‘Agora a economia vai pautar a política’, diz analista da Eurasia

Segundo Christopher Garman, a "retórica belicosa" de Bolsonaro "não é o principal motivo" de retração dos investidores internacionais. Em sua visão, o que mais afeta hoje a percepção dos estrangeiros em relação ao Brasil é a lenta recuperação da economia.

Estadão Conteúdo

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O cientista político americano Christopher Garman, responsável pela área de Américas da Eurasia, uma consultoria internacional de avaliação de riscos, tem um retrospecto notável em suas previsões sobre o Brasil.

Em 2014, logo depois das eleições, Garman antecipou a formação de uma “tempestade perfeita” contra a presidente Dilma Rousseff, com a combinação de um governo com sustentação política limitada e baixa credibilidade perante o mercado, um escândalo de corrupção “já contratado”, como o petrolão, e um cenário econômico complicado no exterior. Deu no que deu.

Em maio de 2018, quando os principais analistas do País apostavam na repetição do embate entre o PSDB e o PT ou numa disputa entre o PSDB e o PDT de Ciro Gomes, ele acertou mais uma vez, ao afirmar que Jair Bolsonaro tinha grandes chances de chegar ao segundo turno.

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Nesta entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Garman diz que, ao contrário do que aconteceu nos últimos cinco anos, “agora é a economia que vai pautar a política”. Segundo ele, a “retórica belicosa” de Bolsonaro “não é o principal motivo” de retração dos investidores internacionais. Em sua visão, o que mais afeta hoje a percepção dos estrangeiros em relação ao Brasil é a lenta recuperação da economia.

O sr. mantém contato frequente com investidores, bancos e grandes empresas internacionais. Qual é a percepção deles em relação ao atual cenário político e econômico do Brasil?

Eu diria que tanto as empresas multinacionais como o mercado financeiro reconhecem que, diante da grave crise macroeconômica do País, com forte desequilíbrio fiscal, a reforma da Previdência era necessária para haver qualquer recuperação da economia. Passada essa etapa, que deve ser concluída até meados de outubro, com a aprovação da reforma pelo Senado, é claro que você tira um risco do horizonte. Mas a pergunta é: isso vai ser suficiente para voltar a atrair investimentos externos? A resposta provavelmente é não.

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Por quê? O que impede a volta dos investimentos externos ao País?

O que atrapalha mais é que a economia não está se recuperando. A recuperação ainda é bem modesta. O investidor de fora vê com bons olhos a ampla agenda de reformas que a equipe econômica e o próprio Congresso estão articulando. Mas os detalhes dessas reformas ainda não foram apresentados e não se sabe a profundidade que elas terão. Então, há um reconhecimento de que o Brasil está tendo alguns avanços, mas com pouca clareza se essa agenda de reformas, que tem mais impacto na produtividade, vai levar a um crescimento mais robusto nos próximos anos.

Várias declarações do presidente Jair Bolsonaro tiveram grande repercussão no exterior. Que efeito isso tem nesse quadro?

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Algumas coisas atrapalham, sim. Há uma visão desse governo muito ruim fora do Brasil, uma cobertura da imprensa que transmite todas as declarações polêmicas do presidente, embora o maior impacto em termos de reputação tenha sido com a crise na Amazônia. Acredito que essa retórica não é o principal motivo de os gringos não estarem vindo para o Brasil. O Brasil está menos atraente porque a recuperação está muito mais lenta do que as pessoas imaginavam no início do ano. Isso contamina tudo. Esse é o fator mais importante.

O sr. está dizendo que, apesar das reformas, há uma certa frustração lá fora em relação ao Brasil? É isso?

Essas reformas podem aumentar a produtividade, mas não são coisas de curto prazo. São reformas mais estruturantes, com efeitos de médio e longo prazos. Isso dificulta. Também não ajuda o fato de o Brasil estar entrando numa fase mais construtiva em termos de aprovação de reformas, num momento externo ruim, com a aversão ao risco aumentando por causa da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Além disso, há uma preocupação com o desaquecimento em vários lugares – na Alemanha, na China e possivelmente nos Estados Unidos – e uma saída do mercado de ações. Hoje, o mercado financeiro olha para o Brasil e diz: “Bom, os preços já subiram bastante, já me queimei lá antes, o jogo não parece atraente agora”. É uma avaliação um pouco mais fria. O Brasil está pagando um preço por entrar nesse ciclo de reformas mais construtivas num cenário incerto, de desaquecimento global.

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Como as privatizações e as concessões se encaixam nesse cenário? Os investidores externos não vão participar?

Acredito que esse cenário não atrapalha esse investidor. Há apetite externo para ativos que estão sendo colocados à venda. Há ativos bem atraentes. O Brasil é o principal mercado da América Latina e ninguém pode ficar fora do País. Por isso, as consultorias internacionais estão apostando pesado no Brasil. Talvez o preço seja um pouco menor, mas não acho que é um empecilho para essa agenda de privatização andar. É claro que, se isso tiver êxito, ajuda um pouco na melhora da percepção externa.

Para concluir, como o sr. vê as perspectivas do País daqui para a frente? O cenário atual deve mudar para melhor ou para pior?

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Vai depender muito da economia. Se a gente olhar o que aconteceu no Brasil nos últimos cinco anos, a política é que pautou a economia. Grandes eventos políticos pautaram a economia. Agora, acredito que isso se inverteu. Então, para mim, o resultado da economia nos próximos 12 meses vai ter repercussões políticas bem importantes.

Que tipo de repercussão política o desempenho da economia pode ter?

Se a economia não se recuperar no ano que vem e o crescimento do PIB ficar abaixo de 1,5%, com o índice de desemprego em dois dígitos, a relação com o Congresso vai começar a piorar. Vai “bater” o pânico no Congresso, em decorrência dessa situação, e ele pode começar a tomar medidas ruins. Se a economia ficar patinando, o Congresso pode começar a pensar em aumentar o salário mínimo um pouquinho, flexibilizar o teto, esse tipo de coisa. Agora, se a economia crescer 2,2% no ano que vem e aumentar para 2,5% no ano seguinte, as lideranças no Congresso começam a ver que o retorno do ajuste e das reformas está vindo. Se isso acontecer, a percepção externa melhora, a agenda reformista continua e você consegue ter um ciclozinho virtuoso.

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