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Um ambiente de negócios com menores despesas cartoriais. Este é um cenário que pode se tornar realidade se a tecnologia blockchain, que é a base para registro de transações de algumas criptomoedas, continuar ampliando sua participação na economia brasileira. Algumas empresas, como a fabricante BRF e a rede de varejo Carrefour, já adotaram a tecnologia em alguns de seus processos de operação com objetivo de impedir fraudes na produção e comercialização de alimentos. O blockchain funciona como um livro-razão onde toda transação, permanentemente registrada, está a salvo de possíveis alterações. “Em algum tempo, acordos vão ser registrados em cadeia de blockchain, porque existe a garantia de que é íntegro, com possibilidade de recuperação. Isso não só para bancos, mas para cartórios”, diz o coordenador de Marketing Digital da Fundação Getulio Vargas (FGV), André Miceli. O professor ainda alerta que “os cartórios terão um belo desafio pela frente”, uma vez que a tecnologia de criptomoedas como o bitcoin também propõe segurança jurídica para qualquer tipo de transação.
O representante do Blockchain Research Institute no Brasil, Carl Amorim, explica que o grande diferencial da tecnologia, muito além de registrar transações de criptomoedas, é o de proporcionar um ambiente para o tráfego seguro de ativos. “No blockchain você transfere um ativo, manda para alguém e acabou. Não é como na internet, onde você envia cópias de documentos. Ele veio para facilitar as transações e as trocas sem intermediários de valor.” Amorim também é editor e tradutor de Blockchain Revolution (Senai-SP), best-selle r de negócios em 2016, do canadense Ton Tapscott. Segundo o especialista, essa tecnologia chegou para ficar. “Essa é uma daquelas mudanças inevitáveis, como foi a internet.”
A nova tecnologia que começa a ser incorporada por empresas pode ser um recurso eficaz para redução de custos em diferentes transações, entre elas o controle de acordos e produtos. “Os processos devem ficar todos mais baratos porque intermediários serão eliminados. Não será mais necessário ter grandes departamentos de faturamento, cobrança, contas a pagar e contas a receber. Tudo isso irá se autoexecutar por meio de smart contracts”, diz. Contratos inteligentes – em tradução livre –, os smart contracts são um código de computador com normas e penalidades autoexecutáveis. O uso desse tipo de contrato dispensa a necessidade de mediadores. O blockchain é uma maneira renovada de tratar a informação, avalia o CEO da Latoex, plataforma de negociação de tokens (unidades de valor), Fabio Silva. “Estamos tratando da descentralização da informação e do fim do intermediário. Você será dono da sua informação, isso impacta diretamente diversos modelos de negócios.”
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Aplicar tecnologias como o blockchain requer, no entanto, profunda mudança cultural por parte de empresários. É necessário que se esteja disposto a mudar seu modelo de negócio para que a inovação aconteça. “Estamos sendo treinados há anos para pensar modelos centralizados. Bancos, seguradoras, indústria, varejo e governo vão ter de mudar seus processos internos se quiserem sobreviver porque startups vão surgir com formatos muito mais eficientes, ágeis e fáceis de ser utilizados. Ganha quem souber fazer a transição do modelo hierárquico para o distribuído”, pondera Amorim. Ele acrescenta que manter hábitos antigos de negócio ao usar uma nova ferramenta inutiliza seu potencial inovador. “Perderão aqueles que não conseguirem fazer essa transição cultural para a forma mais horizontal.” Outro possível entrave para o sucesso da tecnologia é a falta de incentivo em projetos de pesquisa por parte de empresas, defende Amorim. “O empresariado brasileiro não investe em pesquisa e desenvolvimento. Quer comprar o produto já funcionando, não investe em conhecimento, mas em execução de projeto.” A aceitação do novo modelo anda em ritmo lento entre outros setores do País. “Falase pouco do registro de processos de saúde, em uso do blockchain na cadeia de suprimento. Lá fora, caminha mais nessa direção. Aqui ainda estamos replicando formatos antigos de negócio.” Fundador e CEO da exchange – espécie de corretora – BRE Coins, o professor Joel de Souza faz um alerta para a velocidade com a qual a nova tecnologia vem sendo utilizada pelas empresas. “No Brasil temos que acelerar o uso privado do blockchain para não sofrermos de obsolescência competitiva.”
Em um cenário menos definido que o do blockchain, as criptomoedas também iniciaram uma trajetória irreversível no sistema financeiro. Para o professor Miceli, da FGV, elas vieram para quebrar fronteiras. “Elas estão, em tese, acima do sistema bancário. E, se tiverem aceitação em larga escala, torna-se desnecessária a moeda local para converter. Elas são uma potencial vantagem para o sistema financeiro”, avalia. “Mas do jeito que estão hoje não trazem vantagem real para o mercado, são um componente adicional de um jogo financeiro.” Miceli acredita no crescimento do uso de moedas virtuais em ambientes virtuais, como a Apple Store e o serviço de streaming Netflix. “Essa utilização nichada é algo que deve acontecer mais.” Para Souza, da BRE Coins, a utilização de criptomoedas, tanto como meio de pagamento como de ativo para investimento, possibilita a abertura de mercados. “Trata-se de um caminho sem volta e com avanços que farão surgir novos e valiosos segmentos de negócios.
*Esta reportagem foi originalmente publicada na edição de número 68 da revista LIDE, em 19/03/2018.