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O projeto de lei complementar que trata do novo arcabouço fiscal (PLP 93/2023), aprovado há dez dias pela Câmara dos Deputados, substitui uma regra que perdeu eficácia e credibilidade no tempo, mas contraria o que recomendam as boas práticas internacionais por ser “extremamente complexo”.
A avaliação é da economista Vilma da Conceição Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), que tem acompanhado com atenção as sinalizações do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em busca do equilíbrio das contas públicas.
Em entrevista ao InfoMoney, a especialista destaca a simplicidade de uma regra fiscal como um dos pilares recomendados por instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a União Europeia e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esta, inclusive, foi uma das bandeiras levantadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), antes da apresentação do marco fiscal à sociedade.
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Para Vilma, quanto mais fácil a compreensão da regra, maior a transparência e a possibilidade de monitoramento por agentes externos – e, portanto, maiores os incentivos para seu cumprimento ao longo do tempo. No caso do novo marco fiscal, a especialista levanta dúvidas sobre as condições de a regra atingir os objetivos desejados pelo governo. “É recomendável que haja uma regra fiscal flexível, mas sem prejudicar demais a questão da simplicidade”, afirma.
“Este arcabouço fiscal é extremamente complexo, então não há muita clareza sobre o enforcement (ou seja, a possibilidade de real cumprimento ao longo do tempo) da regra. Não há muita clareza sobre a capacidade de essa nova regra de fato atingir os objetivos a que se propõe em termos de eficácia”, diz.
“É uma regra que olha para a sustentabilidade da dívida na hora de definir as metas de resultado primário. Ela tem um pouco mais de flexibilidade em relação ao teto de gastos. Só que peca muito por ser extremamente complexa. De fato, existe um trade-off entre essas duas questões, mas pesa muito o fato de a regra ser muito complexa”, prossegue.
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O novo marco fiscal está amparado em duas regras gerais: 1) meta anual de resultado primário; e 2) limite para despesas condicionado ao comportamento das receitas. O atual governo definiu como compromisso um déficit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, equilíbrio no ano seguinte e superávit de 0,5% e 1% em 2025 e 2026, respectivamente. Pelo texto, há um intervalo de tolerância de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo.
O marco fiscal limita o crescimento anual dos gastos públicos a uma faixa de 0,6% a 2,5% acima da inflação. Pela proposta, as despesas crescerão a uma razão de 70% da evolução real das receitas no exercício anterior, desde que respeitando os limites mínimo e máximo da banda estabelecida.
Caso haja descumprimento do limite inferior da meta de resultado primário no exercício anterior, as despesas só poderão crescer a uma proporção de 50% das receitas no ano seguinte, respeitando o piso de 0,6% e o teto de 2,5%, descontada a inflação aferida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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Além disso, “gatilhos” para conter a evolução de gastos precisarão ser acionados – item incluído pelos deputados para garantir um enforcement ao projeto. Há exceções à regra e despesas preservadas de eventuais medidas de ajuste, como aquelas relacionados à política de valorização do salário mínimo.
Durante a discussão da matéria, os deputados também decidiram incluir os parâmetros de limite de despesas e banda de tolerância para resultado primário no próprio projeto de lei complementar. A ideia inicial do governo era deixar os números flexíveis para a definição por parte do gestor público no primeiro ano de mandato. A mudança agora torna a regra mais rígida e seus possíveis resultados mais previsíveis – em contrapartida, traz riscos para sua sobrevivência no longo prazo.
“Os parâmetros definidos a princípio foram pensados para durar quatro anos, considerando a base proposta pelo Poder Executivo. E quando olhamos também para o teto de gastos, ele já previa alteração dos parâmetros de correção [das despesas] depois de algum tempo – no caso, 10 anos”, pondera a economista.
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“Quando o parâmetro se torna perene, sem perspectiva de alteração futura, de fato há risco de gerar futuramente uma alteração nos parâmetros via mudança da regra. Se essa mudança se tornar muito recorrente, isso pode criar um prejuízo para a questão da credibilidade da regra. Principalmente se as alterações forem para afrouxar mais a regra, como vimos no teto de gastos. Tivemos várias mudanças, na maioria delas para criar excepcionalidades à regra, e isso fez com que ela perdesse eficácia e credibilidade”, lembra.
Em outro flanco, a especialista destaca a redução da lista de exceções à regra de limite de despesas como um fator positivo durante a tramitação do texto na Câmara dos Deputados. Ela pontua que foi justamente a ampliação de excepcionalidades ao teto de gastos − da cessão onerosa à PEC dos Precatórios e os programas concedidos na PEC dos Auxílios − que fragilizou a regra nos últimos anos.
Cenários para as contas públicas
Na avaliação da IFI, a estabilização da dívida pública em proporção do Produto Interno Bruto (PIB) no horizonte de dez anos indicado pelo projeto de lei complementar depende fundamentalmente das metas de resultado primário definidas pelo governo ao longo dos próximos exercícios. Cujo cumprimento, pelo desenho apresentado, depende necessariamente de incremento de receitas.
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“A regra só para a meta de despesa não gera convergência para a sustentabilidade da dívida”, pontua Vilma. Isso decorre principalmente do fato de o ponto de partida ser um déficit de R$ 231,5 bilhões previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2023.
Ou seja, começando deste patamar, levaria muito tempo para equilibrar o jogo apenas com a regra do limite de despesas. “Se o ponto de partida fosse outro, talvez a meta de primário não fosse tão determinante para a sustentabilidade da dívida”, avalia a especialista.
Para que o governo consiga alcançar o limite inferior da meta de resultado primário em 2024 (o que equivaleria a um déficit de 0,25% do PIB), a IFI estima que seja necessário um ganho de arrecadação de R$ 86 bilhões para além do que já foi anunciado até o momento.
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Dos pacotes de medidas divulgados pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), a instituição considera um incremento de R$ 63,4 bilhões neste ano e R$ 90,8 bilhões no seguinte. A equipe econômica estima impacto de R$ 135,2 bilhões e R$ 251,8 bilhões, respectivamente.
Em 2023, as maiores dúvidas dos especialistas recaem sobre expectativas de receitas oriundas de decisões judiciais favoráveis à União no que diz respeito a cobranças de tributos federais (PIS/Cofins) em operações relativas a benefícios fiscais do ICMS e de tributos incidentes (IRPJ e CSLL) em operações com aproveitamento de créditos do imposto cobrado pelos estados.
Nas contas do governo, as duas medidas somariam R$ 78,9 bilhões só neste ano e R$ 105 bilhões. A IFI considera apenas R$ 7,1 bilhões e R$ 12,5 bilhões nos períodos mencionados e, na mais recente edição do seu Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), chamou atenção para o fato de o impacto ser “bastante incerto e de difícil previsão” e destacou o risco de as disputas judiciais em curso se estenderem por longos períodos.
“Pelas projeções do governo, o que já foi anunciado para 2024 daria algo como R$ 250 bilhões de receita − olhando para preços de transferência, cobrança de IRPJ e CSLL sobre benefícios fiscais no âmbito do ICMS etc. No nosso cenário, consideramos R$ 110 bilhões de incremento. Então, para além desses R$ 110 bilhões já anunciados − e há uma incerteza nesses números −, seria necessário ainda um incremento de cerca de 0,8 p.p. para que tenhamos o cumprimento da meta [de resultado primário] fixada para o ano que vem”, explica Vilma.
Em seu cenário base, a IFI projeta um déficit primário do governo central de R$ 104,7 bilhões (ou 1% do PIB) em 2023. Em relação ao ano anterior, a instituição estima uma piora de 1,5 p.p. do PIB em função de aumentos na previsão de despesas − resultado sobretudo do waiver liberado pela Emenda Constitucional da Transição − e uma redução na previsão das receitas não administradas pela Receita Federal, diante de uma expectativa de redução das receitas associadas ao setor de commodities a partir deste ano, assim como uma menor expectativa para as receitas de dividendos e participações.
No cenário otimista da instituição, o déficit primário deste ano ficaria em 0,6% e, em um período de dez anos, seria revertido em superávit de 2,2% do PIB − o que ajudaria na redução da dívida bruta do governo geral (DBGG). Enquanto no pessimista, o resultado primário não chega a ficar positivo, com o déficit voltando a crescer no início da próxima década.
A expectativa da IFI, no cenário base, é de uma elevação na relação dívida/PIB durante todo o terceiro mandato de Lula. Com isso, a DBGG poderia atingir a marca de 93,3% em 2032. A relação poderia chegar a 123,7% no quadro pessimista, mas 67,1% no otimista no mesmo período.
Vilma avalia que a dinâmica da atividade econômica ao longo dos próximos anos terá impacto relevante sobre o comportamento da dívida pública, seja pelo aumento do denominador, seja pelo potencial ganho de arrecadação.
“No médio prazo, supondo que o PIB real vai crescer 2% e os juros reais vão ser da ordem de 3,4% em termos reais, o resultado primário necessário para manter essa dívida estável seria de 1,5% do PIB. Se temos um cenário com juros reais menores, a necessidade de resultados primário diminui. Ou se temos um cenário de PIB maior, a necessidade de primário também diminui”, explica.
“Se tivéssemos um cenário de 2,5% de PIB em termos reais no médio prazo, e juros reais da ordem de 3,5% do PIB, o primário necessário para manter a dívida pública bruta estável seria somente de 0,8%, e não de 1,5%. Esse cenário vai depender muito das nossas premissas de médio prazo”, pontua.
Neste aspecto, reformas econômicas que elevem o potencial de crescimento do país poderão impactar de forma relevante a dinâmica da dívida pública. Seria o caso da reforma tributária que trata dos impostos sobre o consumo, assunto em discussão no Congresso Nacional.
“Em que pese o governo anunciar que não espera aumentar a carga tributária, o ganho de eficiência que pode vir da reforma pode provocar uma melhora da produtividade, e esse ganho de crescimento econômico pode auxiliar também via redução de necessidade de primário para cumprir a estabilização da relação dívida/PIB”, afirma.
“O ajuste pode vir a partir de uma mudança na nossa capacidade produtiva. Se conseguirmos melhorar a produtividade da economia e, com isso, ter um crescimento real maior, isso também pode contribuir para essa estabilização da relação dívida/PIB. Também pode ajudar na questão do equilíbrio fiscal e para o cumprimento do novo arcabouço, ao mesmo tempo que, se conseguirmos um cenário de juros reais menores, também seria possível uma necessidade menor de realização de resultado primário”, observa.
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