Angela Merkel: a trajetória e o legado da mulher mais poderosa do mundo

Após 16 anos à frente do governo alemão, Angela Merkel se prepara para deixar o cargo de chanceler.

Angela,Merke
(Imagem: Shutterstock)
Nome completo:Angela Dorothea Merkel
Data de nascimento:17 de julho de 1954
Local de nascimento:Hamburgo, Alemanha
Formação:Física, doutora em Química Quântica
Cargo de destaque:Chanceler alemã de 2005 a 2021

Quem é Angela Merkel

Angela Merkel é uma cientista e política alemã. Foi chanceler da Alemanha de 2005 até 2021, cargo equivalente ao de primeira-ministra. Ela foi a mais longeva chefe de estado do país depois de Otto von Bismarck, no século 19, e de Helmut Kohl, seu padrinho político, de 1982 a 1998. Merkel vai deixar o posto após as eleições de 2021. Dependendo do tempo para formação e posse de um novo governo, poderá ultrapassar seu mentor.

Primeira mulher a comandar a Alemanha, Merkel sai de cena festejada como uma das principais lideranças políticas do mundo, popular em seu país e fora dele. Liderou os alemães durante a crise financeira internacional de 2008, a crise da Zona do Euro, a anexação da Crimeia, na Ucrânia, pela Rússia, em 2014, a crise dos refugiados na Europa, em 2015 e 2016, e durante a pandemia de Covid-19.

Vale ressaltar que o país é o mais rico e populoso da União Europeia, então seus governantes são líderes naturais do bloco. Merkel é reconhecida como gestora competente de crises e negociadora de consensos.

Merkel foi eleita para quatro mandatos consecutivos em 2005, 2009, 2013 e 2017. Ela decidiu não se candidatar para mais um período, apesar de seu prestígio. A chanceler é descrita como conciliadora, ponderada, pragmática, bem informada e alguém que houve mais do que fala. É, no entanto, criticada por adiar decisões até o último momento e, em determinadas situações, não agir de maneira incisiva o suficiente.

Desde que entrou na política, depois da queda do Muro de Berlin – e principalmente após se tornar chanceler -, seus jeitos, gestos, aparência, corte de cabelos, roupas, humor, modo de falar e o fato de não ter filhos, estiveram sob escrutínio público. Provavelmente de maneira mais intensa do que ocorre com políticos homens. Ela furou a bolha de uma atividade que, até sua ascensão, era eminentemente masculina na Alemanha.

“Entre as lideranças alemãs, Merkel é uma anomalia tripla: mulher (divorciada e casada novamente, sem filhos), cientista (química quântica) e da [antiga] Alemanha Oriental”, diz reportagem da revista New Yorker.

Merkel não é considerada carismática nem boa oradora, embora seja inteligente, muito instruída, hábil e eficiente na política. Seus discursos são qualificados como monótonos, mas é tida como engraçada na vida privada. É dada a ironias, mas tem pouca tolerância a críticas. Algumas de suas marcas registradas são as mãos unidas em forma de losango em frente ao corpo e os ternos de variadas cores.

É chamada pelos alemães de “Mutti”, o que significa “Mamãe”, embora não tenha filhos. Ela tem dois enteados, filhos do segundo marido.

Angela Merkel foi eleita dez vezes consecutivas a mulher mais poderosa do mundo pela revista Forbes.

Angela Merkel
Angela Merkel após a assinatura do tratado de coalizão entre o CDU e o SPD, 2005 (Imagem: Shutterstock)

Atrás da Cortina de Ferro

Angela Dorothea Kasner nasceu em Hamburgo, na então Alemanha Ocidental, em 17 de julho de 1954. Mais velha dos três filhos do casal Horst e Herlind Kasner – ele pastor luterano e ela professora de latim e inglês -, Angela tinha apenas semanas de vida quando a família se mudou para Quitzow, em Brandemburgo, na antiga Alemanha Oriental. Merkel cresceu, estudou e trabalhou na comunista República Democrática Alemã.

Em 1957, os Kasner se mudaram para Templin, também em Brandemburgo, ao norte de Berlim, onde a futura chanceler terminou o ensino médio. Ela era muito aplicada e se destacou nos estudos. Aluna de russo, participou de competições do idioma e venceu em todos os níveis, do local ao nacional. Ganhou como prêmio uma viagem à Rússia e tinha grande interesse no país que, na época, exercia influência quase absoluta na Alemanha Oriental, e na Europa do Leste como um todo.

Seu conhecimento do país e da língua russa é apontado como um dos fatores que a levaram a ser a principal interlocutora do presidente da Rússia, Vladimir Putin, entre as lideranças ocidentais.

Merkel integrou instituições juvenis do regime comunista da Alemanha, como a Jovens Pioneiros e a Juventude Livre Alemã, mas nunca se filiou ao partido governante e se recusou a ser informante da Stasi, a temida polícia política da época, mesmo tendo sido abordada. Manteve uma postura de silencio público e crítica privada ao governo.

De 1973 a 1978, estudou Física na Universidade Karl Mark, em Leipzig. Lá, conheceu seu primeiro marido, Ulrich Merkel, também estudante de Física. Eles se casaram em 1977, quando Angela tinha 23 anos, e se divorciaram em 1982. A futura chanceler, no entanto, manteve o sobrenome do ex-esposo.

Em 1986, ela obteve um doutorado em Química Quântica. Desde que terminara a faculdade e até entrar na política, trabalhou na Academia de Ciências da Alemanha Oriental, uma instituição de pesquisa, em Berlim. Segundo a New Yorker, Angela era a única mulher do departamento de química teórica, “uma observadora atenta dos outros e intensamente curiosa sobre o mundo”.

Muro caiu

Depois da queda do muro, em 09 de novembro de 1989, Merkel se uniu ao recém criado partido Despertar Democrático. De acordo com a New Yorker, aos 35 anos, ela bateu na porta da agremiação e disse: “Posso ajudar?”. E ajudou. Em fevereiro de 1990, ela se tornou porta-voz de imprensa da legenda.

No mesmo mês, o grupo se juntou à Aliança para a Alemanha, uma coalização que contava com a União Social Alemã (DSU) e a União Democrata Cristã (CDU). A coligação ganhou a primeira e única eleição livre da Alemanha Oriental, em março de 1990. O novo primeiro-ministro, Lothar de Maizière (CDU), nomeou Merkel como porta-voz adjunta do governo.

Ela se filiou à CDU e o partido se fundiu à sua contraparte na Alemanha Ocidental, a CDU de Helmut Kohl, em 01 de outubro de 1990, um dia antes da reunificação da Alemanha. Em dezembro, na primeira eleição do país reunificado, Merkel foi eleita para o Parlamento, o Bundestag, então ainda em Bonn, hoje em Berlim.

Kohl, artífice da reunificação, a nomeou para seu gabinete como ministra das Mulheres e Juventude. O então chanceler apresentou Merkel como “mein Mädchen”, ou “minha garota”. Ela passou a ser chamada de “Kohls Mädchen”, ou “Garota de Kohl”. Em 1991, Merkel foi escolhida como vice-presidente da CDU.

Depois das eleições de 1994, com mais uma recondução, de Kohl, Merkel passou a ser ministra do Meio Ambiente. Ela presidiu a primeira Conferência das Nações Unidas para o Clima, realizada em Berlim, em 1995. A primeira COP.

Em 1998, Kohl perdeu a eleição para Gerhard Schröder, do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD). No mesmo ano, Merkel foi eleita secretária-geral da CDU e casou com seu segundo marido, o químico Joachim Sauer, seu companheiro havia muitos anos.

Fila anda

Em 1999, a reputação de Kohl e da CDU foi abalada por um escândalo de financiamento de campanha que envolvia doações não declaradas e contas secretas. A “Garota de Kohl” não perdeu tempo e publicou carta aberta na imprensa conclamando o partido a romper com seu antigo líder.

“Agora o partido precisa aprender a andar e ousar travar batalhas com seus oponentes políticos sem seu cavalo de batalha, como Kohl frequentemente gosta de chamar a si mesmo”, escreveu ela. “Nós que agora temos responsabilidade pelo partido, e não muita por Helmut Kohl, vamos decidir como abordar esta nova era”, acrescentou. Em 2000, Merkel foi eleita presidente da CDU, primeira mulher e primeira pessoa não católica a ocupar o cargo.

Embora tivesse vontade de se candidatar a chanceler em 2002, por pressão do partido cedeu a vaga para Edmund Stoiber, da aliada União Social Cristã (CSU). A coligação perdeu a eleição para o social democrata Schröder, e Merkel se tornou líder da oposição.

Navegando crises

Em 2005, porém, ela saiu candidata e venceu Schröder, sendo confirmada como primeira mulher chanceler da Alemanha. Em seu primeiro mandato, após referendos na França e na Holanda terem derrubado o projeto de uma Constituição Europeia, ela se empenhou na negociação do alternativo Tratado de Lisboa, que deu ao bloco suas características institucionais atuais.

Em 2011, Merkel mudou de opinião sobre a energia nuclear e anunciou o fechamento gradual de todas as usinas atômicas da Alemanha, após o desastre de Fukushima, no Japão.

Uma das principais crises enfrentadas por Merkel foi a da Zona do Euro, a partir de 2010, que se seguiu à crise financeira internacional detonada em 2008. Ela demorou para concordar em socorrer a endividada Grécia e, em 2011, bloqueou iniciativas dos Estados Unidos e da França de promover uma ação europeia coordenada, frente à deterioração das economias de países do Sul da Europa e das ameaças à integridade do euro.

Merkel acabou concordando com um plano para evitar o calote grego por meio do Banco Central Europeu, após pressão de outras nações do bloco e dos EUA, mas a Grécia e outros países endividados foram submetidos a rígidas regras ficais e à supervisão da UE sobre seus bancos centrais.

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“Se o euro cair, a Europa cai”, disse ela na época. Apesar da afirmação, sua atuação na ocasião rendeu críticas: de se preocupar mais com seu eleitorado do que com seu lugar na história, de priorizar táticas de curto prazo ao invés de ter estratégias duradouras. “Na Europa, onde a influência da Alemanha é mais importante, a relutância da sra. Merkel em exercê-la é especialmente decepcionante”, diz a revista britânica The Economist.

Críticas semelhantes ocorreram quando da anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014. Merkel não teria sido contundente o suficiente na oposição à ação de Putin. Sua relação com o líder russo continua a ser objeto de desaprovação, e também com a China. A Economist a chama de “complacente”.

A revista reclama que a Alemanha “aconchega-se” com Pequim em busca de vantagens comerciais e dá muito poder a Putin sobre o abastecimento europeu de energia, ao apoiar o novo gasoduto Nord Stream 2, para fornecimento de gás da Rússia à Alemanha.

Em 2015, no entanto, Merkel deu bola dentro ao anunciar a abertura das fronteiras para um milhão de refugiados, em meio a uma crise exacerbada pela guerra civil na Síria, na mão contrária de outros países europeus. Contrariou alguns líderes europeus e despertou a ira de grupos de extrema direita, mas se saiu como heroína internacional.

Mais recentemente, em 2020, marcou outro gol ao adotar medidas firmes para contar a disseminação da Covid-19 logo no início da pandemia, como a suspensão de uma série de atividades e o confinamento das pessoas.

Ela ainda endossou a criação de um instrumento financeiro que permitirá à União Europeia emitir títulos da dívida garantidos conjuntamente. O dinheiro poderá ser usado para empréstimos, mas também em doações, injetando bilhões na retomada da economia pós-Covid e ajudando a viabilizar o ambicioso Plano Ecológico Europeu (European Green Deal), de desenvolvimento sustentável.

De acordo com a Folha de S. Paulo, Merkel fez 533 viagens ao exterior como chanceler e esteve em 89 países. Entre eles, o Brasil. Ela assistiu a vitória da Alemanha sobre a Argentina na final da Copa do Mundo de 2014, no Maracanã, ao lado da então presidente brasileira, Dilma Rousseff. Isso foi depois do inesquecível 7 a 1.

Angela Merkel comemora a conquista da Copa do Mundo de 2016 com seleção alemã

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