Daniel Kahneman, o psicólogo que ganhou o Nobel de Economia

Psicólogo, professor universitário, pesquisador e escritor israelense é um dos fundadores da “economia comportamental” e, em 2002, recebeu o Prêmio Nobel de Economia - embora ele não seja economista

Daniel Kahneman (crédito: Getty Images)
Nome completo:Daniel Kahneman
Data de nascimento:5 de março de 1934
Local de nascimento:Tel Aviv, Israel
Formação:Psicologia
Ocupação:Psicólogo, professor, pesquisador e escritor

Estudos do pesquisador israelense sobre tomada de decisões deram sustentação à economia comportamental. Para ele, um ‘otimismo delirante’ move o capitalismo.

Quem é?

Daniel Kahneman é um psicólogo, professor universitário, pesquisador e escritor israelense radicado nos Estados Unidos. Ele é um dos fundadores da disciplina chamada “economia comportamental” e, em 2002, recebeu o Prêmio Nobel de Economia, embora não seja economista.

De acordo com a organização do Nobel, Kahneman foi agraciado “por ter integrado conhecimento da pesquisa em psicologia à ciência econômica, especialmente no que diz respeito ao juízo humano e à tomada de decisões sob incertezas”.

Sua contribuição, segundo a premiação, é “ter integrado à análise econômica conhecimento fundamental da psicologia cognitiva, em particular sobre o comportamento sob incerteza, lançando assim as bases para um novo campo de pesquisa”.

Kahneman foi premiado pelo trabalho realizado ao longo dos anos 1970 ao lado do também psicólogo israelense Amos Tversky, morto em 1996. Porém, o prêmio Nobel não é entregue postumamente. Kahneman dividiu o prêmio com o economista norte-americano Vernon Smith.

Em 1979, Kahneman e Tversky publicaram na revista acadêmica Econometrica o artigo “Teoria da Perspectiva: Uma Análise de Decisões sob Risco”(em tradução livre), em que demonstram que as decisões humanas podem divergir sistematicamente das previsões da teoria econômica tradicional, propondo uma alternativa, a “Teoria da Perspectiva”. Essa pesquisa foi a principal motivação do prêmio.

Infância na guerra

Daniel Kahneman nasceu em 05 de março de 1934, em Tel Aviv, no então Protetorado Britânico na Palestina, hoje Israel. Ele nasceu quando sua mãe visitava parentes na região, pois na época a família morava em Paris, na França. Seu pai era chefe de pesquisa da indústria de cosméticos L’Oréal. “Meus pais eram judeus lituanos que haviam imigrado para a França no início dos anos 1920 e se saíram bastante bem”, contou Kahneman em sua biografia para o Nobel.

A bonança, no entanto, não durou muito, pois estourou a 2a Guerra e a Alemanha nazista invadiu a França em 1940. “Embora meus pais gostassem da maioria das coisas francesas e tivessem alguns amigos franceses, suas raízes na França eram superficiais e eles nunca se sentiram completamente seguros”, disse Kahneman.

De fato, seu pai foi levado na primeira grande captura de judeus no país e aprisionado no campo de deportação de Drancy, a noroeste de Paris. Ele foi solto depois de seis semanas por influência da companhia em que trabalhava, apesar de o fundador da L’Oréal, Eugène Schueller, ter sido apoiador do movimento fascista e antissemita na França.

Kahneman relata que desde cedo se interessou pelo comportamento das pessoas. Ele conta um caso ocorrido quando menino na França ocupada:

“Os judeus eram obrigados a usar a Estrela de Davi e a obedecer um toque de recolher às 18 horas. Eu tinha ido brincar com um amigo cristão e permaneci até tarde demais. Virei meu suéter marrom do avesso para caminhar as poucas quadras até em casa. Quando ia por uma rua vazia, avistei um soldado alemão se aproximando. Ele usava o uniforme negro que fui instruído a temer mais do que os outros: o usado por soldados das SS especialmente recrutados. Na medida em que eu passava mais perto, tentando caminhar rapidamente, percebi que ele me olhava intencionalmente. Então ele acenou, me pegou e me abraçou. Eu fiquei com muito medo que ele notasse a estrela em meu suéter. Ela falava comigo muito emocionado, em alemão. Quando me largou, abriu sua carteira, mostrou a foto de um garoto e me deu um pouco de dinheiro. Eu fui para casa com mais certeza do que nunca que minha mãe estava certa: as pessoas eram infinitamente mais complicadas e interessantes”, disse.

O autor fala sobre outras lembranças da infância que o marcaram: “As pessoas de quem minha mãe gostava de falar para os amigos e meu pai eram fascinantes em sua complexidade. Algumas eram melhores do que outras, mas as melhores estavam longe da perfeição e ninguém era apenas mau”, contou.

“Eu nunca vou saber se minha vocação para psicólogo é resultado da minha exposição prematura a fofocas interessantes ou se meu interesse em fofocas já era sinal de uma vocação nascente”, afirmou.

A família fugiu de Paris e se estabeleceu na Riviera, no Sul da França, mas teve que se mudar novamente quando os nazistas chegaram na região, indo de um povoado a outro até chegar à área central do país. Chegaram até a viver num galinheiro convertido. Em 1944, o pai morreu de diabetes. “Apenas seis semanas antes do Dia D [invasão das tropas aliadas na Normandia] que ele esperava tão ansiosamente”, afirmou Kahneman.

Juventude em Israel

Após a libertação da França e o fim da guerra, Kahneman, sua mãe e sua irmã se mudaram para a Palestina, em 1946.

“A mudança alterou completamente minha experiência de vida”, declarou o autor. “Eu tive muita empolgação intelectual no ensino médio, que foi induzida por grandes professores e compartilhada com colegas de mesma opinião”, disse.

Em 1954, ele se formou em Psicologia e em Matemática pela Universidade Hebraica de Jerusalém. “Eu me candidatei a uma unidade [militar] que me permitiria adiar o serviço até completar minha primeira graduação. Isso implicava em passar os verões na escola de treinamento de oficiais e parte do serviço militar usando minhas habilidades profissionais”, contou o professor.

Ainda em 1954, o jovem foi convocado para servir ao Exército. Após um ano como líder de pelotão, Kahneman foi designado para avaliar soldados e seu potencial para liderança, por ser psicólogo. Ele criou um sistema de testes e entrevistas com o objetivo de alocar os candidatos mais indicados para determinados postos.

No departamento de psicologia do Exército israelense, uma das funções de Kahneman era aplicar testes para descobrir “a verdadeira natureza” dos soldados avaliados: se eram talhados para liderança, leais, presunçosos, covardes etc. Os resultados dos testes, porém, não se confirmavam na prática, quando confrontados com as estatísticas de performance dos avaliados na escola de oficiais.

“A história era sempre a mesma: nossa capacidade de prever o desempenho [dos candidatos] na escola [militar] era insignificante”, afirmou o psicólogo. “Eu fiquei tão impressionado pela falta de conexão entre a informação estatística e a experiência convincente, que cunhei um termo para isso: ‘A ilusão de validação’.” O conceito viria a integrar o trabalho conjunto de Kahneman e Tversky nos anos 1970. “Foi a primeira ilusão cognitiva que eu descobri”, observou o Nobel de Economia.

Kahneman permaneceu no exército até 1956, mas antes ele trabalhou também no desenvolvimento de um método de entrevistas de recrutas de unidades de combate para identificar os incapazes e ajudar a colocar os soldados corretos em funções específicas. O sistema que ele criou permaneceu em uso por décadas.

“Se parece estranho que um tenente de 21 anos fosse designado para criar um sistema de entrevistas para um exército, vale lembrar que o Estado de Israel e suas instituições tinham apenas sete anos na época. A improvisação era a regra e o profissionalismo não existia”, contou Kahneman. O Estado de Israel foi fundado em 1948.

Apesar de sua contribuição para as forças armadas, Kahneman não é fã da ocupação israelense nos Territórios Palestinos. “Eu estou muito à esquerda no espectro político israelense, e sempre estive”, disse ele numa entrevista ao jornal britânico The Guardian.

“Eu odiei a noção de ocupação desde o início. Minhas primeiras memórias depois da Guerra [dos Seis Dias] de 1967 são de viajar pelos territórios ocupados com meus filhos. Havia toldos sobre mercearias com letras em hebraico anunciando macarrão [da marca israelense] Osem. Eu não aguentava. Achava aquilo horrível porque me lembrava das letras alemãs na França. Eu tenho sentimentos muito fortes sobre Israel como [potência] ocupante”, acrescentou. Kahneman teve um casal de filhos com sua primeira mulher, Irah.

Na Guerra dos Seis Dias, Israel enfrentou Egito, Jordânia e Síria, e ocupou a Península do Sinai, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e as Colinas de Golã. O Sinai foi devolvido após o acordo de paz entre Israel e Egito, assinado em 1979.

Na época da entrevista ao Guardian, em 2015, ele avaliava ser impossível um acordo satisfatório tanto para israelenses quanto palestinos, coerente com sua linha de pesquisa que questiona a racionalidade de decisões humanas. “Eu não acredito na capacidade da argumentação racional neste contexto”, afirmou.

Em 1958, Kahneman e a mulher partiram para os Estados Unidos. O psicólogo foi fazer doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde obteve o título de PhD em 1961. De 1961 a 1978, ele atuou como professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e, ocasionalmente, como pesquisador e professor visitante nas universidades de Michigan e Harvard, nos Estados Unidos, e Cambridge, na Inglaterra.

Parceria com Amos Tversky

A parceria intensa entre Kahneman e Tversky começou em 1969, quando ambos lecionavam na Universidade Hebraica de Jerusalém, e durou mais de uma década.

“Amos e eu compartilhamos a maravilha de possuirmos juntos uma galinha dos ovos de ouro: uma mente conjunta que era melhor do que nossas duas mentes separadas”, contou Kahneman. A dupla já foi chamada de “Lennon e McCartney” da psicologia, em referencia aos Beatles, e de “Dupla Dinâmica”, como os heróis dos quadrinhos Batman e Robin.

As pesquisas feitas pela dupla, que resultaram na “Teoria da Perspectiva”, mostram que a reação de indivíduos a perdas é muito mais intensa do que a reação a ganhos correspondentes, levando ao conceito de aversão a perdas ou ao prejuízo. Para Kahneman, essa constatação é a maior contribuição da dupla para o estudo dos mecanismos de tomada de decisão.

“As pessoas dão muito mais valor àquilo que podem perder do que àquilo que podem ganhar”, afirmou Kahneman em entrevista à revista IstoÉ em 2003. Eles descobriram que as pessoas muitas vezes fazem escolhas opostas quando confrontadas por problemas praticamente idênticos, mas formulados de maneira diversa.

Os dois observaram também que as pessoas são mais avessas ao risco em escolhas que envolvam ganhos certos, e mais dispostas a correr riscos em escolhas que envolvem perdas na certa.

“As pessoas odeiam perder algo mais do que ganhar alguma coisa, mas quando elas pensam em termos mais gerais, mais globais, em prosperidade, são mais receptivas à aceitação de risco”, declarou Kahneman à IstoÉ.

A descoberta dessas assimetrias na avaliação de ganhos e perdas, e a aplicação desse conhecimento na economia, viria a contradizer a teoria econômica tradicional, na medida em que desconstrói o “homo economicus”, caracterizado por sua racionalidade na tomada de decisões.

Kahneman e Tversky avaliaram que as pessoas muitas vezes tomam decisões com base em “heurísticas”, ou processos decisórios simplificados, passíveis de erros que podem comprometer nosso juízo na tomada de decisões, ou “vieses cognitivos”.

“Nunca ninguém tomou uma decisão por causa de um número. As pessoas precisam de uma história”, disse Kahneman certa vez. “Nós estudamos estupidez natural, não inteligência artificial”, afirmou Tversky, descrito pelo amigo e colega como piadista.

Paralelamente às pesquisas, Kahneman lecionou em várias instituições. Em 1978, deixou a Universidade Hebraica de Jerusalém para dar aulas de Psicologia na Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, mesmo ano em que casou com sua segunda mulher, a psicóloga britânica Anne Treisman, de quem ficou viúvo em 2018.

Em 1986, tornou-se professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde permaneceu até 1994. De lá, foi para a Universidade de Princeton, também nos Estados Unidos, onde lecionou até se aposentar, em 2007. Kahneman segue como professor emérito da mesma instituição.

Economia comportamental

No final da década de 1970, Kahneman deu início à segunda parceria profissional mais importante de sua carreira, com o economista norte-americano Richard Thaler, ganhador do Nobel de Economia em 2017 por suas contribuições para a economia comportamental.

“Nossa (dele e de Tversky) interação com Thaler eventualmente se provou mais frutífera do que imaginávamos na época e foi um fator decisivo para que eu recebesse o Prêmio Nobel”, disse Kahneman em sua biografia para a premiação.

“O comitê [do Nobel] me considerou ‘por ter integrado conhecimento de pesquisas em psicologia à ciência econômica’. Embora eu não queira abrir mão de nenhum crédito por minha contribuição, eu devo dizer que, em minha opinião, o trabalho de integração foi feito majoritariamente por Thaler e o grupo de jovens economistas que rapidamente se formou em torno dele”, afirmou o pesquisador.

Kahneman conta que ele e Tversky forneceram várias das ideias que posteriormente foram integradas ao pensamento de alguns economistas, e a “Teoria da Perspectiva” de ambos deu legitimidade à iniciativa de recorrer à psicologia como fonte de suposições realistas sobre agentes econômicos, mas ressalta que o texto fundador da economia comportamental foi um artigo publicado por Thaler em 1980.

Kahneman e Thaler realizaram diversas experiências de mercado e publicaram artigos nos anos 1980, em parceria com o também economista Jack Knetsch, envolvendo a reação do público a questões econômicas. “Isso foi o mais próximo que minha pesquisa chegou ao cerne da economia”, comentou Kahneman.

Desde então, a economia comportamental ganhou popularidade. A disciplina ensina que as pessoas frequentemente tomam decisões com base em chutes, emoções, intuições e “regras de ouro”; que suas escolhas sofrem influência da maneira como as opções são colocadas; e que os mercados são afetados por comportamentos de manada e consensos prematuros. Isso se opõe à teoria econômica tradicional, que prega que os indivíduos analisam racionalmente a relação custo-benefício das coisas para decidir.

Quando a bolha dos títulos hipotecários subprime estourou nos EUA, em 2008, a economia comportamental ficou ainda mais em evidência. “As pessoas que assumiram hipotecas subprime estavam completamente iludidas”, disse Kahneman à revista Finance & Development, do Fundo Monetário Internacional (FMI).

“Uma das principais ideias da economia comportamental, emprestada da psicologia, é a prevalência do excesso de confiança. As pessoas fazem coisas que não deveriam fazer porque acham que serão bem sucedidas”, acrescentou. Ele diz que o “otimismo delirante” é uma das forças que move o capitalismo.

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Best-seller

Em 2011, Kahneman lançou o livro “Rápido e devagar: duas formas de pensar” (ed. Objetiva), que se tornou um best-seller internacional. Nele, o autor fala de suas pesquisas e descobertas, da parceria com Tversky e de avanços posteriores.

“Meu objetivo principal é apresentar uma visão de como a mente funciona baseando-me em progressos recentes na psicologia cognitiva e social. Um dos progressos mais importantes é que agora compreendemos não só os prodígios como também as falhas do pensamento intuitivo”, diz ele no livro.

Na publicação, ele cria a metáfora de dois “agentes” em ação em nossas mentes. O Sistema 1 e o Sistema 2, que provocam, respectivamente, o pensamento rápido e o lento do título. O primeiro é automático, intuitivo e majoritariamente inconsciente, é o domínio dos vieses sistemáticos; e o último é analítico, deliberativo e consciente.

“O Sistema 1, intuitivo, é mais influente do que sua experiência lhe diz que é, e é o autor secreto de muitas escolhas e julgamentos que você faz”, afirma Kahneman no livro. A obra mostra as operações do Sistema 1, as influências entre os dois sistemas e os erros que cometemos em função disso.

Em 2021, Kahneman lançou outro livro, desta vez em parceria com o professor de Estratégia e Política Empresarial da École des Hautes Études Commerciales de Paris, Olivier Sibony, e Cass Sunstein, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, nos EUA.

Com o título de “Ruído: Uma falha no julgamento humano”, a obra (que será publicada em setembro ao Brasil) trata de fatores inconscientes que interferem na tomada de decisões, os “ruídos” do título. São interferências em decisões que, a priori, deveriam ser idênticas.

Os autores citam diversos exemplos cotidianos, como dois médicos da mesma cidade que fazem diagnósticos diferentes para pacientes idênticos, juízes do mesmo tribunal que dão sentenças diferentes para pessoas que cometeram o mesmo crime ou a empresa que dá respostas diferentes às reclamações de clientes dependendo do funcionário que atende.

Eles defendem que estas discrepâncias podem ser influenciadas até por fatores externos como o clima, o resultado de um jogo, o dia da semana e a hora do dia. A obra expõe erros cometidos por “ruídos” em várias áreas, como medicina, direito, saúde pública, projeções econômicas, inspeção de alimentos, criminalística, proteção à infância, estratégia e seleção de pessoal.

Os pesquisadores mostram que os “ruídos” estão presentes sempre que alguém faz juízo de algo ou toma uma decisão e que, frequentemente, as pessoas e instituições ignoram isso. O livro foi concluído já durante a pandemia, com os autores trocando ideias por videoconferência.

“Nosso tema principal é o ruído sistêmico. O ruído sistêmico não é um fenômeno do indivíduo, é um fenômeno dentro de uma instituição ou um sistema que supostamente deveria chegar a decisões uniformes”, afirmou Kahneman sobre a obra, em entrevista ao Guardian.

“Claramente a inteligência artificial vai vencer [a inteligência humana]. Como as pessoas vão se adaptar a isso é um problema fascinante”, acrescentou.

Atualmente, Kahneman vive em Nova York e mantém uma agenda intensa de aulas online, palestras e entrevistas.

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