputados.
[O episódio] também demonstra a distinta relação entre as duas casas do Congresso. Não podemos generalizar: a relação da Câmara com o governo é bem diferente da relação do Senado com o governo, haja vista que este não aprovou ainda o projeto de decreto legislativo sustando parte do decreto que muda sensivelmente o marco regulatório do saneamento no Brasil.
Quando fui enviar a MPV do marco regulatório do saneamento básico para o Congresso, o presidente [Michel] Temer me disse: “vá lá, busque autorização prévia do presidente da Câmara e do presidente do Senado, para que a gente envie essa medida provisória”. Eu tive a anuência dos presidentes das duas casas naquele momento (o deputado Rodrigo Maia e o senador Eunício Oliveira) para que não tivéssemos de imediato uma tensão nessa relação por um assunto que é conceitual.
Existe projeto de governo que é a favor do marco, trazendo o privado, porque sabe que o governo não tem condição de investimento pelo setor público para resolver o problema de saneamento básico. E há quem ache que o Estado tem capacidade para investir. Essa é uma questão de conceito. Mas podemos entrar no mérito da consequência da falta de articulação da vontade conceitual de um projeto de governo para que desencadeie a articulação política necessária para ela ser respeitada.
[Os decretos de Lula] impactam totalmente [o novo marco do saneamento]. Ao retroagir a legislação a ponto de fortalecer os contratos de programa das companhias estatais, você torna o ambiente inseguro como ele era anteriormente e freia investimentos privados, que são muito vultosos, no mercado e no setor de saneamento.
Posição de voto do governo na Eletrobras
Quando você observa uma vitória de Lula [nas eleições], é preciso ter a correta noção de que o programa de governo do candidato que se tornou presidente é esse (maior participação do governo nas decisões de voto da companhia). Não tenha dúvida de que a agenda do governo vai levar à agenda do candidato.
E quais são as consequências? Sem dúvida, insegurança jurídica. Mas a agenda do governo é muito importante para que não seja generalizada a insegurança jurídica dos temas que o governo deseja discutir conceitualmente.
O ministro da Fazenda [Fernando Haddad] vem fazendo um bom e importante papel de tentar desenvolver essa agenda para ser claro sobre a aplicação da decisão conceitual do governo, como no caso da Eletrobras, para que aqueles pontos sejam tornados motivos de discussão − e, claro, de insegurança jurídica −, mas os demais não.
Políticas de habitação
O desafio do setor habitacional é gigantesco, especialmente porque passamos quatro anos com um governo que não tratou de frente o problema. Ele funcionou naquilo que era o ambiente comercial. Para a faixa de renda populacional que tem condições de fazer aquisição da habitação, continuou-se dando oportunidade. A faixa de renda que não tem, que se vire. Não havia qualquer tipo de visão por parte do governo federal, que detém mais de 65% da arrecadação de impostos no Brasil, num assunto que é constitucionalmente um direito do cidadão. Isso realmente desestruturou o setor e aumentou o déficit habitacional, sobretudo em um momento em que a inflação derivada dos atos que foram importantes e necessários na pandemia (não só no Brasil como no mundo) encareceram o custo de vida e o custo de aluguel.
Um dos indicadores que mais prejudicam a população de faixas de renda menores é o aluguel excessivo – o comprometimento com mais de 30%/35% da renda familiar com o pagamento de aluguel. E a política pública habitacional deixou de ser motivo de proteção social da forma e do tamanho que era necessário. E o diálogo também. Quando você deixa de praticar essa política habitacional como foi deixada nos últimos 4 anos, você deixa de ter essa organização e planejamento. E quando volta, a demanda represada exige uma velocidade.
Agora o Ministério das Cidades, de forma competente com o ministro, vem tentando implementar uma política habitacional que olhe para as faixas de renda mais baixas, que foram esquecidas. Estamos apagando incêndio para que volte a política habitacional. Depois, o diálogo com estados e municípios vem sendo buscado para que volte de maneira mais planejada de complementação de orçamentos para que se possa diminuir o déficit habitacional.
Nos últimos dez anos, investiu-se bilhões e bilhões, construíram-se mais de 4 milhões de unidades habitacionais com o programa Minha Casa, Minha Vida, e o déficit habitacional da família brasileira continuou em elevados patamares, não diminuiu. Realmente há coisa errada nesse planejamento.
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