Appy: Efeito da reforma tributária mais do que compensa custo com concessões feitas

Apesar de novos custos à União incluídos no texto, secretário do Ministério da Fazenda diz que crescimento com reforma gerará recursos necessários

Marcos Mortari

O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (Foto: Divulgação)
O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (Foto: Divulgação)

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As concessões feitas e a ampliação de exceções promovida durante a tramitação da reforma tributária no Congresso Nacional tem impactos diretos sobre a alíquota dos novos tributos, os efeitos do novo sistema sobre o crescimento potencial do país e os custos da transição de regime para a União, mas o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 45/2019) que retorna à Câmara dos Deputados preserva em grande medida o espírito da versão original e das consequências esperadas.

A avaliação é do economista Bernard Appy, um dos autores da primeira versão da matéria e que desde o início do ano mudou-se para Brasília para tentar destravar um debate que se arrasta por décadas no país. Secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda, ele entende que a proposta em discussão reduz significativamente o nível de complexidade e o volume de contenciosos do sistema atual, corrige distorções alocativas e eleva a competitividade de produtos e serviços nacionais. Além de pôr fim à guerra fiscal travada entre Estados.

Durante sua passagem pelo Senado Federal, a PEC 45/2019 sofreu modificações que devem afetar as contas públicas do governo federal durante a implementação do novo sistema. A principal delas envolve a elevação dos repasses da União para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões. Mas também foi incluída a previsão de criação de um Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas e outro Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá.

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Para Appy, contudo, mesmo com hipóteses conservadoras para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) após a promulgação da PEC, a reforma tributária tem plenas condições de financiar os novos custos assumidos sem gerar problemas fiscais. Ele estima que a proposta deve aumentar em 10% o PIB potencial do país, sendo que somente a eliminação da cumulatividade deve provocar um incremento de 4 a 5 pontos percentuais sobre o crescimento em um horizonte de cerca de 15 anos.

“O custo realmente relevante é o do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. Com hipóteses até conservadoras de crescimento do PIB, os R$ 60 bilhões que ele vai chegar no topo de 2043 dão 0,4% do PIB − pode ser menos, se a economia crescer mais. Certamente, o impacto da reforma tributária sobre o crescimento mais do que financia esse valor”, afirmou em entrevista ao InfoMoney.

Ele acredita, ainda, que os efeitos da simplificação e da eliminação das distorções alocativas provocados pela reforma tributária são ainda maiores − o que garante mais folga em relação aos novos custos esperados com as mudanças aprovadas pelos parlamentares.

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“A arrecadação líquida é cerca de 20% do PIB. Ou seja, 4% disso são 0,8% do PIB, que seria o menor valor possível estimado de efeito da reforma tributária sobre a arrecadação da União − e que é o dobro do custo do Fundo de Desenvolvimento Regional. Os demais fundos − o Fundo de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas e da Amazônia Ocidental − certamente vão ter valores muito menores do que esse”, argumentou.

“O aumento do PIB é permanente. Ou seja, a reforma afeta o nível do PIB potencial de forma definitiva, e não apenas em um ano específico. Lembro apenas que a expectativa é que o crescimento adicional do PIB potencial gerado pela reforma seja bem superior a 4%. Esse é o impacto que resulta apenas do efeito da reforma sobre a eliminação da cumulatividade (que é aquele que pode ser calculado de forma mais precisa pelos modelos econométricos). Nossa expectativa é que o impacto total da reforma sobre o PIB potencial seja superior a 10%”, disse.

Leia os destaques da entrevista:

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InfoMoney: Quais são suas expectativas para o resto da tramitação da reforma tributária, agora que a PEC volta para análise da Câmara dos Deputados? Houve uma discussão inicial sobre o fatiamento do texto, mas os próprios relatores já se manifestaram contrários à ideia. Outra possibilidade discutida envolve a supressão de alguns trechos que o Senado incluiu. O que pode ocorrer para a construção de um entendimento que viabilize a promulgação da proposta pelo Congresso Nacional ainda em 2023?

Bernard Appy: Quem vai definir a estratégia é o próprio Congresso. Nossa função nesse processo é dar a nossa opinião, do ponto de vista técnico, sobre eventuais questões que eles queiram ajustar. O que o [relator da matéria na Câmara dos Deputados,] Aguinaldo [Ribeiro] deixou claro nas entrevistas é que ele entende que não caberia haver um fatiamento − ou seja, dividir em dois pedaços, com uma parte para promulgar agora e outra para continuar tramitando… Que eventualmente pudesse haver algum ajuste ou supressão de alguma parte do texto. Mas não há nenhuma definição do que poderiam ser essas supressões, quais seriam eventuais ajustes. Mas ele também deixou claro − e isso acho que é bastante positivo − é que a intenção é fazer uma tramitação que viabilize a promulgação da PEC ainda neste ano.

IM: Quais são os principais pontos de entrave para a tramitação da PEC na Câmara, considerando a diferente correlação de forças nas duas casas legislativas?

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BA: Não cabe ao governo se pronunciar sobre eventuais divergências de opinião entre as duas casas do Congresso Nacional. Se houver, é uma questão que precisa ser resolvida entre eles. Acho muito importante ter um diálogo entre as duas casas neste processo de última passagem pela Câmara e promulgação da PEC.

IM: Uma semana antes de o Senado Federal votar a reforma tributária, o Ministério da Fazenda estimou que a alíquota padrão poderia chegar a 27,5%, considerando o relatório de momento do senador Eduardo Braga (MDB-AM). Mas o texto sofreu novas modificações antes das votações na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário. Houve alguma mudança nas projeções da pasta? A alíquota pode ser maior?

BA: Nós ainda não finalizamos essa análise. As mudanças que foram feitas na fase final [trouxeram], de fato, algumas exceções adicionais, mas em princípio não muito relevantes em termos de impacto sobre a alíquota. Houve também mudanças que até têm efeito contrário, de permitir uma redução da alíquota, como a definição das contribuições para fundos estaduais [fora do cálculo para a definição do IBS], que havíamos considerado como receita de ICMS para a calibragem da alíquota − e que, portanto, exigiria uma alíquota padrão um pouco mais alta.

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Nós ainda não terminamos essa avaliação, mas nosso entendimento é que não muda muito em relação à estimativa que havia sido feita anteriormente. Mas o número preciso ainda não temos.

IM: O ex-secretário da Receita Federal José Tostes chegou a estimar que a alíquota poderia chegar a 30% ou passar disso com o novo texto. Isso não está no cenário do Ministério da Fazenda, portanto? Ainda estaríamos longe desta realidade?

BA: Depende da regulamentação. Este é um ponto importante. Se você fizer uma regulamentação que arrecade muito pouco no Imposto Seletivo ou com alíquotas muito baixas nos regimes específicos de tributação, obviamente pode haver uma alíquota mais alta do que aquela que estamos estimando. Mas com hipóteses que achamos que são realistas, achamos que não deve chegar a esse nível.

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IM: O senhor já disse diversas vezes que, quanto menos exceções, melhor para o novo sistema tributário. Também costuma alertar que exceções influenciam diretamente nas alíquotas. Por outro lado, elas também afetam na complexidade do sistema e nos riscos de contenciosos jurídicos e administrativos. Qual é o impacto das novas mudanças neste ponto? Em uma escala de 0 a 10, considerando o sistema atual como nota 0 e a PEC original como nota 10, qual nota o senhor atribuiria à versão que saiu do Senado, sob o ponto de vista de redução de litígios?

BA: A questão da complexidade e do contencioso andam juntas. Eu diria que, se temos um nível de complexidade e contencioso (resultante da complexidade) hoje no nível de 100, sem nenhuma exceção esperaríamos algo no nível de 10. Com as mudanças introduzidas na tramitação no Congresso, eu diria algo no nível de 30. É uma redução significativa da complexidade em relação ao modelo atual, mas um incremento significativo em relação ao que poderia ser se não tivesse nenhuma exceção.

Vale explicar que o efeito da reforma tributária sobre o crescimento não vem só da complexidade. Esse é um dos itens que afetam, mas há outros dois, que são o fato de que o sistema atual onera investimentos e prejudica a competitividade da produção brasileira − e isso está totalmente resolvido no texto apresentado. Além disso, o sistema atual distorce muito a forma de organização da economia. É o que chamamos de distorções alocativas, em que a economia é organizada de forma ineficiente em função de distorções que existem hoje no sistema tributário − e isso também está totalmente corrigido.

Portanto, dos três fatores que afetam o crescimento − complexidade, que tem efeito sobre o custo burocrático de apuração e pagamento de tributos e sobre contencioso; cumulatividade, que onera investimentos e afeta a competitividade da produção nacional; e distorções alocativas − os dois últimos estão totalmente resolvidos com a reforma tributária, e o primeiro está parcialmente resolvido. Não está 100% resolvido, não fomos para um modelo ideal, mas, ainda assim, em termos de complexidade, temos um avanço relevante em relação à situação atual.

IM: O Senado incluiu na PEC um trecho que prevê a aplicação do Imposto Seletivo sobre atividades extrativistas, mas ainda não há definições claras. Em outro flanco, os senadores mantiveram a possibilidade de contribuições cobradas por Estados sobre produtos primários e semielaborados − o que gera possível tributação sobre exportações. Qual é sua avaliação sobre esses dois pontos?

BA: O Senado tomou a decisão de prever a incidência do Imposto Seletivo sobre extração − que, no fundo, é extração de petróleo e de minerais − com uma alíquota máxima de 1% [do valor de mercado do produto]. Na prática, isso é equivalente a dizer que você está elevando os royalties de petróleo ou a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) em 1%. O efeito é semelhante. Foi uma decisão do Congresso, e isso, de fato, pode onerar as exportações. O efeito não é muito grande, mas pode − assim como os royalties e a CFEM já oneram.

Quanto à contribuição para fundos estaduais, o que havia saído da Câmara era um dispositivo que deixava em aberto, em termos de escopo e alíquota, contribuições sobre produtos primários e semielaborados − você poderia introduzir uma alíquota de 20% sobre celulose, por exemplo. E o que saiu do Senado foi algo muito mais restritivo, que é dizer que os Estados que hoje já têm contribuições sobre produtos primários, que são usadas para financiar infraestrutura e habitação, poderão mantê-las, até 2043, no nível e sobre os produtos que existem. Não pode ampliar a base de incidência ou subir a alíquota em relação àquilo que já existe. É muito mais restritivo, mas pode ter impacto sobre exportação.

IM: No caso da extração, o senhor vê algum risco de a produção local ser prejudicada e perder competitividade em relação aos importados?

BA: É equivalente a um aumento do royalty sobre o petróleo. Se você acha que o royalty sobre petróleo afeta a competitividade do produto brasileiro em relação ao importado, então sim. Se você acha que não, então não.

IM: E afeta?

BA: A questão não é só essa. A questão é saber como os outros países tributam a extração. Se você está olhando em termos de competitividade, tem que olhar [isso]. No fundo, acho que afeta mais a rentabilidade das empresas do que propriamente a competitividade, porque o preço dessas commodities é dado no mercado internacional.

IM: Nos últimos dias, governadores de seis Estados das regiões Sul (PR e RS) e Sudeste (ES, MG, RJ e SP) anunciaram que deverão aumentar suas alíquotas de ICMS ainda neste ano. Um dos vilões apontados foram as leis complementares aprovadas no ano passado fixando um teto para as alíquotas cobradas nos casos de serviços considerados essenciais. Mas outro foi a própria reforma tributária. Qual sua avaliação a respeito desta narrativa e da intenção de elevar o tributo?

BA: É fato que as leis complementares 192/2022 e, sobretudo, 194/2022 tiveram um efeito sobre a arrecadação dos Estados. Exatamente por este motivo 17 Estados já elevaram suas alíquotas modais do ICMS − e o fizeram sem qualquer menção à reforma tributária, até porque a maior parte deles aprovou projetos no final do ano passado ou no início deste ano, quando sequer estava claro qual seria o período de referência para a transição federativa da reforma tributária.

Agora, alguns Estados do Sul e do Sudeste, dos quais 5 não tinham elevado alíquota, colocaram isso como justificativa para o aumento do ICMS. Se a preocupação é com a receita futura, esse não é um bom argumento. Por quê? A reforma tributária estabelece que, na transição, a receita do IBS (o imposto que será gerido conjuntamente por Estados e municípios), com uma parcela decrescente ao longo do tempo, é distribuída conforme a participação dos entes na arrecadação entre 2024 e 2028. Há uma alíquota de referência, adotada automaticamente na transição, fixada pelo Senado Federal, tendo em vista a manutenção da carga tributária. Mas ela mantém a autonomia dos entes na fixação das alíquotas do IBS.

Se você supuser que algum ente, em 2029, quando começa a transição, ou em 2033, quando ela termina, se sentir prejudicado e alegar que sua participação no total da arrecadação, entre 2024 e 2028, não corresponde à sua participação histórica, ele teria autonomia para, em 2029, 2030, 2031, 2032 ou 2033, poder elevar sua alíquota de ICMS. Ele teria o custo político, é verdade, mas tem autonomia de fazer isso.

Eu realmente não consigo entender por que o governador hoje vai ter o custo político de elevar a alíquota de ICMS para evitar que o governador no cargo daqui a 10 anos tenha que incorrer ao mesmo custo político caso se julgue prejudicado. Obviamente, não é por isso que os Estados estão elevando a alíquota do ICMS agora. É que eles tiveram perda de receita por conta das leis complementares 192/2022 e 194/2022. Ou você acha que algum governador tenha desprendimento de incorrer hoje a um custo político que pode ser incorrido pelo sucessor daqui a 10 anos?

IM: Mas o governador que não reajustar hoje terá uma fatia menor no bolo da arrecadação total. Ele vai precisar elevar a alíquota de IBS para ter o mesmo resultado em repasse esperado. O efeito não é o mesmo. A carga teria que aumentar para ele poder ter acesso àquele mesmo montante…

BA: Não é exatamente a mesma coisa, mas muito próximo. O que estou dizendo é o seguinte: eu (como governador) posso incorrer em um custo político hoje se eu aumentar a minha alíquota, dizendo que essa vai ser a base sobre a qual vou ter participação no total do bolo em 2033. Mas posso perfeitamente fazer isso em 2033. A única diferença é que, se eu aumentar a alíquota hoje, esse aumento vai ter um efeito sobre a minha arrecadação, que é cadente ao longo do tempo [considerando a regra de transição prevista na proposta]. Mas nada impede que o governador, em 2029 ou 2033, diga: estou elevando minha alíquota por conta desse efeito de transição, e vou sinalizar que vou fazê-la cair ao longo dos próximos 50 anos, de forma a reproduzir exatamente o mesmo efeito [da transição da PEC]. Ou seja, dá perfeitamente para você aprovar uma lei estadual em 2033 que tenha o mesmo efeito que você tem aprovando uma lei estadual aumentando a alíquota do ICMS hoje. Não faz sentido você incorrer hoje a um custo político que pode ser incorrido no futuro tendo exatamente o mesmo efeito.

IM: As travas incluídas pelo Senado Federal para aumento de carga tributária em relação ao PIB impõem algum óbice a esse movimento?

BA: A trava é para essa alíquota de referência, adotada automaticamente para os entes da federação. Não se tira a autonomia dos entes em fixar suas cargas, sabendo que obviamente há um custo político de elevar a alíquota do imposto. Assim como hoje não existe nenhuma restrição para que Estados aumentem a alíquota do ICMS − tanto é que estão aumentando desde o fim do ano passado −, não vai ter restrição no futuro para que aumentem a alíquota do IBS. Obviamente, todo aumento de alíquota tem um custo político para poder ser realizado.

IM: A trava tem mais eficácia para a União, portanto?

BA: Ela é uma trava para a alíquota de referência, não é uma trava apenas para a União. Ela funciona em dois momentos: 1) em 2030 só para a União, pegando a receita de CBS e Imposto Seletivo em 2027 e 2028, que não vai poder ser superior, como proporção do PIB, à arrecadação de PIS, Cofins e IPI entre 2012 e 2021; 2) para União, Estados e municípios em 2035. Neste caso, a arrecadação de IBS, CBS e Imposto Seletivo, entre 2029 e 2033, como proporção do PIB, não pode ser maior do que foi a arrecadação de PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS entre 2012 e 2021. É uma trava que diz que a transição não terá efeito de aumentar a carga tributária relativamente a esse período de referência. Mas mantém-se a autonomia dos entes de poderem fixar suas alíquotas com o custo político que isso implica.

IM: Na PEC aprovada, há mais de 90 menções a leis complementares a serem criadas, que precisam ser enviadas ao Congresso Nacional em até 180 dias. Como está o planejamento do processo no Ministério da Fazenda? E como vai ser a divisão dos projetos? 

BA: Haverá pelo menos três projetos de lei complementar. Um deles, que é o mais relevante, regulamenta os novos tributos que estão sendo criados − IBS e CBS, que são os novos IVAs. Ele vai tratar de toda a questão setorial, base de incidência do novo imposto, fato gerador, base de cálculo, não incidência, todos os regimes específicos. Vai ter uma definição clara de qual é a lista de bens e serviços que terão alíquota reduzida, além dos critérios para distribuição da arrecadação para Estados e municípios, como vai ser feita a compensação do imposto.

Há uma segunda lei complementar, que cria o Comitê Gestor (responsável pela administração do IBS, tributo dos entes subnacionais]. Inclusive, estamos avaliando se a União deve participar dessa operação. Como é dos Estados e municípios, talvez faça mais sentido que seja uma lei complementar elaborada pelos entes − mais do que pela União.

E há uma terceira lei complementar, que trata do Imposto Seletivo. Essas três com certeza teremos. E alguns outros temas, que podem estar em leis complementares avulsas ou dentro dessas próprias. Talvez haja no máximo mais duas.

Vai precisar de uma lei complementar para a questão dos saldos credores acumulados de ICMS e PIS/Cofins. Muito provavelmente [esse ponto] vai estar dentro da lei complementar que trata dos novos tributos, mas, como faz referência a tributos antigos, não necessariamente precisa estar na mesma peça.

Há questões como a regulamentação dos critérios pelos quais os recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional vão ser transferidos para Estados e municípios. Isso talvez tenha uma lei complementar à parte, mas não está [definido]. Também pode eventualmente estar dentro do bojo de alguma das outras leis complementares.

Os casos mais importantes são das três que mencionei. Na mais relevante delas, que regulamenta os novos tributos, nós já temos um trabalho sendo feito aqui, mas estamos esperando a promulgação da PEC para chamar os Estados e municípios para trabalharem conosco. O ideal seria ter um projeto feito a três mãos. Já temos alguns contatos informais sobre esse tema, mas, assim que promulgada a PEC, vamos formalizar o convite para fazer um trabalho conjunto. Como as questões federativas estão bem encaminhadas na PEC, acredito que seja possível fazer esse trabalho a três mãos.

Esperamos enviar ao Congresso Nacional antes do prazo de 180 dias. Antes, eu achava que conseguiríamos enviar no início dos trabalhos legislativos, no começo de fevereiro, mas acho que isso será difícil. Mas acredito que não precisemos esperar os 180 dias para enviar. É um trabalho grande, já tem bastante coisa feita, mas ainda tem bastante trabalho para fazer − inclusive, de coordenação com os outros entes da federação.

IM: Durante a tramitação no Senado Federal, o volume de exceções aumentou, a possibilidade de cobrança de contribuições por Estados do Centro-Oeste até 2043 voltou, os repasses ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional foram elevados para R$ 60 bilhões e foi incluída a previsão de um fundo para Estados da região Norte que com Áreas de Livre Comércio. As mudanças tornaram a PEC mais “cara” para a União. Do ponto de vista fiscal, a reforma tributária nos atuais termos ainda “se paga”? Quanto o PIB potencial aumenta e qual o custo das novas mudanças para a União? Se houver um incremento de R$ 100 bilhões no custo para a União, ela consegue recompor as perdas a partir do crescimento gerado?

BA: Não há a menor chance de chegar em R$ 100 bilhões esse custo para a União. O custo realmente relevante é o do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. Com hipóteses até conservadoras de crescimento do PIB, os R$ 60 bilhões que ele vai chegar no topo de 2043 dão 0,4% do PIB − pode ser menos, se a economia crescer mais. Certamente, o impacto da reforma tributária sobre o crescimento mais do que financia esse valor.

É muito difícil quantificar com precisão o impacto da reforma tributária sobre o crescimento. O que conseguimos quantificar com uma precisão bastante razoável é o efeito da eliminação da cumulatividade, que dá algo como 4 a 5 pontos percentuais a mais de aumento do PIB potencial [após prazo de cerca de 15 anos], mas há todos os outros efeitos da simplificação e da eliminação das distorções alocativas − sendo que este último provavelmente é o mais relevante de todos − que são muito difíceis de serem quantificados ex ante. Mas muito provavelmente são maiores do que o efeito da eliminação da cumulatividade.

A arrecadação líquida é cerca de 20% do PIB. Ou seja, 4% disso são 0,8% do PIB, que seria o menor valor possível estimado de efeito da reforma tributária sobre a arrecadação da União − e que é o dobro do custo do Fundo de Desenvolvimento Regional. Os demais fundos − o Fundo de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas e da Amazônia Ocidental − certamente vão ter valores muito menores do que esse. Ainda a serem definidos, mas certamente não vão chegar nem perto do custo do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional.

O aumento do PIB é permanente. Ou seja, a reforma afeta o nível do PIB potencial de forma definitiva, e não apenas em um ano específico. Lembro apenas que a expectativa é que o crescimento adicional do PIB potencial gerado pela reforma seja bem superior a 4%. Esse é o impacto que resulta apenas do efeito da reforma sobre a eliminação da cumulatividade (que é aquele que pode ser calculado de forma mais precisa pelos modelos econométricos). Nossa expectativa é que o impacto total da reforma sobre o PIB potencial seja superior a 10%.

IM: Durante a transição, há o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros-Fiscais para fazer frente a eventuais perdas no fase out do ICMS. As 27 secretarias estaduais de Fazenda estimam que os incentivos concedidos sobre esse tributo corresponderão a uma renúncia total de receitas de R$ 232,49 bilhões apenas em 2023. A compensação pela União é proporcional à perda de potência do ICMS ao longo do tempo e nem todos os benefícios estão enquadrados nas regras da PEC, mas há uma avaliação de governadores de que os recursos previstos pela União não serão suficientes para honrar todos os compromissos. O senhor acredita no risco de judicialização?

BA: Acredito que não. A PEC garante o ressarcimento da redução, entre 2029 e 2032, dos benefícios industriais − porque os não industriais a própria Lei Complementar nº 160/2019 já previa a redução gradual entre 2029 e 2033 (e os industriais seriam extintos de uma vez em 2033).

Com a PEC, só estamos compensando aqueles benefícios que já não seriam reduzidos, pela legislação atual. Mas são só os benefícios concedidos por prazo certo sob condição. A nossa avaliação é que os R$ 160 bilhões que estão alocados para esse fundo de compensação de benefícios convalidados serão mais do que suficientes para poder fazer essa compensação.

Basicamente, cerca de 1/3 dos benefícios atuais são não-industriais, e 2/3 são industriais − então, o custo seria só de 2/3. Desses, há benefícios que não são concedidos, até 31 de maio deste ano, por prazo certo e sob condição. Realmente não vemos um risco fiscal neste caso. Ao contrário, a tendência é que sobrem recursos do fundo, que depois vão ser transferidos para o Fundo de Desenvolvimento Regional.

IM: O senhor se sente confortável de que a guerra fiscal terá um fim após o período de transição do ICMS previsto na PEC? E o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional corre algum risco de se tornar um instrumento de uma nova versão da guerra fiscal, e não ser usado como ferramenta para o combate à desigualdade entre os entes?

BA: A guerra fiscal com certeza acaba na forma de hoje, pois ela existe por conta da tributação do ICMS na origem. Isso não vai existir mais no novo modelo. Não há guerra fiscal com tributação no destino.

O FNDR é um instrumento de desenvolvimento regional [em] que os Estados vão ter que alocar. Eles podem alocar em investimentos em infraestrutura, em inovação e desenvolvimento tecnológico e em subvenções para empresas.

Subvenções para empresas reproduzem a guerra fiscal? Não. Hoje, um Estado dá um benefício para uma empresa que para ele não tem custo. Se ele não der o benefício, a empresa vai se instalar em outro estado, e ele não vai arrecadar nada. Dando, por exemplo, um crédito presumido de 80% do ICMS devido, ele arrecada um pouquinho (20%). Então, o Estado que está dando o benefício não tem custo, mas um ganho − pequeno, mas um ganho. E ele o faz sem se preocupar se está de fato explorando vocação regional ou está sendo uma forma eficiente de gerar emprego e renda.

Com o Fundo de Desenvolvimento Regional, é diferente: ele tem um montante limitado de recursos que vai ter que saber onde ele vai querer alocar. O Estado pode alocar mal o recurso? Pode. Não há nenhuma restrição. Se alocar mal, vai gerar pouco emprego e renda.

Em contrapartida, o Estado pode alocar bem o recurso, naquilo que tem maior capacidade de virar emprego e renda [para sua população], explorando suas vocações − e não só no setor industrial e em centros de distribuição, como existe hoje. Ele pode alocar recursos no setor de serviços, subvencionar o desenvolvimento de softwares, investir no setor de turismo. De repente, são formas mais eficientes de gerar emprego e renda do que ficar dando subvenção a uma empresa que é capital intensiva.

Eu tenho certeza que os Estados vão aplicar bem os recursos? Não. Mas tenho certeza que o governador que aplicar mal os recursos tem menos chance de se reeleger do que o governador que aplicar bem. Certamente é muito diferente do que existe na guerra fiscal. Hoje não há muita preocupação sobre se aquilo é uma forma eficiente de gerar emprego e renda, porque o custo é zero para o Estado.

É claro que, quando você olha o conjunto dos Estados, vai começar a ver que a guerra fiscal passa a se tornar inconsistente. É o Estado ‘A’ dando benefício para roubar a empresa que por vocação iria para o Estado ‘B’, e o Estado ‘B’ dando benefício para roubar empresa que por vocação iria para o ‘A’. No fundo, os dois perdem e temos uma alocação ineficiente da estrutura produtiva do país.

Com o novo modelo, a rigor, os Estados vão ter um incentivo muito maior para alocar bem naquilo que é a forma mais eficiente de gerar emprego e renda na região. Como os recursos vão sobretudo para os Estados menos desenvolvidos, a expectativa é que seja uma forma bem mais eficiente de gerar emprego e renda do que os mecanismos atuais.

E mais: o custo hoje, em termos de renúncia de receita, que é um gasto tributário, da guerra fiscal é muito maior do que o valor dos recursos alocados no Fundo de Desenvolvimento Regional. Estamos criando um instrumento mais eficiente, com menor custo, do que o atual.

IM: Um gira em torno de R$ 230 bilhões por ano, enquanto o outro chega no máximo a R$ 60 bilhões por ano…

BA: Exatamente. Sendo que esses R$ 230 bilhões, que são renúncia hoje, vão ser convertidos em uma alíquota menor do imposto, porque estamos mantendo a carga tributária atual. Estamos convertendo os benefícios atuais em uma menor alíquota do IBS e alocando recursos no Fundo de Desenvolvimento Regional em um montante bem menor. E acreditamos que será uma forma muito mais eficiente para gerar emprego e renda do que os benefícios fiscais atuais. Para os Estados mais pobres da federação, o montante recebido do fundo é maior do que o montante de benefícios que eles concedem hoje. Obviamente que os Estados mais ricos não.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.