Carlos Alberto Sicupira: o bilionário que começou vendendo carros e virou sócio da maior cervejaria do mundo

A história do administrador de empresas que formou com Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles a mais longeva e bem-sucedida sociedade do Brasil

Carlos Alberto Sicupira
Nome completo:Carlos Alberto da Veiga Sicupira
Ocupação:Administrador e empresário
Local de nascimento:Rio de Janeiro, RJ
Data de nascimento:1º de maio de 1948
Fortuna:R$ 42,64 bilhões (segundo a lista da Forbes 2020)

Quem é Carlos Alberto Sicupira

Autor da frase “custo é como unha, tem que cortar sempre”, Carlos Alberto Sicupira nasceu no Rio de Janeiro, em 1948, no Dia Mundial do Trabalho. A data não poderia ser mais premonitória.

Beto, como é conhecido, começou a trabalhar ainda adolescente, em um negócio de carros usados. Em 1973, foi contratado pelo Garantia, onde conheceu Marcel Telles e Jorge Paulo Lemann, com quem formaria uma das mais longevas e prolíficas sociedades do Brasil.

Junto, o trio comandou o icônico banco Garantia, transformou a Brahma na gigante global AB Inbev e criou o 3G Capital, fundo que comprou as gigantes Burger King, Tim Hortons, Popeyes e Kraft-Heinz, esta em parceria com Warren Buffett.

Assim como seus sócios, Sicupira é envolvido com filantropia. Foi ele quem trouxe para o Brasil a Endeavor, uma organização internacional que apoia o empreendedorismo. Em 2000, criou a Fundação Brava, que investe em projetos de melhoria da gestão pública e de organizações sem fins lucrativos. É também um dos investidores da Fundação Estudar, entidade que oferece bolsas de estudo para estudantes talentosos nas melhores universidades do mundo.

Família e formação

Filho de uma dona de casa e um funcionário público que fez carreira no Banco do Brasil e no Banco Central, Sicupira nasceu em 1948. Carioca e apaixonado pelo mar, na adolescência ele tinha a ideia fixa de entrar para a Marinha.

Mas logo que começou a empreender, o oceano ficou em segundo plano, se transformando em um hobby – ainda assim, um hobby muito importante: Sicupira tem quatro recordes mundiais e seis brasileiros de pesca submarina, esporte que pratica com seus sócios Marcel Telles e Jorge Paulo Lemann.

Muito antes de conhecê-los, Beto começou a trabalhar negociando carros usados ao lado de um amigo. Depois, passou a revender calças jeans que comprava nos Estados Unidos. Tudo isso antes dos 17 anos, quando se emancipou dos pais para poder comprar uma carta-patente de uma distribuidora de valores. Ele não havia nem começado a faculdade.

Já no curso de administração de empresas da UFRJ, Beto trocou novamente de ramo: vendeu a distribuidora de valores e se dedicou ao funcionalismo público, passando pelo Departamento Nacional de Estradas de Ferro, o Porto do Rio de Janeiro e o Serviço Federal de Processamento de Dados.

A experiência serviu para que ele tivesse certeza que havia muita coisa para melhorar no serviço público e, principalmente, que ele não queria ser funcionário de ninguém. Aos 20 anos, Sicupira arrematou, com um grupo de sócios, uma segunda distribuidora de valores, onde ficou por quatro anos.

No ano seguinte, graças à pesca submarina, Beto foi apresentado a Lemann, que na época tinha 30 anos. A empatia entre os companheiros de mar foi imediata. Mas Sicupira recusou as propostas para entrar no Garantia, apesar da insistência do novo amigo.

A parceria profissional só viria quatro anos depois, em 1973, quando Beto deixou o banco Marine Midland, em Londres, e topou entrar no Garantia, sem saber qual cargo ou o salário teria. “Não conversamos sobre o que eu ia fazer, quanto eu ia ganhar e se eu ia ser sócio. Simplesmente comecei”, disse Sicupira sobre sua chegada na corretora.

A chegada ao Garantia

No Garantia, a cultura era bem diferente de qualquer outro banco ou corretora da época. A ausência de divisórias e salas individuais exigia trabalho em conjunto e transparência, além de aumentar a informalidade no tratamento entre os funcionários, que promoviam trotes e brincadeiras, muitas vezes consideradas de mau gosto.

Nesse ambiente, no começo dos anos 1980, o Garantia tinha seis sócios principais: Jorge Paulo Lemann, Luiz Cezar Fernandes, Fred Packard, Hercias Lutterbach, Beto Sicupira e Marcel Telles.

Telles, chefe da mesa de operações, e Sicupira, líder de novos negócios, passaram a crescer mais do que os outros sócios. Com a saída de Fernandes, um dos sócios fundadores, Sicupira, Marcel e Lemann formaram um trio que nunca mais se separaria.

Conhecido por ser duro no trato (ele é chamado de “trator” por alguns ex-colegas), Beto passava longe das “brincadeiras” do escritório e até hoje evita festas e confraternizações. No dia a dia, Sicupira não economizava palavrões ou murros na mesa.

Em 2017, durante um evento para a Endeavor, Lemann matou a charada sobre a relação do trio de sócios: ele gosta de inventar coisas, Telles gosta de incentivar pessoas e Beto gosta de colocar ordem: “Ele é um militar, na realidade”. No fim das contas, Sicupira não ficou tão longe do sonho de se tornar almirante.

E a chance de “colocar ordem” em uma empresa surgiria em 1982, quando o Garantia comprou as Lojas Americanas.

Trajetória de empreendedor

No início da década de 1980, o caixa do Garantia estava cheio. Mas Jorge Paulo Lemann não queria distribuir o dinheiro em forma de bônus espetaculares aos funcionários da corretora. Lemann decidiu investi-lo em alguma empresa.

A companhia escolhida para foi a Lojas Americanas, que havia acabado de estrear na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e vivia um declínio após a saída de seus fundadores.

Na época, o valor de mercado da empresa não chegava a US$ 30 milhões – menos da metade do que a empresa tinha apenas em imóveis, US$ 100 milhões. O negócio não tinha como dar errado: se não fosse possível reverter a queda da companhia, ao menos seria possível lucrar com a venda dos imóveis.

Uma experiência mal-sucedida na Alpargatas mostrou a Lemann que um empresário precisa assumir o controle de fato da companhia, realizando um choque de gestão. E ninguém melhor para colocar ordem do que o “militar” do trio de sócios da corretora.

Uma empresa à beira da falência, com sérios problemas de gestão, seria uma oportunidade perfeita para Beto. Ele deixou o Garantia para receber 10% do que recebia no banco e com a missão de transformar as Lojas Americanas em um negócio lucrativo.

E ele se preparava para isso há alguns meses. Em 1981, o Garantia já comprava ações das Lojas Americanas e detinha o suficiente para assegurar um assento no Conselho de Administração. Beto passou a participar das reuniões de tênis, calça jeans, mochila e um caderno para anotar tudo que ouvia, lia e conversava com funcionários e concorrentes. Em pouco tempo, ninguém entendia mais do negócio do que Sicupira.

Quando começou a dar expediente no escritório das Lojas Americanas, Beto levou um jovem executivo e um auditor junto com ele. Seu plano era identificar quem eram os talentos da companhia e em quais setores ele poderia cortar custos – a mesma estratégia que seria seguida depois por Marcel Telles à frente da Brahma.

Para Beto, não faltava onde cortar. Poucos meses após sua chegada nas Lojas Americanas, 6.500 pessoas foram demitidas, 40% dos funcionários. Ele também cancelou o plano da antiga administração de construir uma subsede na Barra da Tijuca, com quadra de tênis e outras frivolidades.

A mudança mais polêmica foi no sistema de remuneração variável, que tinha metas tão fáceis que os executivos recebiam bônus mesmo se o desempenho da empresa piorasse. Durante uma reunião pela manhã, um grupo de 35 executivos pleiteou a volta do antigo sistema. Na volta do almoço, 32 deles não conseguiram mais entrar no prédio da empresa: todos haviam sido demitidos. Uma série de reclamações trabalhistas surgiu desse episódio.

Mas no Garantia não havia quem reclamasse das Lojas Americanas. O banco tinha pagado US$ 24 milhões por 70% da empresa. Seis meses depois, investidores queriam pagar US$ 20 milhões por apenas 20% da companhia.

Ainda em 1982, após enviar cartas para as maiores varejistas do mundo, Beto recebeu um convite irrecusável de Sam Walton, fundador do Walmart: conhecer de perto as operações da companhia nos EUA. Sicupira e Lemann desembarcaram em Arkansas e foram recebidos pelo próprio Walton, vestido de maneira simples e dirigindo sua velha picape. A afinidade foi imediata.

Com o megaempresário, Beto aprendeu a gastar “sola de sapato”, indo pessoalmente visitar lojas: as suas e as da concorrência – os dois chegaram a ser presos por “espionagem industrial”. Além disso, Sicupira percebeu a importância de motivar os funcionários, mesmo que fosse preciso usar métodos pouco ortodoxos. Inspirado em Walton, que dançou hula-hula em Wall Street para pagar uma promessa a seus colaboradores, o discreto Beto se vestiu de odalisca e dançou na Praça Mauá, no Rio, após seus funcionários baterem suas metas.

Na década seguinte, Beto e Lemann articulariam a vinda do Walmart para o Brasil, formando uma sociedade com Walton. Mas, como sócios minoritários, os brasileiros não controlavam o negócio. Assim, uma série de decisões equivocadas acabaram fazendo com que o Walmart demorasse anos até conseguir se firmar por aqui. A dupla não quis esperar: saiu da sociedade três anos depois de seu início.

O homem dos novos negócios

Beto ficou conhecido como o “homem dos novos negócios” no Garantia porque sempre vivia em busca de novas oportunidades. E ele encontrou uma delas justamente dentro das Lojas Americanas.

Em 1989, a varejista tinha 50 pontos de vendas próprios, que não melhoravam a avaliação da empresa no mercado e ainda mascavam a rentabilidade da companhia, já que não era necessário pagar aluguel.

Então Beto criou a São Carlos Empreendimentos Imobiliários, uma empresa que nasceu sem a necessidade de nenhum investimento, ficando responsável por gerir os imóveis da varejista. Hoje, ela tem um portfólio de mais de R$ 3,5 bilhões, dos quais menos de 10% são pontos de venda da Lojas Americanas.

Ainda em 1989, o Garantia comprou a Brahma. Marcel Telles foi enviado para a cervejaria para colocar em prática o mesmo choque de gestão que Beto tinha feito anos antes nas Lojas Americanas.

Pouco tempo depois, em 1993, era o momento de mudar novamente. Beto transferiu a direção das Lojas Americanas para seu então braço direito e foi se dedicar à criação do GP Investimentos, ou Garantia Partners Investimentos, o primeiro fundo de private equity do Brasil. A ideia era repetir a velha receita da corretora: comprar empresas em dificuldades, melhorar seus resultados e revendê-las anos depois por um valor mais alto a outros investidores ou por meio de abertura de capital na Bolsa de Valores.

Mas o novo fundo tinha um diferencial: enquanto a maioria dos fundos estrangeiros de private equity se envolvem apenas com os aspectos financeiros das empresas que adquirem, a proposta do GP era interferir diretamente na gestão, “colocando a casa em ordem”.

Com este argumento e os cases de sucesso das Lojas Americanas e da Brahma, Beto conseguiu levantar US$ 400 milhões, além dos US$ 100 milhões iniciais investidos pelos sócios do Garantia. Parece muito, mas o valor é baixo comparado aos mais de US$ 5 bilhões que a GP investiu em mais de 50 empresas desde que foi criado.

Com uma equipe pequena (eram apenas seis pessoas no início), a estratégia de assumir o controle das empresas para tocar a operação e deu muito certo na ALL, a America Latina Logística, por exemplo. Em quatro anos, a geração de caixa foi multiplicada por 18 e a empresa voltou a dar lucro. Mas com outros casos de sucesso também veio a falta de foco.

A GP passou a investir em muitas empresas ao mesmo tempo, sem ter gente capaz de geri-las e promover os choques de gestão necessários. Em 2003, chegou o momento de Beto e seus dois sócios abandonarem o barco.

Donos do mundo

No ano seguinte, o trio criou o 3G, um fundo com o objetivo de investir em empresas de fora do Brasil. No mercado nacional, o trio já havia formado a Ambev, com a compra da Antárctica pela Brahma, em 1999 e, agora, olhava para fora.

Enquanto a Ambev, que passou a ser o maior investimento dos três, se expandia na fusão com a Interbrew, que deu origem a InBev em 2004, e comprava a Anheuser-Busch em 2008, criando a maior cervejeira do mundo, o 3G também dava seus largos passos.

Primeiro, eles compraram, por US$ 4 bilhões, o controle da rede Burger King, em 2010. Anos depois, trouxeram para o portfólio a Restaurant Brands International, responsável pela operação da rede de cafeterias Tim Hortons e a rede de lanchonetes Popeyes.

Mas foi em 2013 que o passo mais ambicioso no exterior começou a ser dado. O grupo comprou, em sociedade com o megainvestidor Warren Buffett, a fabricante de alimentos Heinz, e, logo depois, incorporou a Kraft, em uma fusão que pretendia replicar no setor alimentício o mesmo sucesso do cervejeiro.

Mas, desta vez, a receita desandou. As vendas e o lucro despencaram e a empresa passou a enfrentar processos movidos por acionistas. Como resultado, o 3G vendeu mais de 25 milhões de suas ações da Kraft Heinz, reduzindo em quase 10% sua participação na companhia.

Para muitos analistas, parte da culpa pelo “passo em falso” se deve justamente a obsessão dos brasileiros por cortar tudo. Afinal, “corte é como unha”, o que acabou levando também a pouca inovação em produtos.

Mas a história do trio não acaba por aí. Beto, em particular, ajudou muitos outros empreendedores, investindo em empresas como a Dr. Consulta, que oferece serviços médicos para população de baixa renda, e a startup Hypercubes, que produz nanossatélites com capacidade de medir a qualidade do solo.

Familia

O segredo para a relação de negócios e de amizade tão longeva reside também em hábitos comuns, como a prática de pesca submarina, mas, principalmente, em uma afinidade de valores comuns: os três valorizam a simplicidade, têm uma certa aversão aos holofotes, não se importam com hierarquia e sempre mantiveram a autonomia em suas áreas, com funções muito bem delimitadas e separadas.

A confiança também é fundamental. E a maior prova de confiança no trio de sócios é que em 2000 os três redigiram um acordo, principalmente com a intenção de facilitar a sucessão já que, somados, os empresários têm 11 herdeiros.

“Em mais de 40 anos de sociedade, nunca conversamos sobre dinheiro. O sonho de empreender e querer fazer as coisas supera essas pequenas coisas. Se você ficar focado nisso e discutir isso, sua vida vira isso e você não constrói nada: não tem tempo para construir porque está querendo ganhar uma migalhinha a mais”, disse Sicupira em entrevista.

Beto é o único do trio que se casou apenas uma vez. Desde 1979, sua mulher é Cecília de Paula Machado, membro da tradicional família carioca Guinle de Paula Machado. Com a Cecília, Beto teve três filhas: Cecília, Helena e Heloísa.

Suas filhas já sabem que nunca poderão trabalhar nas empresas do pai – uma regra para todos os filhos dos três sócios. Só é permitido a eles passar um ano em um programa de trainee. A única concessão é que não precisam passar pelo processo seletivo.

Mas a proibição de trabalhar nas empresas parece não contemplar o conselho delas. No ano passado, Cecília assumiu o lugar de Beto no conselho da InBev e, Heloísa, após ser trainee na Ambev, está no conselho da São Carlos. Helena preferiu seguir carreira como estilista e é dona de uma marca própria.

Filantropia

A sociedade do trio também se estende para a filantropia. Beto, Lemann e Telles criaram a Fundação Estudar, que concede bolsas nas melhores universidades do mundo para jovens talentosos.

Mas, neste campo, ele também tem alguns voos solo. Em 2000, ele criou a Fundação Brava, que patrocina projetos de melhoria de gestão no setor público – algo que ele conheceu de perto quando passou alguns meses trabalhando como servidor.

Em 2000, Sicupira também trouxe para o Brasil a Endeavor, fundação internacional que apoia o empreendedorismo.

Para saber mais

Quer saber mais sobre a trajetória de Beto Sicupira? Confira a seleção do InfoMoney.

  • Sonho Grande (Cristiane Correa)
  • De um gole só (Ariane Abdallah)
  • Vai que dá! (Joaquim Castanheira)
  • Dethroning the king – The hostile takeover of Anheuser-Busch (Julie Macintosh)
  • Como fazer uma empresa dar certo em um país incerto (Endeavor)