Appy, Galípolo e Mercadante: o que indicam os primeiros nomes da equipe econômica de Lula e Haddad

Nome de Appy tem repercussão positiva no mercado e é visto como aceno à reforma tributária; mas Mercadante no BNDES reacende preocupações do passado

Marcos Mortari Anderson Figo

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Os primeiros nomes anunciados pelo governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para a equipe econômica geraram reações distintas de analistas políticos e agentes econômicos consultados pelo InfoMoney.

Na última terça-feira (13), Lula confirmou o ex-ministro Aloizio Mercadante (PT) como o futuro presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de seu governo. Mercadante foi coordenador do programa de governo do petista nas últimas eleições.

O anúncio foi sucedido por uma decisão da Câmara dos Deputados para modificar a Lei das Estatais, reduzindo o tempo de quarentena de pessoas indicadas à presidência, à direção de empresas públicas, ao conselho diretor ou à diretoria colegiada de agências reguladoras que tenham ocupado estrutura decisória de partido ou participado de campanhas eleitorais de 36 meses para 30 dias.

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A mudança, ainda com análise pendente do Senado Federal, retiraria obstáculos à nomeação de Mercadante ao banco público e poderia facilitar possíveis indicações políticas em cargos de empresas públicas no novo governo. Há intensa pressão de parlamentares para que Lula inicie a nomeação de representantes de partidos aliados em cargos de relevância em seu governo.

Ainda ontem, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), anunciou o economista Gabriel Galípolo, ex-presidente do Banco Fator, como secretário-executivo da pasta (na prática, seu número dois). Também foi confirmado o nome do economista Bernard Appy, atual diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), para a posição de secretário especial para a reforma tributária.

Especialistas avaliaram de forma distinta cada um dos nomes apresentados pelo novo governo. De um lado, a escolha de Appy foi vista como favorável por agentes econômicos e uma confirmação da futura gestão de que a reforma tributária será agenda prioritária e que os trabalhos recentes desenvolvidos pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal poderão ser aproveitados na próxima legislatura.

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Appy tem longa experiência no setor público. Foi Secretário Executivo e de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2009), durante boa parte do governo Lula. Desde 2015, atua como diretor do CCiF e passou a ser conhecido como um dos maiores especialistas em reforma tributária no país.

[A nomeação de Appy] aponta claramente que uma reforma tributária baseada no Imposto sobre Valor Agregado (IVA) será prioridade no primeiro semestre do governo. [O governo eleito] Coloca o nome de maior peso no debate para tentar destravar a pauta”, avalia Adriano Laureno, gerente de análise política e econômica da Prospectiva Consultoria.

Na outra ponta, a escolha de Mercadante trouxe preocupação no mercado financeiro. Logo após o anúncio, a reação de elevação das taxas de juros de longo prazo e perda de fôlego do Ibovespa reforçou a avaliação de aversão a riscos.

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“O nome de Mercadante provoca grande desconforto no mercado, pela ligação umbilical com a gestão [da ex-presidente] Dilma Rousseff (PT), um governo com histórico de grave crise política e recessão econômica”, observaram os analistas da Levante Corp em relatório diário distribuído a clientes.

“O BNDES, à época, foi apontado como um dos agravantes da crise, ao fazer uso de taxas subsidiadas (TJLP) que diminuíram os efeitos da política do Banco Central. Se repetida, a política poderia ter efeitos sobre a taxa neutra de juros − um dos riscos fiscais apontados pelo Copom (Comitê de Política Monetária) na ata da última reunião”, explicam.

Por outro lado, Laureno destaca o fato de a escolha de Mercadante para o BNDES afastá-lo do núcleo de tomada de decisões no novo governo. “Em vez de estar em posição central de articulação, como a Casa Civil, ou institucional, como a Defesa, ou de definição das diretrizes da política Econômica, como o Planejamento, ele foi escanteado. No Rio de Janeiro, longe de Brasília”, pontua.

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Já Galípolo, escolhido por Haddad como seu “número dois”, é visto como figura com boa interlocução com atores do mercado financeiro, com experiência em projetos de infraestrutura e defensor das Parcerias Público-Privadas (PPPs), instrumento que deve ser mais utilizado no novo governo.

“Galípolo é um nome esperado para compor a equipe, mas não para ser o número dois”, pondera o analista José Faria Júnior, sócio da Wagner Investimentos.

Apesar da capacidade de interlocução com a Faria Lima, Galípolo é visto como um heterodoxo por investidores e nome próximo ao economista Luiz Gonzaga Belluzzo, com quem já escreveu três livros e diversos artigos na imprensa.

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“Galípolo não tem suas ideias enraizadas na ortodoxia econômica, apesar de sempre se mostrar aberto aos debates entre diferentes correntes teóricas”, observam os analistas da Levante.

“Galípolo está longe de ser um fiscalista ou o que o mercado sonhou, mas também está longe de ser o pesadelo do mercado financeiro. Ele tem um histórico que mostra que não é um desenvolvimentista”, avalia o cientista político Vítor Oliveira, da consultoria Pulso Público.

Desde que seu nome foi anunciado, circula em grupos de WhatsApp do mercado financeiro trecho de palestra virtual realizada durante os primeiros meses da pandemia de Covid-19 em que o economista sustentou que, em um cenário de derrocada da economia provada pela crise sanitária, as políticas de estímulos adotadas pelos governos mundiais não provocariam inflação.

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“Para os membros do mercado financeiro que julgavam que o novo governo seria pragmático e muito semelhante ao primeiro mandato de 2002, as decepções se acumulam, e toda torcida se converte na realidade de que tudo está se voltando às características do mandato de Dilma”, escreveu Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, com fortes críticas especificamente a Galípolo.

Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, disse que, “por mais que ele saia de um banco − ou seja, seria uma interlocução boa com o mercado − ele paga muito mais pelo que escreve e diz em entrevistas do realmente por seu ‘background'”.

Ainda assim, André Perfeito, economista-chefe da Necton, ponderou em comentário que mesmo que Galípolo não seja ortodoxo o suficiente para alguns no mercado, é alguém que entende o debate sob a ótica da Faria Lima. “Sua capacidade de circular ‘entre mundos’ é um ativo importante”, escreveu.

Já os analistas do banco Citi, em relatório publicado nesta quarta-feira, afirmam que o desenho da equipe econômica do governo até agora envia “sinais mistos sobre a sustentabilidade fiscal”.

“No geral, enquanto a confirmação de Bernard Appy é um bom presságio para a perspectiva de que o governo Lula deva priorizar a aprovação de uma reforma tributária que visa aumentar a eficiência do sistema, a nomeação de Mercadante para o BNDES levanta preocupações de que a política de empréstimos subsidiados implementada no passado poderia recomeçar”, disseram.

Há, no entanto, visões mais otimistas. “A conclusão de que a nova equipe econômica será mais equilibrada se mostra como uma alternativa plenamente aceitável”, opinou Matheus Pizzani, economista da CM Capital. Ele sustenta que Haddad e Mercadante são quadros antigos do PT e que suas indicações não devem ser encaradas apenas como escolhas ideológicas.

“A afirmação de que o novo governo terá um viés desenvolvimentista ou ortodoxo, contudo, dependerá significativamente das declarações que serão feitas por estes agentes daqui para a frente… Assim como os demais nomes que forem anunciados”, completou.

Sinalizações

Na avaliação do cientista político Carlos Melo, professor do Insper, os primeiros anúncios da equipe econômica acendem uma espécie de “efeito rebote” da experiência econômica do governo Dilma.

“Há certo temor [de agentes econômicos] que isso se repita. Acho que não será exatamente a mesma coisa, mas é justificada certa desconfiança do mercado”, afirma.

Para ele, a própria escolha de Fernando Haddad para o comando do Ministério da Fazenda pode ser considerada uma surpresa, considerando as sinalizações iniciais de Lula que gostaria de colocar um político com capacidade de articulação política no cargo.

“Haddad não é exatamente um político, mas antes de tudo um intelectual, um nome das políticas públicas. O mercado talvez esperasse algo mais cauteloso vindo de Lula. Ele foi ousado”, diz.

“O que está na cabeça de Lula é que o governo precisa, ao longo dos quatro anos, algum equilíbrio fiscal, mas sem abrir mão da ideia de que o governo é o agente promotor do desenvolvimento. É possível fazer isso? É possível, mas é delicado. É muito fácil perder o controle do manejo”, pontua.

Já o cientista político Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice, acredita que o novo governo também dará espaço para nomes “fiscalistas”. “Há certa resistência de setores do mercado, mas também é preciso ponderar que não são nomes petistas”, diz.

“O que é possível esperar é que nomes mais ligados a esse viés fiscalista acabem sendo contemplados dentro da estrutura da equipe econômica. Afinal, é um governo de frente ampla, e Lula ganhou a eleição por representá-la e não ser um governo essencialmente petista, em que pese o fato de essas pastas iniciais serem compostas por nomes ligados ao partido”, aposta.

Para o analista político Creomar de Souza, CEO da consultoria Dharma Political Risk & Strategy, as primeiras notícias mostram um “movimento claro de o PT não fazer concessões naquilo que é visto por Lula como núcleo duro da administração”. O especialista acredita que a ação tem entre seus objetivos manter a coesão partidária no momento de decisões difíceis do futuro governo.

“Creio que algumas forças de mercado, de maneira muito correta de um ponto de vista democrático, fazem uma avaliação e pressionam o futuro governo com o objetivo de ter uma condução mais próxima aos seus interesses”, diz.

“Porém, é importante ter em mente que a política tem suas dinâmicas próprias. Creio que antes de termos todos os nomes, qualquer julgamento é precipitado, porém, é parte do jogo que os atores se movimentem em torno de seus interesses”, pondera.

Haddad tem indicado que pretende concluir a definição dos nomes de seu “primeiro escalão” até o início da próxima semana.

Pelas sinalizações iniciais do novo governo, Adriano Laureno, da Prospectiva Consultoria, acredita que a estrutura montada oferece “protagonismo forte” a Haddad na condução da política econômica, o que pode ser reforçado pela proximidade do novo ministro com Lula.

“Haddad não é nenhum acadêmico em macroeconomia. E também não é o melhor negociador com o Congresso. A tendência, portanto, é que ele seja principalmente um gerente das ideias e prioridades da sua equipe de secretários”, diz.

“E, graças à proximidade com Lula, consiga colocar a pauta econômica com prioridade na agenda do governo. Mas a negociação com o Congresso ficar mais sob a Secretária de Relações Institucionais”, complementa.

Mais do que o risco de déficits públicos sucessivos, as atenções do especialista estão voltadas para um possível aumento do tamanho do Estado − o que poderia redundar em aumento de carga tributária no novo governo.

“Apesar da preocupação do mercado sobre o equacionamento da questão fiscal com Haddad, me parece que o risco é mais de aumento do tamanho do Estado do que de déficits sucessivos. Ou seja, o maior risco é de um aumento no nível de impostos. Acho que as duas formas mais simples de fazer isso seriam a redução de benefícios fiscais e a criação do imposto sobre dividendos”, alerta.

Distribuição de poder

Os nomes anunciados pela equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, até o momento indicam uma hegemonia de petistas em posições estratégicas. Além de Haddad no Ministério da Fazenda e Mercadante no BNDES, o partido garantiu o comando da Casa Civil com Rui Costa.

A concentração de nomes petistas têm gerado reclamações no meio político, com pressões pela distribuição de espaços no Poder Executivo, de modo a refletir a frente ampla construída durante a campanha eleitoral.

“Os nomes estão em linha com o que foi a cozinha da campanha de Lula e as indicações, com exceção da Cultura, dizem respeito a ministérios de Estado. Essas dificilmente ficariam fora do que foi o núcleo duro da campanha e do círculo de confiança e de trabalho do presidente eleito”, observa Oliveira.

“Ao mesmo tempo, não são indicações do PT. Rui Costa não é tão benquisto pelo partido. Haddad é muito mais alguém próximo a Lula do que da base do partido. Ele flutua bem no partido, mas sua chegada ao poder se deve muito mais à relação com Lula e ao desempenho na eleição de São Paulo (que apesar da derrota, foi bom e ajudou na campanha presidencial) do que por indicação do partido”, diz.

Na avaliação do especialista, a bancada do PT na Câmara dos Deputados tem maior interesse em pastas como Educação, Saúde e Desenvolvimento Social, que têm mais recursos para investir e gerar dividendos eleitorais, e estão em disputa com outros partidos que integram a coalizão de Lula.

(com Reuters)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.